-Acha que está bom aqui?
-Ta sim mulher, sente lá para eu poder ver tu aqui na câmera.
Sentei no banquinho evitando olha em direção a ela. Ela ajustou a posição e veio se sentar ao meu lado, notebook no colo. Olhei a pele branca dos seus ombros descobertos,o cabelo voltando a tomar a forma de outrora, senti calafrios ao me lembrar do sonho da noite passada. O cheiro dos cabelos molhados recendendo por todo o meu quarto.
-Que foi?
-Nada. –A voz presa na garganta.
-Vamos começar?
Me concentrei em tocar as notas que não haviam sido decoradas. Tentei de todas as formas evitar olhar em sua direção. A cabeça concentrada na melodia e na voz rouca cantando parte da musica. Terminamos de cantar, e Vitoria foi buscar a câmera para que nós vissemos o vídeo.
-Ta muito bom.
-Ta não. Vamos gravar de novo. Eu errei varias notas.
-Não Ana, é bom quando é espontâneo. Se aquiete mulher- Sua mão encostou-se à minha. – Ninguém vai reparar nisso. - Senti a pele formigar aonde a sua tinha encostado. Retirei a mão, colocando elas em volta do violão e seus olhos profundos me encararam. – Tu quer fazer de novo?
-Não. Deixa como ta.
-Preciso ir, Tatinha ficou de me levar para tomar açaí. Tu não quer ir não?
-Não, preciso editar e colocar o vídeo no meu canal.
-Me avisa quando postar ele. Quero mostrar para a minha família.
-Eu te mando mensagem.
-Vou andando. –Ela levantou-se do pequeno banco, se inclinando em minha direção, a boca macia encostando-se ao meu rosto, seus lábios demoraram em minha pele, a boca fazendo uma suave pressão. Ofeguei –Inté Ana. Vê se me liga para a gente marcar de fazer algo antes de tu ir embora.
-Sim.- A voz mal saindo da minha garganta.
A assisti sair do meu quarto sentindo a falta momentânea dela. Vitoria mexia comigo de um jeito estranho. Fazia eu ter pensamos absurdos e caóticos que eu mal entendia. Eu tentava a todo custo colocar o que eu estava sentido embaixo do tapete. Vi não parecia ser a pessoa certa para eu amar. Ela não dava nenhum indicio que esse sentimento pudesse ser correspondido. Me tratava como uma amiga qualquer. Gostava de ter ela ao meu entorno. Era fácil conviver com suas ideias malucas, frases desconexas, sentimentos puros. Seu jeito bonito de ver a vida, de sentir e filtrar só o melhor das pessoas. De viver.
Eu esperava que esse sentimento sufocado fosse acabar uma hora. Mal sabia eu, que na realidade ele ia me engolir.
**
-Se arruma que eu to passando ai.
-Não Babi, preciso estudar.
-Ana tu passou esse feriado todo enfurnada em casa. Nem sua mãe te aguenta mais. Então anda. Talizza ta fazendo um churras lá, e a galera vai em peso. –Senti meu estomago gelar. Ao notar meu silencio, ela respondeu. –Vitoria não vá estar lá, acho. Pelo menos Flavia não comentou que elas iam.
-Ta, vou me arrumar.
-Coloca aquele teu vestido branco e o tênis que te dei no natal.
Entrei no carro olhando atentamente para ela.
-Por que você ta tão arrumada?
-Por que tenho um interesse nessa festa.
-Quem é que você não me contou.
-Nem vou contar. Tu me enrolou dias para falar do seu interesse pela loirinha. – Revirei os olhos por Barbara estar tocando nesse assunto. No final ter ido até a casa de Talizza foi bom. Me distrai da montanha de livros que eu tinha que ler. Me preocupei somente em beber da cerveja gelada e rir das idiotices que Barbara fazia. Quase no fim de festa avistei ela de longe, entrando pelo portão.
-Ei! –Ela acenou enquanto andava em minha direção. – Cês nem avisam que vinham.
-Arrastei Ana para cá. Ela estava enclausurada naquele quarto. –Seu olhar encontrou o meu e ela sorriu de lado.
-Fiquei esperando a ligação. –Sussurrou para que somente eu ouvisse.
-Tava ocupada.
-Tava é? Tu não parece ocupada agora. – O sorriso malicioso. –Vamos dançar, vem. – Puxou minha mão, levantando meu corpo da cadeira e me arrastou para a pequena pista improvisada. Suas mãos encontraram meu quadril fazendo com que eu mexesse o corpo, jogando a cabeça para trás ela cantou o refrão da musica:
Você me dominou e agora eu só penso
Em te amar, te amar, te amar
Você me entorpeceu, sou todo seu
Não vejo outra em seu lugarVendo os lábios rosados cantando trechos daquela musica, eu pensava o quanto aquelas palavras se encaixavam em mim. O quanto eu lutava para não me deixar afundar naquele mar que era Vitoria. Mais era como maré alta. Quando mais eu nadava, mais eu era arremessada de encontro às pedras. Como dizia o velho ditado, eu devia flutuar e esperar que o mar me mandasse de volta para terra firme. Seu corpo se movimentava, os cabelos grudados na nuca. Seu sorriso bêbado, enquanto gritava pedindo mais uma cerveja. Eu só me deixei viver aquele momento, a oportunidade de sentir a energia emanando dela para mim.
-Teu sorriso é lindo Aninha. Tu deveria sorrir mais.
Seu corpo grudou no meu. Virei de costas para ela a fim de tomar fôlego, e senti seus lábios frios e molhados de cerveja, tocarem minha nuca. Arrepiei inteira, e ouvi sua risada ao perceber.
-Já te falei o quanto gostei desse seu cabelim. Tu fica tão linda assim, minha menina.
Olhei dentro dos olhos negros, vendo o reflexo do meu rosto corado. Aquela noite foi especialmente marcante para mim. Ainda hoje me pego pensando o quanto os atos cometidos naquela simples festa me alertaram do perigo de entrar de cabeça em águas profundas.
Mais eu nunca tive medo de me afogar.

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Depois de Você
FanfictionFreud dizia que Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor. Eu podia dizer mais. Perder Vitoria foi como ser queimada viva. Era como ser engolfada pelo mar. Mal conseguia respirar , nunca senti tamanha dor na vida...