V | O Eu Sou

795 143 131
                                    

Estava demasiado atemorizada com o que o homem havia dito.

— Espera. O quê?!

— Para onde você irá não haverá retorno.

— Como assim? Eu mal o conheço e outra, minha vó não deixa eu falar com estranhos.

— Você não me conhece, mas eu, sim, desde a sua primeira geração.

Ahn?

— Não temos tempo. Eu posso contar com sua ajuda?

— Mas eu... e minha avó? Ela é minha família.

— Garanto-lhe que ela ficará bem.

Não ficarei bem sem ela...

— Preciso de você, Selena.

Evitava o olhar penetrante dele, não conseguia nem dizer não a ele tampouco dar adeus à sua vida. E com o decorrer dos seus pensamentos ficarem cada vez mais confusos, pareceu-lhe estreita a garganta para respirar e as lágrimas foram traçando rastros melancólicos em suas bochechas. Eu não posso. Era, porém, incapaz de dizer isso a ele.

Após um tempo irresoluta, olhou-o de relance.

— Para o quê? — perguntou bem baixinho, ainda soluçando.

— A aurora está sendo ofuscada pelas trevas, que avançam com destemor. O tempo não para e antes do último entardecer da primavera, é necessário que esteja pronta para enfrentá-la.

— Mas por que eu? O que tenho a ver com isso? Não tenho poder algum.

— Será? — Arqueou as sobrancelhas. — E o que me diz sobre o lírio?

Quê? Como sabe da flor?!

— Todas as suas dúvidas serão respondidas, saberá tudo quanto ainda está em oculto. É uma promessa. — Fixou firme o olhar no dela sem deixar uma fonte sequer de desconfiança, o que a fez engolir em seco.

Erguendo o dedo em direção a um espaço entre duas árvores próximas a ela, fez um gesto com a cabeça para que seguisse a direção. Selena olhou, hesitante, para o vão e antes de questionar ao que ele apontava, notou uma deformidade no ar, como água flutuando.

— Para onde irei?

— Alvura do Norte. Polus.

Sua mão imediatamente voou em direção à carta de papai na bolsa.

— Descobrirei quem foram meus pais?

— Siga os astérions e saberá.

Sua mão tocou a água flutuante e realmente sentia-a, porém não havia nada além do outro lado da floresta; o palmo estava em outro lugar. Arriscou mais um passo à frente e foi o suficiente para o campo magnético daquele portal sorvê-la rumo ao outro lado.

Selena sentiu seu braço girar e torcer ao passo que era puxada para várias direções. Um vento forte sobreveio por todo o corpo; mal conseguia abrir os olhos. Num segundo, porém, teve um vislumbre de uma luz fulgurante que quase cegou seus olhos. Sua respiração acelerou conforme as batidas do coração e pôde concluir que estava dentro de um furacão. Não tinha voz nem ao menos para gritar por socorro, embora tivesse certeza de que ninguém a ouviria.

De súpeto tudo parou; por um breve momento, porém, e uma brisa soprou em sua face e foi tomada por um frio na barriga. Suas mãos procuravam urgentes por algo a que pudesse agarrar. Sentia estar inerte no ar e abriu uma fresta dos olhos com o intuito de ver o que havia ocorrido; aquele mesmo mapa de Alvura de Norte, no entanto, se concretizou da pior maneira possível. Não era agradável de forma alguma ver uma terra gélida e alva diante de seus olhos enquanto iniciava uma queda terrível rumo à morte.

Princesa de Gelo: O Legado da Aurora [Vol 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora