Compreendendo o refeitório

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Meara achou impressionante que ainda estava com fome. Agora, com o cabelo escovado, bem vestida com uma calça escura e uma camiseta branca, ela andou descalça pelos corredores, procurando o tal refeitório. Ela tinha pensado em passar fome aquele dia, mas isso não ajudaria em nada. Ela estava presa nas paredes do Habitat 32, e fora dali, fazia pelo menos -60 graus de temperatura. Para onde ela ia fugir?

Não quis pensar na realização da ideia de que ela não tinha para onde ir. Melvino estava bem. Lana estava bem. Ela tinha que ver os outros. Conversar. Ela tinha que ao menos tentar compreender. As vozes gentis vinham de um dos cômodos estéreis e sem graça dali. Alguns risos, outros falando sobre como a comida estava boa, e no meio de tudo, um gemido desconfortável.

Meara colocou a cabeça ali, e viu um monte de gente sentada, ao redor de uma enorme mesa branca, comendo o que parecia ser carne, com arroz e legumes salteados. Os alienígenas estavam lá também. Ny estava em pé, perto de Melvino, cuidando sua alimentação, enquanto o tal Doomdanru estava sentado, com uma jovem menina chorosa no colo, e segurando uma colher cheia na mão, enquanto sua outra mão segurava os bracinhos apreensivos da menina.

- Meara. - Ny sorriu, vendo todo mundo olhar de forma curiosa pra ela. - Crianças, essa é Meara, ela é a nova integrante da família. - Apresentou. - Meara... você já conheceu Melvino e Lana. Esta aqui é Chiara. - Apontou para a menina loira magricela no colo de Doomdanru, com aparelhos auditivos grudados nas orelhas e na cabeça. - Está é Sheila. - Apontou para a menina morena linda sentada ao lado de Doomdanru. - Kennedy e Tyrone. - Apontou, respectivamente para um rapaz loiro, e outro negro. - E este é Ryan. - Mostrou outro rapaz loiro demais, com um sorriso convencido. - Vamos todos ser gentis com Meara, sabem como é difícil os primeiros dias aqui em Provenance.

- Sente aqui. - Sheila abriu um espaço ao seu lado, sendo uma boa menina. E bem falsa.

- Aqui, Me. - Melvino abriu um espaço ao lado dele de e Lana, a menina ruiva pequenina.

Meara sentou-se ali, perto do novo amigo e colega de quarto e viu a menina chamada Sheila ficar de cara feia. Os planos dela de se fazer de boazinha não colaram para Meara, tendo ouvido o que ela ouviu de Lana e Melvino.

- Vamos lá. - Ny pegou outra bandeija de comida, igualmente servida e a colocou na frente de Meara. - Aqui está.

- Obrigada. - Meara agradeceu abaixando um pouco a cabeça, envergonhada pelo banho de antes.

A comida era realmente apetitosa, e Meara tentou focar nela, quando os barulhos voltaram a acontecer.

- Então, como eu ia dizendo... eu peguei aquele número e coloquei ele lá em cima. Aí destrava o nível. - Disse Tyrone falando de algum jogo virtual.

- Não pode fazer isso. - Lana riu. - Eu tentei! Como você conseguiu?

- Eu posso te mostrar. - Prometeu o rapaz.

- Depois das tarefas de hoje, moço. - Ny falou quase sorrindo. - E Lana... você também tem coisas para fazer.

- Sim, Ny. - Lana falou baixinho, voltando a comer.

- EU NÃO QUERO ESSA MERDA! - Chiara puxou-se pra trás, com força, no colo de Doomdanru.

- Vamos, criança. - Ele falou com paciência aproximando a colher da boca dela. - Tem que comer Chiara. Não faça birras na frente de seus irmãos.

- EU NÃO QUERO! - Ela puxou-se mais, sem se importar com as pessoas olhando tudo.

O sotaque dela era estranho, pensou Meara observando a situação toda. Ela tinha uma voz mesclada, que, embora clara, denunciava sua deficiência auditiva. E ela era boa fazendo birras.

