— Quero que me tragam na próxima aula a resolução dos exercícios de função linear. Valerá meio ponto na média. — O professor falou antes que todos os alunos saíssem da sala.
Estava sendo um dia relativamente normal, levando em consideração o fato de como estavam sendo meus últimos quatro dias em Nova Orleans, sob o teto de Felipe e Anelise Beaumont. Eu estava estranhamente familiarizada com as coisas, o que eu achava ridículo. Não podia me sentir assim. Vovó tinha partido há poucos dias. Eu sentia sua falta, sentia a dor da sua perda, entretanto, meu coração estava sendo estranhamente consolado. Sabia que vovó estava perto de Deus, embora tivesse duvidado de sua existência em alguns tenebrosos momentos ao longo daqueles dias.
Lise me levou para a aula pois Felipe iria ter que preparar uma mega refeição para um evento que iria ocorrer naquela noite, na prefeitura da cidade. Inclusive, havíamos sido convidados. Com todos os acontecimentos, Lise esqueceu de comentar isso comigo.
Minha madrasta foi muito condolente. Ela se disponibilizou a ficar em casa comigo, caso não quisesse ir ao evento. E eu não queria, de fato. Entretanto, não poderia estragar o planejamento deles. Além do mais, seria invisível nesse evento e ficaria num canto mexendo no celular.
Darla não apareceu na aula, o que me fez ficar os primeiros períodos antes do intervalo em completo silêncio e o que me fez deduzir que a mesma coisa aconteceria após o intervalo. Comprei meu lanche e comi em silêncio. Fiquei mexendo no celular até tocar o sinal para voltarmos às aulas.
Minha próxima aula era Filosofia. Estava torcendo para não ter um professor igual ao do filme Deus não está morto. Os motivos eram simples: não saberia responder aos seus argumentos, não teria argumentos. Apesar de estar recebendo aquelas cartas misteriosas, ainda existia um espaço dentro de mim que estava vazio. Eu precisava, desesperadamente, sentir a plena presença de Deus.
Eu tentei. Fechei meus olhos, tentei formular palavras. Porém, nada me veio à mente ou ao coração. Orar tornou-se algo extremamente difícil. Minha conexão com o céu estava com sérios problemas. Problemas que afetavam meu emocional, que afetavam minha vida espiritual, se é que eu ainda tinha uma.
A aula de Filosofia já havia começado. Meu professor era um cara legal que, em momento nenhum, criticou alguma religião. Na verdade, ele nem tocou nesse assunto. Em cima de um poema ele começou a discutir a questão da família. Um assunto delicado demais para mim.
— Quero que me digam alguma experiência marcante que tiveram com seus pais. Seja um passeio ou uma ceia de Natal. — Ele sorria. — Quem quer começar?
Alguns contaram suas experiências detalhadamente, outros foram mais sucintos. Eu não teria o que dizer.
— Senhorita Beaumont. — Ele me fitou com um sorriso amigável no rosto. — Pode nos contar o momento mais marcante que teve com o seu pai?
Gelei. Um nó formou-se em minha garganta e ali eu vi o quanto meu emocional estava prejudicado. Minha respiração tornou-se pesada enquanto todos na sala voltavam seus olhares para mim.
— Eu... morava com minha avó. — Engoli em seco.
— Ah... — O professor parecia procurar as palavras certas. — Mas teve algum momento que marcou a sua vida? Com os seus pais ou a sua avó?
Não consegui respondê-lo. Juntei minhas coisas e saí da sala. Soltei o ar que sequer sabia que havia prendido assim que passei pela porta. Umas lágrimas resolveram rolar sem pedir licença. Sei que não foi intencional, mas o professor cutucou uma ferida ainda aberta. Uma ferida que doía demais.
Não estava em condições de voltar para as próximas duas aulas. Para não ficar zanzando pela escola, procurei pela biblioteca. Foram cerca de quatro minutos procurando até encontrá-la. O lugar estava vazio, exceto pela bibliotecária que dormia sobre o teclado do computador.
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De Pai Para Filha
Teen FictionFelipe Beaumont era o tipo de homem que procurava fugir de encrencas, mesmo que não fizesse isso com muito êxito. Tornou-se pai no auge dos seus vinte anos, no entanto após a morte de sua amada decidiu que a filha deveria ficar aos cuidados da avó m...