Perca a fé, pois a própria, já desistiu de você
Apesar do frio, meu corpo esquentara de pressa conforme eu me ajeitava, sentada na cama ao lado de tia Betty. Fios interligavam o pulso dela, acamada e inerte com ambas as pálpebras tremulas. Enquanto eu segurava sua mão esquerda, gélida, esperei que ela acordasse.
— Não atrase sua vida por minha causa — disse ela ainda de olhos fechados.
— Você é tudo o que tenho.
— Estou... velha, afinal. Mais velha. Não espero nada mais da vida, minha querida... a morte já está impaciente comigo — Apertei sua mão e olhei para a maquina responsável pelos fios que a rodeavam. Depois me voltei para ela e suspirei. Escolhemos ficar em silencio por alguns minutos.
— Tia, você ficará internada por um tempo, eles vão resolver o problema do seu peito, pode ter certeza disso.
— Que problema? Estou me sentindo ótima — insistiu.
— Você está com excesso de gordura nas veias centrais do coração. Após a bateria de exames, eles te encaminharão para uma cirurgia.
— Isso não está me animando — advertiu abrindo os olhos lentamente e franzindo a sobrancelha.
— Você logo vai esquecer de tudo o que estou falando, então que diferença faz? — caçoei.
— A diferença é que mesmo eu esquecendo das coisas que me fala, eu não esqueço de você, Pandora. Isso faz toda a diferença — Olhei para o lado desconcertada, engolindo seco minhas próximas palavras — Promete uma coisa para sua tia.
— O que?
— Não desanime da vida tão cedo. Entregue os pontos só quando estiver com a minha idade. Vai viver, mulher! Não quero partir desta para pior sabendo que você continuara nessa mesmice. Faça pelo menos uma vez algo que você goste, chega de pensar nesta velha rabugenta, pois logo você irá virar uma também.
— Não está muito longe desse dia chegar. Mas eu vou levar em consideração o que você disse, tia, tudo bem? Não vamos ficar falando sobre essas coisas agora, descanse um pouco. Já passei seus medicamentos diários para a enfermeira. Vou ao mercado, você quer que eu lhe traga algo?
— Não, obrigada. Vá descansar também, foi um dia longo. Estou com meu celular, se eu precisar de alguma coisa eu te ligo — concluiu ela virando o rosto para o lado oposto. Tia Betty de fato estava amargurada por ficar em uma situação como aquela. Digo não pelo infarto, mas por pensar estar se tornando uma pedra no meu sapato.
O dia continuava lúgubre, com o céu coberto completamente por nuvens escuras, acinzentadas, ocupado por pássaros que voavam apressados, temerosos pela chuva que retornaria a Londres. A calçada do hospital, úmida, estava repleta de pessoas apressadas, atravessando a rua principal, sem olhar muito adiante. Algumas de jalecos brancos, outras de terno, segurando malas de couro beje e guarda-chuvas fechados entre o braço e a cintura, enquanto as demais dentro de seus veículos, grudadas em seus celulares, aguardavam impacientes a passarela. Minha visão parecia ter um filtro de câmera, pois tudo e todos tinham um tom semelhante, pincelados pelo céu.
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III - Liberdade Para Irrecuperáveis
Misterio / SuspensoDa sequencia de Rebelião dos Irrecuperáveis, Pandora Moon, 28 anos, castigada pelo passado agora se vê fazendo uma difícil escolha em abraçar uma causa que a tempos fora esquecida. Unindo forças com novos e antigos aliados, ela selará seu destino e...