Salvo Cal de um toque explosivo, transformando o corpo em cadáver corroído pelo fogo. Nunca lutei dessa forma. Nunca lutei sabendo que estou ganhando. Aos poucos, nossos soldados massacram Prairie e seus ratos. Cal toma grande parte da batalha sangrenta, como o guerreiro que é. Me surpreendo, e sobrevivo com poucos cortes e arranhões. Mare e Evangeline estão melhores que nunca. Nenhuma das duas parecem feridas, e lutam juntas. Quando uma abaixa a guarda, a outra assume, formando uma dança monótona. Não pensei que eram próximas, pelo contrário, imaginei que se odiassem. Pois era o que aparentava, mas algo as mudou.
Cal mudou, Mare e Evangeline mudaram, minha mãe mudou, tudo mudou. Tudo está mudando. Estamos crescendo. Sangue aqui, e sangue lá. Uma parede de fogo surge do outro lado do perímetro. Mas, Cal está ao meu lado.
Há outro ardente.
Corro os olhos, preocupados. Cal me olha também. Estamos tremendo. Soldados caem como dominó, a medida que uma silhueta forte e alta aparece. A nuvem de fumaça escurece sua feição, impossibilitando saber quem é. Mas consoante ele caminha pesadamente, vou reconhecendo. Cabelos emaranhados, ombros largos, olhos cor de mel. Meu queixo caí com a visão. Cal ainda não percebe, mas ao ver minha expressão, treme. E muito. É ele.
- Pai. - Cal corre em direção a ele. Quase o derrubando em um abraço, e meu pai retribui. Após o momento melancólico, Tiberias VI vem em minha direção. Estou em estado de transe quando ele faz algo que nunca o vi fazer.
Ele me abraça também.
E eu respondo, ainda boquiaberto. Esse gesto foi o começo de uma mudança, talvez. Porque tudo está mudando. Acho que o planeta gira em outra direção agora.
*****
Foi uma luta ínfima. Mas consumiu nossos recursos. E nos banhou de cansaço.
Felizmente, não perdemos pessoas próximas, mas vinte soldados não tiveram a mesma sorte. A guerra mata, mas também aproxima. Cal e eu estamos agradavelmente unidos, Mare e Evangeline estão jogando o pano sobre as diferenças e rivalidades. Seremos uma família real digna, e unida. E assim sendo, seremos mais fortes.
E pensar que quase permiti que tudo caísse água abaixo com os planos de Eliea. Eu imaginava um futuro tedioso para mim, que Cal reinaria glorioso, e eu, seria ofuscado por seu brilho, mais do que sou. Meu papel seria político. E isso contribuiu para meu cansaço, minha revolta. Sorrio, sozinho em meu quarto. Como fui cego! Agora, não me importo com a glória de Cal, pelo contrário, sinto pena. Quando você encontra sua luz, nada importa, não mais. Mare me mostrou isso.
Não consigo conter bocejos. Depois de relatórios, depoimentos, assinaturas, o poer está batendo na porta. Ou uma pessoa. As batidas soam roucas e lentas, quando vou de encontro, ela está lá. Meus olhos vêem um espelho. Elara. Permito sua entrada, afinal, temos assuntos a discutir. Ela entra, e analisa. Fico sem graça com sua presença. Me acostumei com Eliea e sua personalidade, não sei como Elara é.
- Oi! - Ela diz, sorrindo sem graça. Fico boquiaberto, não imaginei que minha mãe, a verdadeira Elara, digna do trono de Norta, iria me cumprimentar com um "oi" informal. Olho para os lados, confuso.
- Er...oi. - Gaguejo.
- Bom, acho que temos que conversar, certo? - Pergunta, e eu, assinto, melancolicamente.
*****
Não reparo quando a lua já está em seu ápice. Foram duas horas conversando. No começo, foi estranho, mas agora, me sinto totalmente a vontade. Ela começou seu discurso pedindo desculpas. Eu rejeitei. Depois, Elara me explicou tudo. Desde a noite de xadrez, até o Ataque Meândrico. De novo, rejeitei. Eu não queria papo diplomático, queria conhecê-la. E ela entendeu o recado. Poucos minutos e já estávamos falando quando eu era bebê, e como ria. Me contou de Cal. Ela o considerava um filho, afinal, é a madrinha dele. Acho que Cal não sabe disso. Depois que Mackenzie assumiu, tudo se distorceu.
Pela primeira vez em minha maçante, sinto-me feliz. Feliz de verdade. Sentimento curioso. Meus cabelos arrepiam-se ao sentir algo novo. Novatos no quesito felicidade. Não preciso mentir. É real. Sorrio e sorrio, não me canso. Finalmente sei como é a presença materna. Ela se despede, e me deixa ali. Sentado na cadeira, olhando para o horizonte, e rindo sozinho. E nesse dia, durmo como um anjo que sou.
*****
Dias passaram, e minha relação com minha mãe só melhora. E não só com ela, com Mare também. Estamos na varanda do meu quarto. Grande e cheia de estofados, ela está jogada sobre.
- O que há entre você e Evangeline? - Pergunto. Ela senta, e me analisa, confusa.
- Nada. Sempre fomos assim. - Dessa vez, não escondo uma gargalhada maldosa.
- Vocês nunca foram assim. Ninguém passa a gostar de Evangeline de uma hora para outra. - Sibilo. Ela olha para o jardim, mas pensa longe.
- Tem razão. No dia do banquete de despedida, em Summerton, deixei você conversando com seu irmão na mesa, lembra-te? - Pergunta. E eu assinto. - Após isso, fui à adega. Não queria voltar ao salão, por isso, fui à aquele jardim de flores azuis que eu não sei o nome. Ela estava lá, choramingando. Fiz careta no início, e me aproximei. Como esperado, ela desdenhou de minha presença, e fingiu que nada aconteceu. Não sou boba, e ela sabe. Conversamos a base do vinho, e em poucos minutos estávamos rindo uma com a outra. Descubri muito dela, de seu passado. Ela chorava de raiva, claro. Ao voltar para o salão, estávamos um pouco alteradas.
- É, eu notei. Mas Cal não, estara muito ocupado com assunto de guerreiros.
- Cal não nota ela. Ele não a trata com sua noiva. E ela se sente... mal com isso. Mesmo que não aparente.
- Já era de esperar. Ele acha a Prova Real uma bobeira, mas ao mesmo tempo, essencial. Seu lado guerreiro e seu lado humano confrontam entre si. Opinando opostamente. Mas tudo vai se resolver, garanto. Estou sentindo uma vibração nova.
- Está bêbado? - Quase caio pra trás com sua sugestão.
- Não! Claro que não. - Pauso. - As coisas estão mudando, Mare. O sol vai nascer pelo oeste agora. - Sibilo. Ela me olha, confusa com a profecia. Mas logo entende o significado. Ela concorda comigo. Também sentiu as mudanças. Penso que teremos uma nova era.
Acho que vem sol brilhando forte por aí, ou tempestade.
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Príncipe Esquecido
Hayran KurguMaven Calore, o príncipe que Norta esqueceu, tem que lidar com segredos perigosos que lhe confiam, para impedir que descubram e destruam o mundo com ele. Algo inimaginável está sobre suas mãos, assim como o futuro de seu reino. Dentre tantas mentira...