III | A passagem na floresta

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O primeiro a dar-lhe os parabéns foi Gladiador, logo pela manhã, latindo incessantemente até que ela levantasse e abrisse a porta a fim de que pudesse lhe presentear com uma lambida na bochecha.

Visivelmente havia acordado num mal humor, mas logo seus pensamentos voltaram ao ritmo normal e lembrou-se do lírio. Havia tentado resistir ao sono durante a madrugada, sentando-se em frente à janela, mas adormeceu antes que desse uma hora. Não parava de pensar em sua flor, até sonhara com ela. Seus olhos correram para o broto que continuava tão brilhante quanto ao dia interior.

— Ora, ora. Já está acordada? — Tio Fábio despontou na porta. E aparentava não saber que era seu aniversário. — Quero que vá à padaria com Cecília.

Ela não parava de balançar seus volumosos cachos enquanto esperava pela prima no portal. Selena, por sua vez, ao vê-la, respirou fundo tentando absorver toda paciência que havia no ar. Por sorte, seus pensamentos foram desviados para o dia radiante que havia lá fora. Ao invés de estar totalmente coberta de agasalhos como a pequena estava, andava como se fosse mais um dia de verão.

— Papai diz que tu é louca, sabia?

— Ah, é?

Os passos antes silenciosos pela neve, começaram a ritmar ruidosos sobre a calçada.

— Eu concordo com ele — disse indicando a regata listrada que vestia.

— Se lesse Alice no País das Maravilhas saberia que as melhores pessoas são.

Havia uma certa movimentação na cidade. Não focou muito nos detalhes; havia, no entanto, um tempo que não saía de casa, desde que as aulas acabaram.

— Tu me acha louca? — perguntou a prima.

— Louca, louquinha. Se tu tivesse se visto ontem atacando o seu irmão na escada teria certeza disso.

Ela riu, mostrando o espaço deixado pelo dente caído recentemente.

Faltava mais um estabelecimento para chegar à padaria, porém foi tomada por uma estranha sensação ao passar pelo antiquário da cidade, no qual costumava visitar com vovô. Vovô tinha o hábito de trocar os vinis que colecionava por coisas que lhe interessassem. Certo dia, foi ao antiquário com ele depois da escola, queria trocar o disco do Marvin Gaye por um relógio de sol. Vovó Gwen não ficou muito feliz ao saber que o vinil do seu cantor favorito havia sido trocado por um relógio. Que não funcionava.

Um objeto reluziu resplandecente em seu reflexo, como se a chamasse, ao passo que caminhava pela calçada. Parou subitamente ao reconhece-lo.

— Lena, tínhamos que comp...

Foi impedida de terminar a frase quando a mão de Selena agarrou seu pulso, arrastando-a para o interior da loja.

— O que tu está fazendo?

Seu foco foi totalmente atraído para o objeto atrás da vitrine: uma bússola feita de ouro negro, com uma agulha de ônix. Nem havia dado por si que estava quase com o nariz encostado no vidro. Estava tão lúcida em sua lembrança o dia em que a pegou pela primeira vez que quase podia sentir o metal frio em contato com sua pele novamente. Havia um espelho na bússola, através dele viu alguém se aproximar dela.

Princesa de Gelo: O Legado da Aurora [Vol 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora