XIV - Mackenzie

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Olho-a de cima. Descabelada e espantada. Um farrapo. Mas seus olhos nunca cede. Eles sempre carregam o orgulho perigoso do poder. Porém, isso me alegra. Gosto de pessoas difíceis de vencer. A vitória é mais doce.

Levanto-a pelo colarinho sem dificuldade. Nos encaramos. Testas coladas. É como ver um espelho, só que prestes a estilhaçar.

- Mackenzie. - Seu hálito doce me enoja mais do que sua entonação.

Meu sorriso de desdém vai de orelha a orelha. Isso lhe afeta, pois é exatamente como ela faz.

- Rainha Elara. - Quase cuspo seu falso nome. - Ou posso lhe chamar de Eliea?

- Você não podia ter se contentado com seu país de merda, não é? Você tinha que vir para cá! Nos irritar com sua presença.

Sempre fui a irmã com o pavio mais curto. Isso justifica o soco que lhe desferi. Sinto seus dentes colidirem.

- Para lembrar de sua posição aqui, Eliea.

Como uma largada dada, meus homens atacam os seus. Com certeza temos a vantagem contra um bando de recém caídos do céu. Mesmo que esse bando seja grande em comparação ao meu.

Eliea foi esperta ao trazer o dobro de silenciadores. Eles agem rápido e cada um imobiliza no mínimo dois soldados meus. Não aceitarei perder hoje. Corro até ela e sou atingida por um jato de água. Caio no chão e uma bolha se forma ao meu redor. Para me afogar. Para me matar. Não. Para me prender.

Eliea se levanta lentamente, se apoiando em uma perna que pende de uma forma estranha. Ela me olha de cima e seus olhos eletrizantes fitam os meus. Sei o que está tentando fazer. Ela tenta, mas não consegue. Há anos trabalho minha própria mente, tentando blindá-la. Sou uma murmuradora da Casa Merandus. Ela precisará de mais do que isso para me atingir.

Meu silenciador finalmente se esquiva de um soldado e vem até mim. Rapidamente, sinto uma bolha de silêncio ao meu redor. A água cai, seu poder diminui. Eliea não perde tempo e investe contra mim. Ela agarra meu pescoço e finca suas longas unhas na minha carne. Minha visão turva e sinto falta de ar. Além da dor dilacerante de carne sendo rasgada. Coloco toda minha atenção na minha mão direita. Agarro lentamente a faca na bainha. Desfeito um golfe contra seu braço e sinto o sangue quente deslizar sobre a minha.

Me solto dela e assumo uma nova posição. Tudo lateja. Mas não vou me entregar tão cedo. Sou párea a ela. Eu e minhas irmãs aprendemos a lutar antes de falar. Somos máquinas mortíferas.

Agarro sua cintura e a derrubo. A ponta de sua lâmina roça minha coluna, mas quebro sua clavícula antes. Seu grito é dilacerante e me contenho para não tampar os ouvidos. Em outra vida, Eliea deve ter sido uma banshee.

Eliea está furiosa. A dor lhe transforma de dentro para fora em nada menos que um monstro. Na verdade, não a transforma, apenas mostra quem ela realmente é.

Antes que eu possa me levantar, com seu braço bom, recebo o soco mais forte que já recebi dela. Sinto minha mandíbula doer e penso que quase a quebrei. Quando me dou conta, já estou aos urros. Que pioram quando sinto cheiro de carne queimada. Pele. Músculos. Maven. Sua mão aberta torra a parte de trás de minha cintura. Berro. Com certeza ficará uma marca horrorosa. Quando ele me solta, estou zonza e muito dolorida. Sempre tive espiões na corte de Norta que me diziam que Maven era fraco. Um príncipe, não um guerreiro. Todavia hoje ele me provou o contrário. Maven, meu sobrinho tão querido. Eliea o estragou. E agora ele sofrerá as consequências por isso.

Meu silenciador age mais uma vez, acabando com o efeito dos poderes deles em mim. Com uma olhadela ao redor, percebo que a vantagem é nossa. Tento ficar em pé, mas caio. Deposito toda minha força em um joelho e luto para levantar. Os inúteis de meus soldados demoram a vir. Me erguem pelos braços e agradeço a qualquer força sobrenatural por um deles ser um curandeiro. Pouco a pouco minha pele vai se restaurando. Mas não espero.

Cravo meus olhos em Maven.

- Não faça isso! - Escuto as súplicas de Eliea no chão. - Fuja, Maven.

O garoto está paralisado. Ele luta contra as próprias emoções para parecer controlado. Mas consigo sentir a turbulência em sua mente já prejudicada. Maven é isso. Uma confusão.

- Ele não é você, Eliea. Meu sobrinho não foge covardemente.

Percebo que a palavra "sobrinho" é uma novidade para Maven, que não a digere facilmente. É novo para ele. Se ao menos eu tivesse ficado no lugar de Eliea. Não tenho tempo para arrependimentos.

- Sinto muito, querido. - E sou sincera.

Entro em sua mente mais fácil do que pensei. Eliea deve ter vasculhado muitas coisas aqui. É tudo tão frio. Muitas memórias estão borradas. Como se ele não pudesse sentir-se bem com elas como sentiu na primeira vez. Como se o sentimento não existisse mais. Percebo isso em uma das memórias com seu irmão. Mas isso não é natural. Alguém tirou os sentimentos daqui e deixa apenas a memória deles.

- Mackenzie. - Escuto Eliea me chamar. Ela está tentando entrar na mente dele também, mas não vou abrir espaço para ela aqui. - Ele não precisa saber!

Sim, ele precisa.

- Ela a matou, Maven. Matou Elara, sua mãe. E assumiu seu lugar todo esse tempo! Sempre pensei que sua inveja um dia cessaria, Eliea. Contudo, misturada com a ambição, se tornou seu pior defeito. Você a destruiu como está destruindo seu filho.

- Não minta! Assuma sua culpa. É verdade que quem começou tudo isso foi você. Estamos aqui somente por sua causa. Elara está morta por sua causa!

Não consigo escutar isso. Deixo a mente de Maven de lado, desvinculando-o de tudo isso. A mente de Eliea é muito mais complicada. Consigo senti-la em todos os mecanismos de defesa. Acontece que também sou uma Merandus. Conheço suas estratégias.

Começo por seu estômago. Torço como um pano molhado. Falto ar aos seus pulmões. Aos poucos, ela vai cedendo. A dor no estômago evite que protegesse tanto os pulmões. O ar começa a lhe faltar no cérebro. Lentamente, consigo visualizar mais e mais de sua mente. Como portas se abrindo.

De repente, perco o controle de tudo. Raios roxos percorrem meus braços estendidos. Eliea cai quando a deixo. E por pouco eu não caio também. Quando a vejo, reconheço seu rosto das poucas boas memórias de Maven. Mare Barrow. Apelidada estrategicamente pela corte de Marrenta Titanos. Mais uma farça muito bem elaborada por Eliea para evitar que seu reino de vidro estilhaçe.

- O que essa vermelha está fazendo aqui? - Cuspo as palavras nela. - Não importa. Vou dar um jeito em você também.

Reúno todas as minhas forças para controlá-los. Porém, tenho que dividir meu poder em três. E isso, somado a todo meu desgaste, me devora. Faço com que sintam-se com a garganta pressionada, sem o ar. Suspiros rocos ecoam pela cena caótica de batalha e se unem aos gritos de dor e espadas.

De alguma forma, também começo a perder o ar. O controle dos três foge de minhas mãos, mas eles continuam sem fôlego. Algo está acontecendo. Alguém está nos controlando.
E logo eu também.

De canto de olho, consigo vê-la. Seus cabelos dourados se amontoam em cachoeiras de cachos. Seus olhos azuis são fortes e vívidos. De nós três, é a única com os olhos da cor da água. Sua aparência continua deslumbrante mesmo por baixo de tanta poeira, cicatrizes e sangue seco. Ela nos tem em suas mãos. Os quatro.

Elara.

Príncipe EsquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora