Vento

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Eu segui minha vida.

A gente ainda se topava nos corredores da escola. Eu ainda a olhava de longe nos intervalos. A gente ainda se encontrava na casa dos amigos em comum, a amizade surgindo tímida.

Logo chegou as festas de fim de ano, e ao mesmo tempo em que eu comemorava minha entrada na faculdade de medicina, eu chorava baixinho à noite por ter que sair de casa.

-Mãe eu já entendi.

-Ana Clara eu sou sua mãe mais respeito. – Revirei os olhos e olhei meu pai, seus olhos vermelhos denunciavam a força que ele fazia para não chorar.

-Se cuida, filha. Eu to muito feliz por você.

-Eu sei paizinho.

-Vê se come direito Ana. Para com essas suas manias.

-Ok mãe.

-E lava a sua roupa direito, não fica deixando acumular.

-Eu sei, eu sei. Preciso ir, meu ônibus está quase saindo.

-Tchau minha filha, que Deus te guarde.

-Amem.

Abracei meus pais, e minha irmã com todas as minhas forças. Ainda não tinha ido, mais eu sentia como se estivesse faltando uma parte de mim. Acenei ao subir para o ônibus e orei para que meu caminho fosse tranquilo.

**

A vida de universitária não era nada fácil. Medicina exigia de mim toda a energia e entrega que eu poderia dar. Logo no primeiro semestre eu percebi que teria que me dedicar de todas as formas para passar com notas acima da média.

Ao mesmo tempo, tinha que conciliar o trabalho domestico com as provas, estudos e o pouco tempo de sono que me restava. O tempo livre que eu tinha era somente para lavar roupar, ajudar as meninas que moravam comigo na limpeza, ir ao mercado, coisas dá quais eu nunca fui acostumada.

Sobrevivendo  à base de muito café.

-Ana? – Maria abriu levemente a porta do quarto.

-Oi? – Levantei a cabeça do livro do qual eu estudava.

-Eu e a Natália vamos naquele barzinho que o Rafa indicou. Você não quer ir com a gente?

-Não dá. Vou terminar de ler isso aqui e dormir.

-Tá bom. Se cuida.

Olhei aqueles livros e resolvi dar uma pausa. Minha mente já não processava mais nenhuma informação. Peguei o celular, abrindo o facebook. Logo a primeira postagem era de Vitoria. Sorri involuntariamente ao ver seu riso aberto. Cliquei para ver e meu coração disparou. Em 15 segundos todos os sentimentos que eu tinha lutado para conter, transbordaram. A voz rouca cantando " Por Enquanto" me fez ficar sem ar. Quando a tela apagou eu fiquei alguns minutos encarando o silencio do meu quarto. Curti a publicação e comentei no vídeo por impulso. Instantes depois Vitoria retribuiu agradecendo o meu comentário. Pensei durante alguns minutos e cheguei à conclusão que eu não tinha nada a perder. Mandei uma mensagem por inbox, perguntando se ela não gostaria de gravar um cover para o meu canal do youtube.

-É claro mulher. Quando tu vier passar as férias aqui. A gente grava!

Sorri com a mensagem, sem saber que o nosso futuro tinha acabado de ser traçado.

**

-Eita que vou ter que te aturar de novo em casa?

-Também estava com saudades Luana.

Cheguei em casa, respirando o ar de Araguaína. Minha terra, meu lar. Vi minha mãe sentada no piano enquanto tocava. Os cabelos negros longos sobre o encosto da cadeira.

-Mãe?

Ela levantou me apertando em seu corpo e murmurando baixinho que estava com saudades.

Voltar para casa depois de meses longe tinha sabor especial. Cada pequena coisa, que quando eu morava aqui eu não observava, agora saltava aos olhos. Até a comida tinha sabor diferente.

Mais ou menos três dias depois da minha chegada, mandei uma mensagem para Vitoria questionando se nos íamos mesmo gravar o cover.

-Quando tu quiser Ana.

-Pode ser amanhã?

-Claro. Passo na sua casa depois do almoço.

Naquela noite eu mal consegui dormir. Virava na cama, a mente ansiosa imaginando o encontro do outro dia. Fazia cinco meses que nós não nos víamos. Meses que eu não pensava nela mais. No meio do tormento acabei dormindo.

"-Me deixa te tocar Ana.

-Aqui?

-Sim.

-Mais alguém pode nos ver!

-O que é que tem? Somos amigas não somos?

Sua mão subiu para o meu rosto cariando minhas bochechas. Desceram para a minha nuca, agora descoberta pelo cabelo curto. Senti o arrepio subindo por meus braços. Seu nariz encontrou meu pescoço.

-Seu cheiro é tão bom. Tu cheiras a chocolate.

-Vi.

Senti seus dentes mordiscando a minha orelha.

-Só sinta."

Acordei suada, sem fôlego. O lençol embolado em minhas pernas. Lá fora ainda escuro. Levantei da cama tropeçando para abrir a janela do quarto. A brisa gelada da madrugada refrescando meu corpo suado.

Sinta.



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