OBS: ** marcam passagens de tempo.
Ainda me recordo bem da primeira vez que há vi.
As pequenas mãos esfregavam os olhos molhados de choro, enquanto a outra era segurada por sua mãe. Ainda me lembro de ouvir seu choro contido, os cabelos encaracolados presos em uma tiara vermelha.
-Vamos Vitoria você vai se atrasar.
-Não mainha não me deixa aqui não. Não quero ficar aqui sozinha – Sua voz infantil balbuciou.
-Filha é seu primeiro dia de aula, a mamãe vai vir te pegar mais tarde! Você vai fazer amiguinhos.- O pequeno rostinho levantou-se em direção a mãe e seus olhos voltaram a verter lagrimas.
-Eu não quero ficar longe de tu mamãe. –Sua mãe se abaixou a sua altura, penteando os cabelos soltos e rebeldes para trás do rosto choroso.
- O meu coração. – Sua mamãe beijou seu rosto e a abraçou consolando o pranto sentido.
Minha mãe me puxou pela mão em direção à cena, indo de encontro à velha amiga.
-Isabel!
-Monica! Olá!- Me escondi atrás das pernas de minha mãe e observei minha mãe afagar a pele agora rosada de sol.
- Essa é sua mais velha?
-Não, a do meio. Diga olá Vitoria para a amiguinha.
Os olhos verdes olharam em minha direção e a voz rouca pronunciou um oi tímido e baixinho.
-E essa linda moreninha. Quem é?
-Ana Clara. Está começando o segundo ano hoje. E a sua?
- O primeiro.
Vitoria olhou a mãe timidamente. Minha mãe me puxou pelos ombros me colocando em frente a ela e eu olhei de cabeça baixa para a loirinha cacheada.
-Tu quer uma bala? – Ofereci, tirando do bolso do shorts do uniforme minha bala preferida.
-Quero. –A pequena mão se estendeu e eu depositei a bala em sua palma observando seus cachos balançarem ao sol quando ela movimentou a cabeça. –Bigada.
-Bom Isabel eu vou indo. Mande beijos para tua mãe.
-Pode deixar. Até.
Acenei timidamente um adeus enquanto minha mãe colocava a mochila azul em minhas costas.
-Se comporta. Não se esqueça de escovar direito os dentes e lavar as mãos antes de comer. Eu te amo.
-Também te amo mamãe.
E essa foi a primeira vez que nossas vidas se cruzaram.
**
Estava sentada no chão do pátio quando Dona Sonia minha professora entrava puxando a fila dos alunos do primeiro ano.
Logo reconheci a cabeça loira enfeitada com pequenas borboletas. Nos braços uma boneca tão loira quanto ela.
- Sentem-se aqui no chão. Isso aqui do lado da turma do segundo B.
Segui com os olhos a pequena, enquanto ela se sentava a uma curta distancia de mim.
- Crianças está chegando o dia das mães e esse ano a primeira e a segunda serie vão cantar uma musica juntas na apresentação da escola para esse dia tão especial.
-A escolhida desse ano é Maria Maria do Milton Nascimento.
Balancei a cabeça concordando.
-Vamos todos levantar e se enfileirar aqui para nos começamos a ensaiar. - Minha professora andou até o pequeno radio enquanto a professora do primeiro ano arrumava as fileiras.
-Vem cá Vitoria, você vai ficar aqui do lado da Ana.
A loirinha sorriu ao andar até o meu lado.
-Olá!
-Oi.
De repente o ar se encheu de notas musicais flutuantes e eu esqueci como se respirava. Era tão lindo o jeito que a melodia chegava até o meu pequeno corpo. Tinha verdadeira paixão nos sons e versos. Apesar de ser muito pequena, sabia que a musica me transportava até outro mundo.
***
-Mãe! – Entrei no quarto correndo, os pés vestidos com pequenos tênis vermelhos.
-Ana para de correr! Você vai assustar sua irmã.
Fiquei na ponta dos pés e olhei dentro do berço para o bebe gordinho que dormia tranquilamente.
-Mãe. Luana ta dormindo.
-Eu sei meu anjo, mais ela pode acordar e eu preciso terminar de me arrumar.
-Tu coloca ne mim aquela tiara que tia Jaci me deu?
-Em mim filha. Mais você nunca gostou daquela tiara, sempre diz que te machuca.
-É que eu quero ficar bonita para a senhora.
-ó filha, a mamãe coloca tá? Mais você é a menina mais linda desse mundo todinho.
Mamãe penteou meus cabelos, colocando a tiara dourada. Passou o perfuminho, e me fez cosquinhas antes de beijar minhas bochechas e me colocar no chão.
-Sem correr!
Fomos todos naquele dia até a escola. Lembro bem de Vitoria vestida em sua camiseta branca com um grande coração escrito mãe que fazia par com a minha. Seus cabelos presos pela mesma tiara vermelha. Minha mãe sentou com Luana no colo enquanto meu pai fazia Eryka parar de bater os pés na cadeira da frente.
Minha professora caminhou até nós chamando as crianças que iam se apresentar.
Nos arrumou nas mesmas fileiras usadas nos ensaios, e Vitoria ficou novamente ao meu lado. A musica começou a tocar. As crianças cantavam timidamente, algumas engasgavam nas palavras difíceis de pronunciar:
Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta
Eu não conseguia cantar, estar ali na frente com todas aquelas pessoas olhando em minha direção fez com que eu travasse. Olhei minha mãe, que cantava esperançosa olhando para mim. Senti uma mão suave segurar a minha e quando olhei para baixo, vi os pequenos dedinhos se entrelaçarem aos meus. Vitoria cantou mais alto e olhando para ela eu consegui finalmente cantar.
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Foi a primeira vez que sua mão acalentou a minha.
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Depois de Você
أدب الهواةFreud dizia que Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor. Eu podia dizer mais. Perder Vitoria foi como ser queimada viva. Era como ser engolfada pelo mar. Mal conseguia respirar , nunca senti tamanha dor na vida...