Capítulo 25 - Estopim

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Foi um domingo cinzento. Não apenas pela chuva de outono e o friozinho. Foi obscuro, tenebroso demais. O restaurante funcionou e Felipe passou, literalmente, o dia todo enfurnado naquela cozinha. Só saí do quarto para comer e fiz todas as refeições sozinha.

Jughead e Darla me mandaram mensagem perguntando como eu estava e se eu iria no culto. Não os respondi. Lise me ligou e contou como estava sendo a sua viagem no estado do Colorado. Eu ocultei a parte da festa e o fato de Felipe estar fingindo que eu não existia.

Eu era capaz de ocultar meus sentimentos para os outros, mas não podia ocultá-los de mim. Perguntava-me onde estava o Deus de promessas O qual eu tanto amava. Perguntava-me onde estavam as cartas, as mudanças, as bênçãos prometidas.

As palavras do culto de dias atrás ecoavam na minha mente. Lembrava-me nitidamente de cada uma delas:

" — Querida filha, devido às dificuldades que você enfrentou, muito pensou que eu havia me esquecido de ti. Mas ainda que um pai ou uma mãe abandonem um filho, Eu nunca abandono os meus filhos. Bem sabe que Eu falei contigo, apenas você e Eu. E hoje Eu te trouxe aqui para dizer que as coisas vão mudar ainda mais. Filha, para passar pelos dias de alegria, antes é preciso chorar. Eu te amo, filha. Vou mudar a situação, de uma forma que ninguém vai entender, mas todos se surpreenderão com o meu agir. Confie. Confie em mim. Mesmo quando as coisas não fizerem sentido, confie! Eu estou contigo. Passo contigo pelo vento. Porém, hoje você já pôde ver que o tempo de cantar e pular de alegria está chegando. Não desista!"

Deus me disse que, ainda que um pai e uma mãe abandonem um filho, Ele não me abandonaria. Não foi isso que aconteceu. Sentia-me abandonada ao extremo.

Passei a madrugada de domingo para segunda chorando. Seria melhor se eu tivesse partido com vovó. Evitaria muita dor, muito sofrimento e eu ainda teria uma conexão com o céu.

Eu não conseguia enxergar motivos que fossem capazes de me fazer sorrir ou acreditar que as coisas melhorariam. Eu estava cansada. Cansada de tudo. Eu só queria que aqueles problemas desaparecessem. Por horas, sentia vontade de sair correndo sem rumo, sem olhar para trás e esquecer tudo. Esquecer todos os motivos que me faziam sofrer.

Quando acordei pra aula, Felipe já estava no restaurante. Pelo que o segurança me disse, meu pai iria receber um importante crítico culinário do país. E, para Felipe Beaumont, qualquer coisa era mais importante do que eu.

Lise me ligou rapidamente e perguntou como eu estava. Disse que estava tudo bem. Eu menti para ela.

Ao chegar na escola, não vi Darla em momento nenhum. Por um lado foi bom, minha amiga me conhecia bem e ela iria me encher de perguntas que eu não queria responder.

Não prestei atenção nas aulas. A chuva que caía violentamente chamava mais minha atenção. Ouvia o som dos trovões e do vento forte. Se tivesse que expressar o que eu estava sentindo com palavras, acho que o termo tempestade seria adequado.

Quando bateu o sinal para o intervalo, sentei-me em uma mesa mais afastada, não estava com fome e não queria ficar as vistas de ninguém.

— Gen... — Jughead sentou-se a minha frente.

Encarei seus olhos claros e esforcei-me muito para não chorar.

— Oi.

— Iria perguntar como você está, mas sei que responderia que está bem e estaria mentindo pra mim. — Seu olhar era de análise.

— Cadê a Darla? — Tentei mudar de assunto.

— A mana estava com cólica e não quis sair com toda essa chuva.

De Pai Para FilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora