III - Mare

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Havia mais estrelas do que eu podia contar. Era uma noite fria e silenciosa. Tão silenciosa que quase conseguia ouvir os batimentos do meu próprio coração.

Eu corria tão rápido que temia um tropeço. Mas sou rápida e ágil. Muitos anos de prática. Isso não iria acontecer. E essa mesma prática que me deixou esperta, também era o motivo do desapontamento dos meus pais.

Parei na frente de um bar na beira da estrada. Não havia sequer percebido que já estava fora da cidade. Sei que não devia fazer isso mais, depois de tantos problemas. Mas eu precisava. Precisava de algo que eu soubesse fazer, e fazer direito.

Passei despercebida por vários bêbados risonhos. Um relógio aqui, uns trocados acolá. Prometi a mim mesma que seria o último. Mas foram vários.

Até que avistei um último homem. Não parecia ser do vilarejo. Suas costas eram retas demais, não possuía os ombros caídos pelo trabalho. Tentei até fisgar uma moeda, mas me surpreendi com sua rapidez em me capturar. E força.

- Ladra.

- Ah, não brinca.

Seus braços fortes não me soltaram, e comecei a me incomodar. Surpreendentemente, ele percebeu e me soltou.

- Desculpa.

Percebi um tom culpado em sua voz. Um estranho sensível.

- Por que faz isso?

Talvez um quê de curiosidade também.

- É o que posso fazer. Antes de... você sabe. - Eu disse.

- Antes do que?

- Mas você faz perguntas, em! Antes do recrutamento, claro. Sabia que ainda estamos em guerra? - Ironizei, mas tive medo de que ele se irritasse. Afinal, um monte de músculos daquele poderia ter me jogado longe caso o estressasse.

- Eu não... - Ele parecia meio embaralhado com as próprias palavras. - Não vou para o recrutamento. Tenho um bom emprego.

- Bom para você. Porque quem não tem, faz isso. - Eu apontei bruscamente para mim mesma. Afinal, era isso o que eu era. Nada mais do que uma mera ladra.

Ele me observou por alguns minutos, cheguei até a ficar incomodada com seus olhos curiosos. Então percebi que isso não passava de pena.

- Não me olhe assim. Não preciso de sua compaixão. Existe pessoas bem piores que eu.

Antes que ele podesse dizer algo, meus pés passaram a me afastar daquele estranho. Quando virei as costas, não estava muito longe, mas mesmo assim ele gritou:

- Meu nome é Cal, sabia.

- Mare Barrow. - Gritei no mesmo tom, e me afastei mais ainda. Infelizmente, ele veio junto.

*

Já estávamos na metade do caminho de volta para o vilarejo quando ele voltou a falar.

- Então, você irá ser recrutada em breve? - Ele diz, como se ele não fosse também.

- É claro! Precisam de mim naquele front, quem sabe não resolvo logo essa palhaçada toda. Já cansei de ouvir falar sobre guerra. - Brinquei. A princípio ele riu, mas logo uma nuvem angustiante perpassou seu rosto.

O silêncio a seguir foi mortal, até ser quebrado pelo tilintar de uma moeda. Cal a saca do bolso e me entrega.

- Isso deve ajudar por ora.

Príncipe EsquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora