Príncipe Esquecido

I - Cal

Maven é meu irmão mais novo, a quem devo proteção e amor. Mesmo em excesso. Eu vejo como meu pai se comporta em relação a ele. Ou a mim. Sou pressionado por ele em diversos sentidos. Devo-lhe orgulho, honra e mérito. E ele seu trono.

Minha mãe, Coriane Jacos, a rainha cantora, morreu há anos atrás. Meu pai, inconsolável com a perda do amor da sua vida, como rei, teve de se casar com a víbora, conhecida como Elara Merandus. Pelo acaso, Elara sempre pressionou minha mãe, sem se preocupar em manter a relação restrita entre rainha e súdita. Mas quando Sara Skonos, a melhor amiga de minha mãe, revelou o verdadeiro motivo de sua morte, Elara mandou que lhe cortassem a língua e escondeu seu crime com toneladas de mentiras. Ela me odeia por tudo que minha mãe foi e ela não. Porém, temos um ponto em comum. Elara protege Maven, assim como eu. Mas o "protege" tanto, que as vezes seus desejos pessoais se sobrepõem diante de tanta proteção. O que me faz questionar se algum dia irá rebelar a verdadeira traidora que é, e se voltar contra nós. Como uma murmuradora poderosa, para acabar com a mente do rei demora apenas dois segundos. Afinal, ela não o ama. Só ama o poder, a vingança, o trono.

Um mero interesse.

Maven é inteligente, muito mais que eu, mas não é um guerreiro. É um ardente, mas suas chamas jamais arderam como as minhas. Mesmo com nossos treinamentos igualitários, instruídos por Arven, um homem carrancudo que parece não gostar muito de sua posição.

Durante um treino, Maven havia mergulhado profundamente em seus pensamentos, que nem percebe quando o treinador lhe chama. Tinha sido escolhido para frente do treinamento contra um magnetron poderoso, mas devido a sua cabeça distraída, a vantagem seria do magnetron.

- Príncipe Maven, poderia? - Arven grasna, entendiado.

Dou um empurrão de leve em Maven, e ele finalmente avança para o centro da arena. Seu oponente está radiante em sua armadura reluzente e em sua posição de futuro vencedor.

- Acabem logo com isso. - E mais uma vez, o desinteressado instrutor fala como se dissesse as horas.

Antes que as pulseiras de Maven possam faiscar, o magnetron atrai pequenos fragmentos de ferro do solo. Juntos, formam afiadas lanças, que se direcionam ao rosto de Maven. Ele se esquiva, e parece finalmente acordar. Abre os braços em um gesto preguiçoso, e derrete as próximas lâminas. Um escudo feito às pressas o protege de resquícios das chamas fracas de Maven.

Não deixo de perceber a expressão de surpresa que pairava no rosto de Maven, suas novas chamas, mais quentes e maiores, derrete o escudo e as mangas da armadura do magnetron. Mais lascas de ferro montam uma espada brilhante e afiada. Meu coração acelera, e arrisco um passo a frente, mas o olhar severo de Arven me mantém no lugar. Não posso intervir na luta.

A troca de golpes prossegue como uma dança equilibrada. Maven não é fraco, e muito menos estúpido. Sabe encurralar o adversário e manter a dança. Porém, vão se cansando, e o magnetron roça os braços do príncipe com suas lâminas, arrancando fios de sangue grosso e metálico. Levando a vantagem, mas controlado simplesmente pela presença de Arven, o magnetron se contenta em armar um colar suficiente para tirar o ar de Maven.

O instrutor interfere o combate. Sabe até quando podemos chegar. Ninguém pode morrer no treino, muito menos o príncipe de Norta.

Normalmente, após uma derrota como essa, Maven vem até mim para que eu possa lhe despejar seus diversos erros. Eu vejo isso como uma forma de melhorar suas táticas, jamais lhe humilhar. Mas dessa vez, ele se move para meu lado oposto, saindo às pressas. Ninguém se atreve a incomodá-lo, mas corro em seu encalço assim que Arven começa a montar as novas duplas.

O encontro em um dos bancos no pátio. Eu sei o que está fazendo. Está tentando organizar seus pensamentos. Com o olhar preso na fonte, e a mente em outro lugar, meu irmão sequer repara minha chegada.

- Mavey, você está bem? - Digo, com a maior cautela possível. E como esperado, ele nem me escuta. - MAVEN. - Esbravejo.

Ele me encara, espantado com meu grito.

- O que está havendo? - Digo, já impaciente.

- Cal, não é uma boa hora.

- Ultimamente não há nenhuma boa hora para você, certo?

- Ah, Cal. Apenas me deixe - Ele balbucia, tristonho.

- Maven, você reparou ao que essa sua distração te levou?

- É um treino. Ninguém morre. - Ele responde, com um ar de experiência.

Maven percebe minha expressão impaciente, mas ao mesmo tempo preocupada. Eu me preocupo com ele.

- Cal, você não precisa saber de tudo o que acontece. Você não precisa me proteger de tudo.

Me espanto, e não tento esconder.

- Você não conhece meus maiores medos, minhas causas, juro que gostaria de lhe dar satisfações, mas não posso. - Sua expressão é fria. - Sem saber, você não pode me proteger.

Ele sai sem mais explicações. Se recusa a me dizer o que está acontecendo, e me impede de lhe proteger. Mas eu nunca vou deixar de fazê-lo. Ele diz que não conheço seus medos, suas causas. Mas que causas Maven poderia ter? Não tem um trono para assumir, um reino para comandar, uma guerra para vencer.