IX - Cal

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(Duas horas antes).

Maven ainda está estranho, perdido em seus pensamentos confusos. Não sei de tenho culpa em algo, mas não me preocupo.

A manhã carrega um ar fresco e revigorante. Os raios de sol incidem sobre as grandes janelas do Palacete. Os corredores estão vazios, então só ecoam meus passos pesados. Até que esbarro em Mare.

- Perdão. - Se desculpa, sem perceber que sou eu. Parece tão perdida como Maven, e começo a pensar que os dois estão metidos em alguma coisa.

- O que faz vagando a esta hora? Hoje é sábado! - pergunto. - E por que está sozinha?

Seu guarda não lhe acompanha, como de costume. Está cometendo uma negligência, e se a rainha Elara descobrir, o mata. Mare tenta emendar uma resposta rápida e embaralhada.

- Ainda está cedo, não perceberam minha saída. Eu só queria aproveitar a brisa, respirar, sabe?!

- De qualquer forma, é perigoso andar por aí sozinha. Mesmo que de manhã.

Pareço justamente quem eu menos queria parecer: a rainha Elara. Cobrando horários e companhias, assim como ela.

Mare sabe de algo que não sei, mas não fala nada sobre. Pelo contrário, tenta escapar do meu interrogatório.

- Saiba que não sou a única, Cal. Hoje o palácio acordou cedo. - Ela diz, aos sussurros. Suas palavras aparentam um duplo sentindo. - Tenha um bom... - ela me olha dos pés a cabeça, memorizando cada centímetro da minha armadura, o que a incomoda. - Dia, alteza.

Todo esse teatro. Essa ênfase em meu título formal. Tudo me soa muito estranho. Me sinto extremamente incomodado por sentir que existe algo acontecendo, e que eu não sei. Sou um general, costumo saber de tudo o que aconteceu e acontecerá, sob minhas próprias ordens. Saber que tem algo novo, que não posso controlar, me deixa angustiado e temeroso. Porém, continuo caminhando para o rotineiro salão de treinamento.

*

(Uma hora antes).

Dou-me conta que o saco de pancadas está chamuscado quando sinto cheiro de borracha queimada. Estou tão imerso em meus pensamentos que não percebo meus braceletes faiscarem e causarem um pequeno incêndio, queimando o tecido.

Um sinal do sentinela me avisa que preciso ir. Iremos visitar os Welle para um almoço, que é na verdade uma fachada para um acordo diplomático entre os Welle e a família real. Precisamos que os Welle façam novas árvores, a fim de que a deplorável poluição da sofrêga Cidade Cinzenta não se aproxime das casas de veraneio da corte. Uma cortesia do rei para seus súditos mais nobres.

Os Welle não gostam de criar essas árvores. Demandam muito esforço e desguarnecem a paisagem. Além de que fazê-las brotar do chão é como uma ofensa aos verdes, os quais sentem um desmerecimento de seu belo poder ao se sujeitar em a serviços como esse.

Como sempre, o rei e a rainha não querem saber de impasses, e sim resultados. Não ligam para o que os Welle pensam ou sentem, desde que as grandes e inutilizáveis casas de veraneios permaneçam livres de uma nuvem densa, a qual carrega permanentemente a poluição da Cidade Cinzenta e o sofrimento de seus operários.

Atravesso mais uma vez o corredor, quase trotando. Escuto vozes suspeitas vindo de uma porta. Sou moral, e tento resistir ao ímpeto de escutá-la, mas quando meu nome é mencionado, deixo que meus ouvidos se aproximem da madeira decorada da porta.

Francamente, pensei que esses cômodos eram no mínimo a prova de som.

- Cal é apenas um obstáculo, querido. Ao desviar-se dele, o reino estará pronto para você.

Príncipe EsquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora