Capítulo XXV - Mare

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Minhas pálpebras estão pesadas, dificultando a abertura.

Aos poucos, a visão desembaça, e vejo onde estou. Uma espécie de cabana de madeira, simples. Os lençóis brancos me acolhem, com manchas de sangue. Sangue prateado, com um leve toque rubro. Mas, como?

Olho meus braços, observando as feridas. Estão vazias de cor. Fecho os olhos novamente, tentando reverter a situação. Devo ter acordado no corpo errado. Infelizmente, não. Meu sangue não é mais vermelho, e sim prateado. O que resta de rubro é muito pouco, e rapidamente ele vai sumir também. Não sei o que houve, ou quem fez isso, mas é. Fico envergonhada. Eu reneguei, obrigatoriamente, toda minha família, meu povo, minha história. E nem tive escolha. Lágrimas frias escorrem pelo meu rosto. Então é assim que um prateado chora? Lágrimas frias como seus corações. Sinto pena deles, ou deveria dizer de nós?

Pelo menos há algo bom nisso. O rei e a rainha não precisarão mais mentir sobre meu sangue, somente minha origem, que, convivendo nesse mundo prateado, aprendi que origem vale muito mais do que imaginei.

A brisa lacustre assobia pela janela. Então estou próxima a um rio. Mas são tantos. O quarto pequeno em que estou não possui nenhum detalhe revelador. Estou sozinha. Tento levantar, sem sucesso. Minha cabeça lateja, me obrigando a deitar novamente. Percebo que meus tornozelos estão presos, mas as mãos não. Devo ter lutado para ser... sedada.

- Alguém? - Chamo.

- Oh, você acordou! - Ouço uma voz abafada. Uma mulher entra por uma das portas. Seus cachos negros como sua pele estão presos, assim como eu. Seu sorriso, gentil.

- Quem é você? - Pergunto. Tentando me afastar, puxo-me para trás, mas minhas cabeça me impede, novamente.

- Por favor, não faça muito esforço. Você não está em condições. - Diz, carinhosamente.

- E quem é você para me dizer o que posso ou não fazer? - Questiono. Credo, Mare, acaba de se tornar prateada e já age como uma. A mulher dos cachos parece pensar a mesma coisa sobre mim, a julgar por sua expressão.

- Meu nome é Lane.

- Prazer, Mare...

- Barrow. - Ela me interrompe, antes que eu possa concluir. Arregalei os olhos no mesmo instante. Como essa mulher sabe quem eu sou?

- Sei quem você é, e não vou dizer como. Mas... Não sei o porquê disso... - Ela aponta para minhas feridas sem cor. Será que essa mulher lê mentes? - Eu não leio mentes. Sua expressão revela qualquer tipo de pensamento que você tenha. Seja menos transparente, Mareena. - Bufo com o mencionamento do meu atual nome.

- Também não sei o porquê da cor do meu sangue. Se sabe que sou Mare Barrow, sabe que sou vermelha, certo? - Ela afirma com a cabeça. Mais uma vez, a brisa, dessa vez mais forte e fria. E me faz lembrar da minha real situação, e pensar com clareza. - Que rio é esse, Lane?

- Seja direta e pergunte onde estamos. - Rebate. Eu aperto os olhos, a pressionando. E ela revira seus próprios. - Ainda estamos no Estado do Rei, próximo ao casarão dos Welle, mas uma região mais... Rural?!

- Eu sou quem te pergunto, Lane.

- Claro, Alteza. - Ela diz, endireitando a postura. - Não vai perguntar sobre seu amado?

- Meu amado? - Pergunto, confusa. Ela me olha como se não soubesse.

- Seu príncipe, Alteza. - Responde. - Não se lembra dele? - Questiona, dizendo a última como um veneno.

- Sei quem sou, ou pelo menos quem finjo ser. Sei que meu sangue era vermelho. Tenho certeza disso. Mas agora... - Bufo. - Não lembro de nenhum... amado.

Príncipe EsquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora