Sou morador de rua há vinte cinco anos. Acordo com o nascer do sol, depois de uma longa e fria noite, na escadaria da igreja. Parece que Deus fechou a porta da igreja para mim e sobrou apenas o frio da calçada e um cobertor velho.
A Praça da Sé por falta de opções se tornou a minha casa, uma casa enorme, afinal são aproximadamente quarenta metros. Ela se inicia com a Catedral Metropolitana, que leva traços góticos e bizantinos e se destaca por um telhado verde. A praça termina com uma rua paralela de prédios. Na minha casa, não há bancos, nem fontes, apenas um chão de concreto cinza, que combina com o céu azul emburrado de São Paulo. O jardim é lindo: duas fileiras de palmeiras imperiais,que caminham paralelamente com os prédios. Os prédios altos e sem cor têm sua base um comércio: uma livraria, um açougue, uma farmácia, mas nada se pode comprar, se não possuir dinheiro. O governador adora exaltar as esculturas da praça: o "Marco Zero" e o monumento "José de Anchieta", diferente de nós, moradores, que ele faz questão de esconder. As únicas coisas coloridas e com vida desse ambiente cinza e imóvel são as pessoas, que, coloridamente, andam de um lado para o outro, em ziguezague e de trás pra frente.
Depois de ter presenciado milhões de pessoas gritando pelo fim da ditadura naquela praça, agora ela está mais para Ágoradesativada, apesar do barulho só silêncio. Escutei uma mulher berrando e um homem transtornado com uma arma na mão. Entrei em uma luta frontal com o sujeito, havia uma força que me empurrava, uma arma que me tirou a vida. Em certo instante, despedi-me da minha casa, morri ali onde vivi, sem direito, sem respeito, invisível. Tornei-me famoso, apenas com a minha morte, tornei-me herói não por sobreviver à rua, mas por ter salvado aquela pobre mulher.
*Texto em homenagem o morador de rua Francisco Erasmo Rodrigues de Lima, 61 anos, que morreu ao ajudar uma refém a se libertar de seu sequestrador na Praça da Sé, no Centro de São Paulo (em 4 do setembro de 2015).
Praças gregas em que se discutia política.
VOCÊ ESTÁ LENDO
AS ESTRELAS SÃO AS PINTAS DO UNIVERSO
RandomO livro "As estrelas são as pintas do universo" é uma coletânea pequenas crônicas sobre identidade, amor e afins, escritas por uma adolescente. A busca de si mesma, a procura incansável pelo príncipe encantado, o término do namoro, a dúvida de que c...