ATO 42

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Em última análise, amam-se os nossos desejos, e não o objeto desses desejos.

Em última análise, amam-se os nossos desejos, e não o objeto desses desejos

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     O cenário tomou forma. 

     Encontrávamos em uma floresta enorme, com montanhas que flutuavam no fim do horizonte e o céu decorado por alguns planetas que eram ofuscados por nuvens cinzentas. Quando o mau estar sessou, eu já não andava com duas pernas e sim com quatro. Ao sair do negrume, a criatura de pelagem vermelha avançou até mim com sua bocarra mortal e cravou seus dentes em meu pescoço. Nos atracamos no chão até descermos um pequeno morro e desprendermos uma da outra.

     Rolamos até a parte de um lago, onde de relance, pude ver meu reflexo. Minha cabeça era de um guaxinim e meu corpo de um tigre. Também fui presenteada com poderosas garras. As usei em minha defesa quando a criatura se levantou e disparara até mim. Fomos transformadas em monstruosidades peludas, fortes e mortais. Arranhei seu rosto. Ela arranhou o meu. Um breve instante chocamos nossos corpos até ficarmos sob duas patas. O empate foi definitivo, pelo menos até aquele momento.

     Grandes paredes surgiram do céu e caíam em nossa volta, fechando o local em um comodo apertado. Não se via mais a floresta, apenas o gramado e os grandes concretos recém chegados. Minha adversária golpeou-me com uma investida de cabeça, me desestabilizando e arremessando-me para a parede mais próxima. A força quebrou parte da construção e me jogou para outro comodo. Ao cair no chão, notei que as patas sumiram. Voltaram a ser mãos, porém, pequenas. Passei os dedos em meus cabelos e olhei para minhas vestes. Uma camiseta com listras preto e branco e um shorts jeans rasgado. O corpo magro e frágil denunciou a volta de meus doze anos.

     Ouvi mais vozes.

     Quando estiquei o pescoço para o lado, percebi onde estava.

     Jader e Alene se esmurravam no fim do quarto, em um corredor mal iluminado. Eu estava em minha antiga casa, com meus antigos pais. Não tive tempo de absorver aquilo. A criatura vermelha voltara a ser Pompoo. A diretora me dera um golpe certeiro de bengala como se atingisse uma bola com o bastão de golf, jogando-me na parede mais próxima. O concreto se desfez na hora que o toquei. Fui parar em outro cenário, caindo de costas.

     Era um labirinto.

     A partir dali muitas vozes começaram a gritar: "Assassina! Vai queimar no inferno!" O chão era viscoso e azulado. Aos tropeços, corri entre as passagens estreitas e me aprofundei no emaranhado de paredes com plantas trepadoras. Alguns vultos passavam por mim, empurrando-me.

     — Aonde pensa que vai? — Pompoo apareceu na próxima curva a minha frente e usou a bengala para desferir mais um golpe em meu rosto. Virei o corpo e fui jogada em uma das paredes próximas. Fiquei presa ali. Não pude me mover.

     — Covarde... — disse a ela de dentes cerrados — Porque não me enfrenta no mundo real, para eu sentir de novo seu sangue em minhas mãos? — desafiei. Alguns cipós deslizavam da parede para meus braços, impedindo que eu os mexesse.

III - Liberdade Para IrrecuperáveisOnde histórias criam vida. Descubra agora