- Você vai apanhar na frente de todos. - Doomdandu declarou certeiro, sem medo da reação de todos ali. - É isso que você quer? Já não está com a bunda vermelha o suficiente?

Chiara mostrou-se irritada, chorando muito e olhou para Ny, assustada.

- Ny... me tira daqui! - Pediu implorando. - Eu não to com fome! Eu quero sair!

O alienígena macho suspirou e olhou para a parceira, afastando-se da mesa, com Chiara no colo.

- Pegue-a. - Ele concordou. - Ela está frustrada, precisa ser acalmada.

- Eu dou comida para ela depois. - Ny afirmou, aproximando-se de Chiara e pegando-a nos braços com uma facilidade de quem pega um bebê de colo.

Chiara chorava, muito, mas agarrou-se em Ny e deixou-se enrolar as pernas ao redor da cintura da alienígena que a levou dali, acalmando-a e cantarolando enquanto a tirava do refeitório.

- Comendo vocês. - Doomdanru falou suspirando e voltou a atenção para Lana. - Lana, Ny lhe deu sua injeção hoje?

- Ah, Doom... - A menina fez cara de choro já. - Não quero! Por favor!

- Sabe que precisa tomar insulina. - Ele falou sério, mas compreendendo que a menina sentia dor.

Lana empurrou a bandeja de comida, com cara de choro e Sheila riu, convencida, levantando uma sobrancelha, achando graça do desespero da menina. Meara viu aquilo - e não gostou.

- A última foi na barriga, não foi? - O alienígena falou abrindo a geladeirinha do refeitório e pegando uma pequena injeção dali. - Levante e venha aqui, Lana, vamos fazer esse na coxa. - Avisou.

- NÃO, DOOM! - Lana começou a hiperventilar. - NÃO ME FAZ ABAIXAR AS CALÇAS AQUI NÃO! - E abriu o choro. - DE NOVO NÃO!

- Ei... calma! - Melvino se aproximou da amiga. - Ninguém aqui quer seu mal... precisa, Lana.

- Nossa, Doom... - Sheila abriu a boca, convencida. - Ela está chorando um monte de novo mesmo sabendo que precisa tomar isso....isso não se faz, né?

- Lana. - Ele falou sério. - Vamos lá... você pode passar mal.

Lana negou com a cabeça no ar.

- Eu não quero, Doom. Por favor...

- Lana... - Ele começou a repreender a menina.

- NÃO! - Lana levantou-se, depressa e saiu correndo do refeitório.

Todos se olharem e Doomdanru suspirou cansado.

- Eu quero todo mundo comendo. - Ele ordenou. - E não quero ninguém no quarto de Lana. - Avisou e saiu a passos pesados, com a injeção na mão e um olhar certeiro.

- Alguém vai ficar de bunda quente. - Sheila riu para Ryan. - De novo.

- Cala sua boca, Sheila. - Tyrone a repreendeu. - Não tem graça, tá bom? Lana está assustada.

- A idiota pode acostumar logo a tomar a porcaria! - Ryan falou com um voz maldosa. - Vai ficar aqui pra sempre. Uma surra é o mínimo que ela merece por fazer esses showzinhos públicos. Todo mundo já viu ela pelada mesmo... grande coisa. Tem o corpo de criança! Diferente da minha gostosona aqui... - Elogiou sua amante, Sheila.

- Nossa, você é asqueroso. - Meara comendou para Ryan.

- Não se meta comigo. - Ryan falou sério, apontando um garfo para Meara. - Se for espera vai ficar longe do meu caminho.

- Não vale a pena. - Melvino falou baixinho para Meara. - Come... e deixa eles... eles não valem a surra.

- Não podem falar assim dela. - Meara sentiu raiva. - Lana é gentil...

Ouviram então um grito fino, agudo, e palavras desesperadas de "Por favor, me solta!". E Sheila riu, vendo a reação extrema e preocupada de Meara.

- Tomara que apanhe um monte. - Sheila comemorou. - Bem-vinda ao clube dos perdedores, Meara.

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