Capítulo 9

587 82 0
                                        


– O que ela tem de errado que não o agrada? É cega? Noto que não abre os olhos. Não estará me empurrando mercadoria defeituosa, não é? – O desconhecido tira sarro enquanto cruza os braços na frente do corpo estudando o rosto de Carlyle. "Essa é a primeira vez que vejo uma trinca na couraça de Carlyle", pensa o desconhecido.

Carlyle emudece e se vê transportado ao passado.

A infância de Carlyle foi o que muitos considerariam "idílica", até ele completar doze anos. Ele teve pais amorosos, não eram ricos, mas tinham muito conforto. Tudo o que queria era providenciado com amor. Estudou em uma boa escola e sempre se destacou nos estudos, estava sempre nas boas graças de seus professores, enquanto reunia ao seu redor bajuladores que pareciam garotos descentes aos olhos da sociedade, mas que ele sabia serem no intimo mentes perturbadas, apenas não tinham coragem de se mostrar como realmente eram ou ainda não sabiam o que eram.

Nunca usou violência para conseguir o que queria, bastava obter informações e usar seu olhar frio durante as negociações. Aos doze anos, no entanto, seu mundo organizado virou do avesso com o nascimento de sua irmã. A gravidez não foi planejada por seus pais que já não eram tão novos assim.

Seu pai ficou feliz, sua mãe parecia no céu ao saber que teriam uma menina, mas para Carlyle "a peste", era assim como se referia a sua irmã, era uma grande inconveniência. Seu amado laboratório foi convertido em um quarto para "a peste", nada mais do que pedia lhe era dado com facilidade.

"A peste" continuava querendo chamar sua atenção, mas Carlyle não suportava olhar para aqueles olhos que pareciam sempre estar sorrindo. Todos pareciam ser atraídos por aqueles olhos. Eram olhos diferentes, olhos que coloriam o mundo sua mãe dizia e isso o deixava com mais ciúmes ainda.

"A peste" estava com um ano e meio quando o acidente aconteceu. Seu pai estava viajando e sua mãe resolveu levar "a peste" para assistir a apresentação de uma peça teatral de seu desenho favorito. Carlyle não queria ir, mas sua mãe o obrigou.

Aborrecido ele olhava pela janela do carro não atendendo aos pedidos de sua mãe para verificar sua irmã que balbuciava e gesticulava freneticamente. Com certeza tinha deixado o brinquedo estúpido cair no chão do carro.

– Filho, por favor, dá uma olhada na sua irmã.

Resmungando Carlyle demora uns segundos para verificar a pestinha. Alguns meros segundos que mudaram sua vida para sempre.

Sua mãe se vira para trás deixando de prestar atenção ao transito para lhe dar uma bronca, ela nunca lhe deu uma bronca antes da "peste" nascer, e quando ela torna a olhar para frente se assusta com um cão que passa atravessando a rua correndo.

Ela dá uma guinada com o carro que rodopia na pista e é atingido por vários outros, capotando varias vezes em seguida. O tempo todo em que o carro rodopiava àqueles olhos de cores distintas pareciam fixos nos seus, como se lhe acusassem de ser o causador do acidente.

Quando o carro finalmente parou, Carlyle ainda continuava acordado, preso ao cinto e encarando aqueles olhos que ainda pareciam lhe acusar, mas que já não pareciam mais ter vida. Sua mãe gemia presa ao cinto. Ele ouvia o ping do sangue gotejando dos ferimentos de sua mãe e o som era como balas de canhão sendo disparados em seus ouvidos, desviando o olhar dos olhos de sua irmã Carlyle vê o reflexo de sua mãe pelo espelho retrovisor, ela chorava com o olhar fixo na "peste" seus lábios se movem formando algumas palavras antes dela desmaiar, "meu pequeno amor".

Em choque, Carlyle só voltou a si quando seu pai o encontrou sentado num dos leitos do hospital muitas horas depois. Sua mãe foi dada como morta naquela noite. Carlyle fugiu do quarto do hospital para ir em busca de seu corpo. Ele entrou na sala em que o corpo dela estava e a abraçou, seu corpo estava frio, mas não importava ele só queria ficar ali com ela.

Ouvindo passos se esconde embaixo de uma das macas. Alguns enfermeiros entraram na sala se dirigindo ao lugar onde sua mãe estava. Um deles comenta sobre o acidente e o outro diz que esteve na sala de cirurgia com ela e suspira terminando por comentar que era como se ela não quisesse mais viver, o primeiro a falar também suspira e diz que talvez ela soubesse que o bebê havia morrido e por isso não lutou por sua vida. Eles se deslocam para outra mesa, recolhem o que precisam e saem da sala deixando para traz um menino com o olhar e o coração carregados de ciúme e ódio.

FEHÉROnde histórias criam vida. Descubra agora