Passamos a nos encontram com mais frequência depois daquele dia. Ou saímos para jogar conversa fora e tomar um açaí na praça, ou íamos para minha casa, ouvir um som e cantarmos juntas. Nesse meio tempo gravamos o cover de Toxic. Deus aquela musica.
Eu estava exausta de me conter perto de Vitoria. Ela nunca mais tinha me tocado de outra forma a não ser acidentalmente. Eu tentava deixar as coisas fluírem mais sentia que ela também estava barrando os sentimentos. Qualquer um que olhasse de fora percebia o ar estalando com a tensão que rolava entre nós.
Barbara sempre comentava o quanto nós ficamos bem juntas.
-Não sei como você aguenta isso Ana.
-Ela não me dá abertura Babi. Se tentar tocar ela ou falar algo, sinto que ela se retrai. Não quero perder a amizade dela. Vitoria é louca, animada, tem uma alma clara. Não quero estragar as coisas. Não quero levar um fora. Deixa como está. Uma hora algo vai acontecer para estourar essa bolha que nos rodeia.
-Eu não quero nem estar perto quando isso acontecer. É capaz de explodir tudo em volta.- Ri alto dela. – Tu ficou sabendo que ela ainda tá ficando com o Julio?
-Não ela não comentou nada comigo. –Engoli em seco.
-Desde daquele dia no pagode. Flavia falou que o menino anda de quarto por ela.
-E tem como não se apaixonar Barbara? Vitoria é feio joia. Reluz. O mundo quer ter posse.
-Ê Ana.
-Mais ao mesmo tempo ela é pássaro, dá dó manter preso em uma gaiola. Ela tem que cantar, voar por ai. Julio vai ser como eu. Gaiola vazia.
-Ana, tu precisa falar para ela o que está sentindo. Às vezes ela sente algo, mais tem os mesmos medos que você.
-Eu nem moro aqui. Como vou poder ter algo com ela? Eu vou morrer de ciúmes Barbara. Vou acabar sufocando ela. Deixa como está. Talvez eu conte o quão apaixonada por ela eu to, ou às vezes esse amor vai acabar morrendo e ela nunca vai saber.
-Continua se enganando Ana. O que tu sente ai, não vai morrer. Esse sentimento só vai crescer e sem escapatória vai acabar te sufocando. Já dizia Gandhi um covarde é incapaz de demonstrar amor. Isso é privilégio dos corajosos.
-Desde quando você é filosofa?
-Desde que você começou a sofrer.
**
-Quando tu vem para cá? – Ouvi a voz rouca indagar pelo telefone.
-No fim do mês meu bem.
-To com saudades de tu de um tanto Aninha. Tu faz falta vicê.
-Também to Vi. Quando eu chegar ai a gente mata ela.
-Ontem fui no lago ver o por do Sol com Feli. Contei para ele de como nós desviramos aquele dia lá.
-Tu ta de sacanagem? E ele?
-Riu. Disse que tu foi feita para se encaixar em mim.
Sorri ao telefone.
-Tenho ir Vi. Hoje tenho aula mais cedo.
-Boa aula Aninha, to contando os minutos para você chegar.
**
-Tu só trouxe isso?
-Metade das minhas roupas ficam aqui Vi. Trago só o básico.
-Venha cá, quero te dar um abraço.
Sorri ao dar a volta no carro e encontra-la me esperando de braços abertos. Me aconcheguei em seu aperto, ouvindo as suaves batidas do seu coração.
-Teu cabelo cresceu. –Seus dedos resvalaram em meu pescoço.
Fiz que sim com a cabeça, enquanto me perdia em meio a seus cachos.
-Tu mudou de perfume?
-Julio me deu um de presente. Disse que o cheiro lembra manhã de domingo.
-Tu tem cheiro de mato, terra molhada. Não de preguiça. –Ela afastou minha cabeça do seu pescoço e piscou.
-Bora Tu. Tatinha vai precisar do carro.
Abracei minha mãe no portão e senti o tapa de Luana em minha cabeça.
-Também te amo irmã querida.
-Vamos entrar Vitoria, fiz lasanha para o almoço.
-Ô dona Monica eu queria viu. Mais minha irmã precisa do carro.
-Ta bom então. Vê se aparece por aqui.
-Obrigada pela carona.
-Tem nada mulher.
- Vamos marcar de gravar mais um cover. Os últimos dois tiveram alguns views.
-Tu vai me ligar? –Eu sorri grande.
-Vou.
Ela beijou meu rosto, acenou para minha mãe e entrou no carro. E mesmo depois do carro ter sumido na curva da rua, eu ainda podia sentir o cheiro dela no ar.
**
-Pensei em "Um dia após o outro" do Tiago Iorc.
-Eu gosto dessa musica, vou baixar a cifra dela na internet.
-Vamos gravar no morrinho? Lá no fim de tarde é tão bonito.
-Pode ser sim. Tu quer assistir um filme?
-Vamo.
-Qual?
-Você escolhe.
-Vamos assistir a meu filme preferido, 500 dias com ela.
Virei no sofá e percebi que durante o filme eu tinha cochilado. Minhas pernas descansavam no colo de Vitoria e seu dedão acariciava o peito do meu pé distraidamente. Virei o rosto para a televisão enquanto aproveitava do carinho. A cena se dividia em duas. Expectativa e realidade. O que ele esperava que acontecesse realmente, quando a ex-namorada o convida para uma festa a qual ela estava organizando, e o que realmente aconteceu. Eu já tinha assistido a aquele filme pelo menos umas dez vezes. Me distrai então da cena, e passei a observar Vitoria. Seus olhos seguiam o desenrolar totalmente concentrados. Ela mal piscava. Os cachos agora um pouco mais armados, reluziam a luz em tons pasteis.
-Por que você gosta desse filme Ana?
-Por que ele mostra a realidade do amor. Ele nem sempre é o que a gente espera. Amor é uma mudança constante.
-Isso me mostra muito como você vê o amor.
-Você acha? É só um filme.
-Tu é a inconstância em pessoa Ana. Você se molda de um jeito que eu não consigo acompanhar.
-Eu gosto de ser assim.
-Esse é o seu problema.
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Depois de Você
FanfictieFreud dizia que Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor. Eu podia dizer mais. Perder Vitoria foi como ser queimada viva. Era como ser engolfada pelo mar. Mal conseguia respirar , nunca senti tamanha dor na vida...