Bom, vou começar: Era uma vez uma menina chamada... Não, isso não esta bom!
Em um ensolarado dia de verão uma garota... – Não. Ainda esta ruim pensou rasgando outra folha do seu diário e a atirando ao chão e uma nova página branca do seu livro estava ali, vazia por completo, de novo! Que raiva!
Deitado no chão vestindo seu pijama, Júlio olhava para o teto branco de seu quarto, pensando, longe, aéreo... Fazia um esforço tremendo, mas nenhuma palavra sequer conseguia escrever. O chão de seu quarto estava forrado de folhas de papel, alguns amassados e tantos outros rasgados. Na melhor de suas tentativas, apenas algumas poucas palavras tinham saído de seu lápis muito bem apontado e novo. Era tanto papel espalhado que mal dava pra enxergar a cor vinho forte do seu tapete.
Esfregava seus pés um no outro para tentar aquecer-se um pouco, devido ao gélido vento que soprava por sua janela aberta. A janela que tanto adorava e observava durante o trânsito caótico das avenidas congestionadas. Não possuía tela de proteção contra mosquitos, seu apartamento era alto. Aquela madrugada estava realmente fria. O silêncio imperava naquela noite, somente era possível ouvir ruídos bagunçados ao longe, de carros que passavam muitos metros abaixo de alta sua janela.
Júlio era independente, morava sozinho havia dois anos e meio em um apartamento bem localizado no centro de sua cidade. Era analista de sistema de uma grande empresa no setor bancário. Adorava sua profissão. Fazia seus cálculos matemáticos com precisão e prazer, algumas vezes parecia trocar até suas refeições por blocos de códigos binários e computadores. Sentia-se mais confortável em lidar com algo frio e artificial como um computador do com qualquer coisa que possuía vida. O que ele queria mesmo era escrever esse livro no seu laptop, mas seu analista dissera que precisava exercitar seu lado humano, e fazer algo mais orgânico só pra variar um pouco.
O chato do analista...Como ele o chamava, foi taxativo ao afirmar que ele precisava se socializar mais com pessoas e coisas vivas, e que ele deveria procurar algum tipo de hobbie. Então decidiu escrever uma autobiografia contanto sua infância difícil com seu pai ausente e grosseiro, e sua preconceituosa e descontrolada mãe soberba. Certa vez ele e seus pais foram viajar para uma casa de campo luxuosa no interior do estado situada em um condomínio fechado de alto padrão. A qual pertencia a um casal de amigos de seus pais, e sua mãe se orgulhava até então de que este final de semana tinha sido perfeito, pois nada á tinha feito passar vergonha. Para ela não existia maior vergonha do que atitudes que chamava de "gafes" ou de "pessoas pobres". Júlio era bem jovem nessa época, cerca de dez anos apenas, mas já se sentia nauseado cada vez que sua mãe vociferava isso.
Filho mais velho comum irmão deficiente mental, Júlio era extremamente inteligente, dotado de um olhar crítico e um senso racional fora dos padrões. Destacava-se em tudo que fazia pela racionalidade, por seu humor rude e sinceridade inigualável, mas principalmente por não envolver-se emocionalmente com nada. Por muitas vezes era rotulado de insensível, egoísta, frio e calculista. Sabia que não o era. Na verdade era alguém muito tímido e introspectivo, que trava diariamente uma batalha interna contra seus próprios demônios.
Eis que de repente ele escuta uma batida seca e de tom baixo, como se alguém tivesse esbarrado em alguma porta ou mesa de madeira. Intrigado, Júlio olha para todos os cantos de seu quarto bem iluminado por uma luz fria, branco-azulada logo acima de sua cabeça.
Nada, tudo normal. Continuando com seus pensamentos, tentando envolver-se numa aura de magia para iniciar seu tenebroso desafio de escrever, novamente o barulho se repete um pouco mais alto, o mesmo barulho seco, mas agora, era idêntico a uma pessoa fechando uma porta. Assustado, vira-se de lado em seu próprio eixo corporal, para olhar demoradamente cada canto de seu quarto... Nada! – Somente um latido fraco vindo da janela. Aquele cão infernal do vizinho, não fica quieto um minuto se quer. – Pensou ele.
Atônito concentra seu olhar para o seu antigo armário. Estático! Grande e pesado. Encostado em uma das paredes do quarto. O velho armário de sempre, pensou ele. Ele o acompanha desde criança foi, presente de sua avó. Era feito de puro mogno, com pesadas portas, diversas prateleiras e gavetas. Forrado de roupas, sapatos, diários de escola e livros, muitos livros. Estava com as portas fechadas, mas ele sabia que dentro era pura desorganização.
Júlio adorava livros. Possuía livros dos mais variados assuntos. De Nietzsche á Platão, de Einstein a Mário de Andrade. Mas no fundo sua verdadeira paixão eram os livros que ganhava de presente. Esses não tinham valor. Acreditava que ao ser presenteado com um livro, estava recebendo uma alta honraria. Um livro é algo singelo e com o significado mais puro que existe; a sabedoria de alguém sendo transmitida através de palavras e idéias para outrem... Acho que é por isso que o meu analista disse pra eu escrever um livro. – Pensou ele!
Daqueleângulo de visão, deitado no chão, o armário parecia enorme assim como oenxergava quando criança. Quantas e quantas vezes ele entrou naquele armário,fechando-se lá dentro com suas pesadas portas, e usando uma pequena lanterna decarregar com a mão. Aquelas que possuemum pequeno dínamo dentro, e conforme apertamos um gatilho, seu mecanismo éacionado gerando energia e ficando armazenada durante algum tempo. Lá dentro,escrevia diversas páginas de seus incontáveis diários, despejando enormesquantidades de pensamentos negativos, frustrações e amarguras. Vez ou outraconseguia colocar um pouco de alegria e esperança nas páginas. Sua infânciafora muito difícil. Às vezes entrava lá, só para se esconder de seus medosinsólitos. Aquelas pesadas portas já a tinham protegido diversas vezes dos fantasmase pensamentos ruins.
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Dragão Dourado
Teen FictionA vida trata os diferentes implacavelmente, tirando-lhes o brilho da infância e adolescência. Iguais, mas, tão diferentes de inúmeros igual a ele que habitam esse mundo insólito e cruel. Percorra a saga da vida incomum mais comum de Júlio Almeida! ...