Capítulo XXVIII - A pequena Belle

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A última noite foi horrível. O pesadelo sobre ela ser perseguida pelo lobo negro havia retornado. E com mais realismo. Podia crer que sentia o bafo mortal do animal toda vez que ele abria sua bocarra ao atacá-la pela garganta. Acordou umas cinco vezes no meio da madrugada, apavorada e cansada. Antes de ir para a cama, tinha arrumado o quarto, porém, ainda assim, acordava inspecionando tudo ao redor. Se Malthor sabia sua localização, nada o impedia de entrar em seu quarto e tomar o colar — quem sabe, até matá-la. O plano de fugir dali havia sido derrubado; não havia esperança alguma para mantê-lo, tampouco a de voltar para casa.

Constantemente, sentia a impressão de que estava sendo vigiada. Petrus não lhe era mais um problema nem suas infantilidades em querer ser o badboy da sala. Havia acabado. Se possuía alguma vontade de viver, ela havia se esvaído com o caos que sempre lhe tirava a paz. Não queria se apegar à vida, havia perdido tudo o que tinha mesmo: sua familia.

O resto da semana foi o mais turbulento que teve em toda a vida. De que maneira os seus pensamentos a levavam a qualquer outro lugar que não fosse a matéria, isso não saberia explicar, mas as consequências não tardaram a vir. Foi expulsa da sala durante a aula da Madame Louca por não saber tocar as notas na flauta; ficou de banco nos treinamentos; quase perdeu o dedo afiando a espada na aula do Lorde Sinnurd. E seus amigos, desde aquele dia, notaram isso. E ela notou que eles o fizeram. Apesar de não querer que intervissem, não relutou a fim de para-los. Hendrik sempre lhe presenteava ao acordar com uma flor do jardim que cercava o prédio como bom dia. Dalienne pegava o caderno da amiga para anotar a matéria ao invés do seu; Hendrik cuidava de fazer os exercícios de aritmética, visto que, apesar de detestar livros, realizava muito bem as operações matemáticas.

O fim de semana enfim havia chegado e como não teriam aula, decidiram — Hendrik e Dalienne, exatamente — ocupar seus tradicionais assentos no salão para montarem o enorme quebra-cabeça que ligava o colar aos tenebraes. Selena recusou a sair do seu quarto, de início, mas cedeu aos insistentes amigos quando deu por si que estavam dispostos a lhe tirar dali a qualquer custo. Antes de seguirem, porém, ao salão, decidiram passar na biblioteca e recolher o máximo de livros relacionados ao assunto que estavam procurando. Aliás, havia sido dispensada de usar as luvas ao passar por lá quando o mágister a viu passar pelo corredor que dava na sua mesa. Enquanto ele comentava sobre possíveis sintomas dos quais ela não teve, pôde verificar que a flor estava tão vívida quanto no dia em que a vira pela primeira vez. Significava que não estava contaminada.

— Agraciada de Illídia — comentou, com um sorriso cordial no rosto; deixava-o esquisito. — Por incrível que pareça, a solução medicinal que dera à Srta. Daenholt fez efeito. Estou bastante curioso para saber a receita. Talvez eu solicite sua prima para me ajudar caso haja mais alguma vítima.

Torcia para que não fosse necessário.

Estavam àquela altura no salão, organizando os livros que leriam; exceto Selena, que praticamente se jogou na mesa. Todavia, um livro nas mãos de Dalienne chamou a atenção.

— Por que trouxe o Livro dos Cavaerley? — perguntou Hendrik, desconfiando da sua atitude. Em outra ocasião, teria queimado o livro completamente.

Selena repousou a cabeça sobre o braço estendido na mesa de modo que os visse na vertical. Nem notou quando Dalienne pegou o exemplar do seu quarto.

— Porque o pai da Lena possa ter a ver com isso. Aliás, teve uma filha com uma rhoanesa... uma Aemaki, na verdade — corrigiu a si própria.

— Filha da Princesa Ayla... — inferiu Hendrik com um sorrisinho. — Ou da Rainha Pollux ou da Princesa Adhara...

Princesa de Gelo: O Legado da Aurora [Vol 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora