Capítulo 8 - Mesmo quando doer

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Depois da aula, almocei no restaurante, na cozinha junto de Felipe e Lise. Contei a ela sobre como foi o primeiro dia, embora não tivesse acontecido nada de muito empolgante. Foi um primeiro dia de aula normal, de uma garota normal, com uma vida normal. Tudo bem, nem tão normal assim.

— Eu vou lá pra cima. — Comuniquei Felipe.

Lise havia saído há alguns minutos, buscar tomates de um fornecedor.

— Tudo bem. Qualquer coisa, é só chamar.

Assenti e fui para o apartamento. Tudo estava silencioso. Fui até a sacada e observei Nova Orleans. Inevitavelmente, inúmeros pensamentos desencadearam-se. Minha curta vida passou pela minha cabeça. Lembrei das apresentações do colégio, da minha casa, da igreja, dos irmãos, de vovó.

Um nó se formou em minha garganta. No entanto, não iria chorar. Estava cansada de derramar lágrimas. Naqueles poucos dias, havia chorado o suficiente para uma vida inteira.

Sentei-me no sofá. Liguei a televisão e escolhi algum filme qualquer na Netflix. A questão é que eu não prestei atenção. Tinha um vazio gigantesco dentro de mim. Sabia quem poderia preenchê-lo, mas não conseguia encontrá-lo. Não tinha forças para buscá-lo da forma que deveria buscar. O mundo parecia desabar a minha volta e eu não O via, não ouvia sua voz.

— Onde o Senhor está? — Senti uma lágrima rolar.

Fechei meus olhos e segurei o choro o máximo que pude. Desliguei a televisão e bebi um pouco de água. Fui para meu quarto, larguei a mochila num canto e atirei-me na cama.
Fiquei encarando o teto até o celular vibrar.

Matt adicionou você ao grupo "Família Beaumont's"

— Ótimo! Estou no grupo da família. — falei comigo mesma. — O problema é que... ah, a que ponto eu cheguei? Sabe, eu costumava te sentir todos os dias, eu te buscava todos os dias, Deus e... aí veio uma avalanche e eu não consigo lidar com isso. Desculpe, mas acho que o Senhor se enganou pensando que eu iria aguentar passar por tudo isso. Estou levando, mas vai chegar o tempo que eu vou explodir como uma granada. — Suspirei pesadamente. — Eu não estava pronta pra travar essa guerra, eu não tenho forças pra travar essa guerra... as coisas parecem estar tendo um mínimo progresso. Só que estou com medo. Estou com medo do meu pai nunca me amar e de acabar morrendo sozinha num quarto cheio de livros e um gato chamado Miau. — Deixei algumas lágrimas rolarem. — A verdade, é que estou aqui falando, mas sinto como se eu estivesse falando sozinha. Eu não consigo te sentir, te ouvir. Tudo o que eu recebi até agora foi um pedaço de papel com meia dúzia de palavras. Uma carta? Se realmente foi o Senhor que me mandou, resolveu falar comigo por uma carta? Perdão, Senhor. Esperava um método mais eficaz, porque, simplesmente... eu não sei...

Para quem não queria chorar, chorei pelos próximos trinta minutos, até adormecer.

Acordei vinte minutos depois de pegar no sono. Levantei-me e lavei meu rosto. Estava vermelho e inchado devido às lágrimas. Precisava me distrair com algo. Aí lembrei que, sempre que estava triste por algo, vovó dizia para eu cantar, dizia que a música, quando oferecida a Deus, podia acalmar corações e trazer alegria à alma.

Eu ganhei meu violão com doze anos. Vovó comprou de um velho amigo dela. Não era o melhor violão do mundo, entretanto, quando ela me entregou o instrumento lembrava-me de pular de alegria.

De Pai Para FilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora