Capítulo XI - Sombras

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À espreita, como uma sombra, Selena caminhava pelos becos e vielas da cidade de Polus, a procura dos astérions, com o lince em seu encalço. Acordara cedo naquele dia para o treino, entretanto, Sir Beorren não estava em casa. Lynn informara que ele havia saído e que voltaria mais tarde. Contudo, não voltou. Então, sem ter o que fazer, foi atrás do que Kyrios havia prometido.

Onde pudessem estar, Selena procurava. Atrás dos barris de vinho barato ou das cestas de pães. Sofria uma forte tentação em pegar os alimentos, pois ninguém estava por perto. No entanto sabia que estava em um mundo diferente, as punições eram mais severas para quem roubava. Selena pôde confirmar isto ao se aproximar de uma praça onde havia um alvoroço, captou entre algumas palavras xingamentos. Ao ver para quem era dirigido estas palavras, surpreendeu-se. Como se para ser humilhado, preso em uma gaiola pendurada num poste, um homem chorava. Àquela altura estava completamente sujo. Jogavam nele restos de alimentos, fezes e até pedaços de madeira.

Estava sendo demasiado angustiante ver aquela cena, portanto pôs-se a continuar vagueando pela cidade. Entrou no que ouviu dizer ser a Rua das Pratas. Havia algumas barracas vendendo daughrares. Selena se aproximou de um.

- São verdadeiros? - perguntou ao velho homem.

Ele a olhou incrédulo.

- Ora, mas é claro que são!

O ovo tinha o tamanho de um crânio adulto, era tão maciço quanto rochas.

Pelo reflexo, pôde ver uma figura surgir ao seu lado.

- Ele está mentindo - disse o menino, seu rosto estava completamente sujo de pó preto, era carvão. Magro que só, porém alto, tinha a pele negra puxada para um tom de chocolate. Usava um chapéu de palha para cobrir sua careca. - É proibida a venda de ovos de dragão. Qualquer um que seja opaalino sabe disso.

Lembrou-se do momento em que caíra do céu e dera de cara com um. Arrepiou-se por inteiro só de lembrar daquela figura demoníaca.

- Está louco, garoto?!

- Veja.

Ele pegou um exemplar e esfregou a mão na superfície do ovo, a tinta logo saiu, sujando sua mão.

O velho homem suava frio, o semblante estava mais vermelho que um tomate. Em sua garganta, as veias estavam saltadas.

- Como ousa, seu parasita intrometido?! Saia daqui. - Ergueu a mão para ele, com uma garrafa, pronto para joga-la.

Ele retrocedeu um passo. Embora não demonstrasse nenhum temor em seu semblante, seu corpo apresentava o contrário. Quase tropeçou em seus próprios pés quando a garrafa foi lançada em sua direção, contudo, os reflexos de Selena agiram com uma velocidade tão impressionante que arrancou espanto de todos que ali estavam. Ela estendeu a mão e segurou-o antes que tocasse o chão e com a outra, criou uma doma de gelo como um escudo, fazendo a garrafa ricochetear e cair na neve.

Incrédulo, o velho começou a avançar em direção a eles.

- Corra!

Deu ouvidos ao menino. Não ficaria por ali, todos observavam-na completamente incrédulos. Aqueles enormes olhos assustavam-na, como mil corujas observando e segredando cada movimento seu. Como se estivessem a julgando por aquele ato que ao seu ver, apesar de ainda não estar acostumada com os novos poderes, era de qualquer forma heroico.

Seguiu o menino, ele era bom em correr. O lince ia logo atrás. Os becos por onde passavam eram os lugares de segredos, onde as mulheres iam cochichar sobre brigas e os homens, negociar sobre mercadorias contrabandeadas. Também era o lugar onde os néscios iam para conversar consigo mesmos e até brigarem com o vento. Desses, Selena mantinha distância.

Princesa de Gelo: O Legado da Aurora [Vol 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora