Capítulo 12

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Ele as deixou juntas por bastante tempo. Antes ela não gostava quando ele vinha, tinha muito medo. Depois que ele deixou a vítima ali ela passou a odiar porque ele a arrastava lá para cima e voltava a machucá-la.

Quando parecia esquecê-las elas até se divertiam, a vítima passou a ser sua cuidadora. Ela lhe ensinou um pouco do que chamava de "ler" desenhando as letras com a palha do chão, também lhe contava muitas histórias de menininhas como ela as quais chamava de princesas. A história que mais gostava era a da princesinha dos olhos coloridos. Era uma história que não tinha final. Sua cuidadora lhe disse que ela é quem deveria imaginar o final e que talvez um dia ela mesma pudesse vive-lo.

Quando sua cuidadora ficava triste tentava fazê-la sorrir porque ela lhe era sempre gentil e a tratava com muito carinho mesmo quando estava muito machucada. Ela lhe fez um brinquedo ao qual chamava de "boneca". Quando ele vinha atormentá-las elas a escondiam embaixo dos trapos que algum dia foram, o que sua cuidadora chamava de "cobertas".

O nome de sua cuidadora era Annuska. Ela lhe disse que era um nome húngaro. Annuska lhe disse também que o nome ao qual ele se referia a ela não era certo e passou a lhe chamar de Fehér, ela achou que era a palavra mais linda que já ouviu. Annuska lhe disse que Fehér em seu idioma significava branca e que lhe chamaria assim por causa de seus cabelos que eram dessa cor.

Uma vez ela teve coragem e tentou intervir quando ele veio machucar Annuska. Ele se virou para abrir a cela e levá-la. Ela então pulou, agarrou o braço dele e mordeu com força, rosnando alto, suas mãos instintivamente procuraram um lugar onde enfiar suas garras, o gosto de sangue alagou sua boca. Ele grunhiu de dor, soltou Annuska e sacudiu o braço antes de lhe agarrar pelos cabelos e lançá-la para longe. Ela bateu a cabeça e desmaiou, acordou com Annuska a embalando no colo.

Depois do dia que ela interveio, quando ele voltou foi particularmente difícil para sua cuidadora. Ele a machucou muito, ela ouviu todo o sofrimento de sua cuidadora e gritou, chorou e implorou que ele a deixasse em paz, mas não adiantou, ele a devolveu muito machucada. Quando por fim conseguiu se recuperar Annuska lhe pediu para que não chorasse mais quando ele a levasse, porque isso o fazia ser pior. Ela lhe disse que ele era um monstro que farejava o medo e lhe fez prometer que quando ela não estivesse mais ali não demonstraria medo jamais, mesmo que por dentro estivesse tremendo, apavorada.

Ela tinha sim muito medo, sempre estava assustada, mas por sua Annuska ela se esforçaria e não mais demonstraria o quanto ele lhe aterrorizava.

Em pouco tempo ele voltou novamente, levou Annuska e nunca mais a trouxe de volta. Às vezes, em seus pesadelos, ainda escutava o grito contido dela antes do silêncio doloroso imperar. Ela chorou muito querendo que sua Annuska voltasse, mas sabia que isso não aconteceria.

Antes desse dia Annuska lhe disse a abraçando apertado que algum dia ele viria por ela e que quando esse dia chegasse, ela deveria ser corajosa e não mostrar medo. Que era para ficar atenta, e que se tivesse qualquer oportunidade ela devia fugir. Que lá fora teria um mundo muito grande que a consideraria diferente, mas que se conseguisse fugir alguém lhe ajudaria e não deixaria mais que ele lhe fizesse mal. Ela não entendeu muito bem o que Annuska quis dizer com "diferente" e nem com um "mundo grande", porque seu mundo desde que lhe deram para "ele" sempre se resumiu àquele lugar.

FEHÉROnde histórias criam vida. Descubra agora