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O relógio digital pendurado no alto da nava marcava oito horas em ponto. Era quase ridículo, que tivessem relógios em Marte. O dia era praticamente o mesmo - 40 minutos de diferença entre os ponteiros dali e da Terra. Não era lá grande coisa para 3 meses de viagem - e, no entanto, ela tinha escolhido Marte.

Meara Ablim era apenas mais uma das vítimas da revolução genética. O "boom" genético, iniciado da década de 30 do novo milênio tinha criado todo um novo nicho social. Ou você era editado, ou nascia de forma perfeita. Não havia espaço para erros. No início, doenças fatais e debilitantes eram o foco, mas, nos dias de hoje, no auge de 2.130, tamanho dos dedos das mãos e nariz torto já estavam fora da lista do aceitável.

Meara Ablim era bonita sim. Tinha cabelos pretos longos e lisos. Vestia-se como uma personagem de Mad Max, com capas marrons, botas escuras, blusas folgadas. Tinha mãos delicadas, sorriso elegante. Seu único defeito estava estampado na cor de seus olhos - um azul, um castanho. Sua heterocromia tinha custado o amor de seus pais, uma vida inteira em uma casa institucional, e uma educação pobre e superficial. Não havia lugar para Meara na Terra.

Por isso, quando ela fez 21 anos, ela se inscreveu para Provenance - a colônia das Américas em Marte. E, para sua surpresa, tinha sido aceita. Provenance precisava de pessoas, e olhos de cores diferentes não eram exatamente um problema lá. Provenance precisava de mãos pra trabalhar, pessoas dispostas a começar uma nova vida. Trabalho duro, mas recompensado com confortos o tanto quanto uma estação em outro planeta podia oferecer. E era isso que ela queria.

O lobby de recepção era um vácuo branco que ligava a nave até o saguão de Provenance. Dali, eles pegariam tratores especiais de transporte até o seus habitats. Ela imaginou algo estéril, branco também, com pessoas que pareceriam astronautas e isso era bem idiota, admitiu. Bom, ela era uma astronauta, mesmo que uma pouco treinada, ela estava fora da Terra agora. E não ia voltar.

- Meara Ablim.

Uma voz a chamou até a mesa de recepção. Meara pegou sua pequena mala de rodinhas e arrastou-a pelo lobby, entre as pessoas sorridentes e felizes esperando sua vez. Com alguma dificuldade, chegou até a mesma branca como a mesa de um hospital e encostou-se ali, vendo uma mulher de meia idade com maquiagem demais e uma roupa que parecia da "Brega Airlines". A mulher de rosto corporativo, sem paciência, olhou para Meara e colocou um papel em cima da banca para ela assinar.

- Meara Ablim?

- Eu mesma. - Confirmou olhando por cima da bancada. - Você tem uma caneta?

- Aqui. - A mulher empurrou uma caneta de cor azul para a menina. - Qual o motivo da sua vinda para Provenance?

- Moradia. - Ela respondeu, para deixar claro que não era turismo.

- Você trouxe o formulário. - Afirmou.

- Claro. Só um momento.

Meara abaixou-se na sua bolsa e pegou o papel passado, preenchido com cuidado, meses antes. Um carimbo simples, bem americano, estava ali. Junto de informações importantes.

- Aqui. - Ela deu os papéis para mulher.

- Você tem experiência profissional?

- Não.

- Estudou no Centro Popular de Boston. - A mulher olhou-a, com curiosidade. - E morou a vida inteira em... "Lar Central para Meninas".

- Isso mesmo. - Confirmou, ficando ansiosa enquanto as outras pessoas a olhavam.

- Você vai para o Habitat 32. - Avisou carimbando os papéis.

- Obrigada. Qual será minha função lá?

AuroraOnde histórias criam vida. Descubra agora