Capítulo 14 - A culpa ainda é minha?

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- Quer dizer que você caiu na piscina? Mas porque diabos você estava perto da piscina enquanto não esta tendo aulas, sem professor ou qualquer pessoa por perto? Como você conseguiu entrar lá? – Pergunta Telma enquanto pega uma toalha no armário e entrega para pequeno Júlio.

- O portão estava aberto. Ela é linda. Mas tenho medo dela. Por isso gostava de ficar olhando do lado de fora. Quando percebi já tinha caído nela. – Disse pequeno Júlio pegando a toalha e começando a se enxugar.

- Gatinho... Você precisa tomar mais cuidado. Você sabe nadar? – Perguntou Telma docemente.

- Não! Eu já fiz aula de natação, mas minha mãe me tirou das aulas! A professora reclamou que eu sou muito bagunceiro!

- Você não parece bagunceiro. – Telma deu um lindo sorriso para pequeno Júlio – Você é um doce de menino. Queria que todos os meninos daqui fossem iguais a você. Essa escola com certeza seria bem diferente.

Pequeno Júlio ficou encabulado. Era a primeira que uma mulher tão linda como a Doutora Telma lhe disse algo assim antes. Normalmente, as pessoas não gostavam muito dele. Exatamente por ser muito tímido. Júlio receberá desde pequeno uma educação extremamente castradora, sua avó era muito rigorosa e rígida, não permitia que Júlio faltasse com o respeito e que fosse mal educado com quem quer fosse. Sua avó sempre pregou que com boa educação e uma conversa não existe assunto que não possa ser resolvido.

Telma assiste a pequeno Júlio se enxugar por completo:

- Você não tem como assistir as aulas. Sua roupa ainda esta muito molhada. E não tenho autorização para lhe dar outro uniforme. Vou ligar para seus pais para que eles venham buscar você! – Disse Telma procurando sua agenda telefônica.

- Doutora! Por favor, não ligue para meus pais. Eles viriam e me levariam para casa, e provavelmente minha mãe ficaria muito brava comigo. Ela não gosta de ser chamada no trabalho por minha causa. – Pequeno Júlio parecia consternado ao dizer aquilo.

- Imagine gatinho... É impressão sua! Tenho certeza que seus pais são cuidadosos com você, e que viram correndo até aqui pra lhe levar para casa.

- Por favor, não liga não! Por favooorrrrrrrrrrrr...posso ficar aqui um tempo com você. Só até a hora de ir embora, eu fico aqui quietinho, não faço nenhum barulho, nadinha. Eu fico quieto, por favor!–Insiste pequeno Júlio.

Aquele menino realmente tem algo diferente. Com qualquer outro menino, Telma teria sido inflexível, e teria acionado seus pais. Mas aquele garoto conseguiu de fato mexer com algo em seu interior, alguma coisa dizia que ela precisava ajudá-lo. Sim, ajudá-lo!

- Ok Júlio! Você venceu! Pode ficar aqui comigo, mas só durante um tempinho. Só o tempo do sinal da saída, isso dá 40 minutos. Quando o sinal tocar, você vai pra sua casa. Combinado? – Disse Telma olhando fixamente para os grandes olhos azuis de pequeno Júlio.

Tentando esconder o grande sorriso em seu rosto, pequeno Júlio, assentiu com a cabeça e olhou para o chão muito envergonhado, mas muito feliz.

- Pegue um livro para você ler! Tenho alguns aqui na minha estante! Pode escolher qualquer um.

Pequeno Júlio caminhou até a estante e após escolher um livro, foi até um cantinho da sala, sentou-se ao chão e passou a devorar o livro com os olhos, mergulhando em leitura profunda. Telma, o olhava sentada a sua mesa. Prestava atenção na forma em que Júlio lia o livro. Ele de fato estava mergulhado nas palavras. O mundo poderia desabar a seu lado que com certeza não afetaria sua leitura em nada.

- Gatinho... Qual livro você escolheu para ler? – Perguntou Telma curiosa em saber o que roubava total atenção de pequeno Júlio.

- Provavelmente nem ouviu o que perguntei... Nem olhou para mim... – Pensou Telma

Telma voltou a fazer suas anotações de sempre. O tempo voou, e o sinal tocou. Júlio fechou seu livro, marcando a página com uma orelha dobrada, guardou o livro na estante e parou diante da mesa de Telma.

- Doutora! Não consegui terminar o livro, posso voltar aqui amanhã para continuar a leitura? – Perguntou Júlio cabisbaixo.

- Gatinho... Você pode voltar aqui quantas vezes quiser. Lembra que sou sua amiga? A única coisa é que você não pode atrapalhar seu horário de aulas.

- Posso vir na hora do meu almoço pra cá?

- Pode! Mas você não almoça aqui na escola? – Pergunta Telma espantada.

Pequeno Júlio não consegue responder. Abaixa a cabeça olhando para o chão, se fecha e não consegue pronunciar uma só palavra. Telma se levanta, se agacha á frente de pequeno Júlio, coloca seu dedo indicador no queixo dele levanta seu rosto, fitando-o nos olhos.

- O que houve? – Pergunta Telma

- Os outros meninos zombam de mim, me batem, correm atrás de mim o recreio inteiro. Fico com muito medo, eles... Eles não gostam de mim. – Pequeno Júlio diz isso com lágrimas nos olhos. – Na rua já me jogaram em latões de lixo, já me prenderam no banheiro com chave, apanho quase todos os dias.

- Gatinho... O que você faz? Já contou para seus pais?

- Meu pai me disse que se algum dia eu voltar pra casa machucado, eu apanho dele também. Mas não conte isso pra eles, por favor. Senão vão brigar comigo de novo.

- Mas eu nunca vejo você no recreio, apanhando ou algo assim. – Indaga Telma, duvidando um pouco do que estava ouvindo naquele momento. - Quem são esses meninos?

- Os meninos me batem sempre no banheiro, porque assim o Senhor Romeu não vê. – Pequeno Júlio diz enxugando as lágrimas. – Não posso dizer quem é, senão eles me matam. Já me disseram que se eu contasse me matariam e nunca saberiam que fez isso!

- Gatinho... Essa nossa conversa não acabou aqui. Você precisa ir embora, esta ficando tarde, quero que você amanhã venha ficar aqui comigo na hora do almoço de novo. Venha terminar o seu livro, combinado?

- Combinado! – Respondeu pequeno Júlio já quase na porta da sala de Telma.

-Ah! Só uma última pergunta, qual livro você escolheu para ler enquanto esta aqui comigo? - Telma abre um grande sorriso para tentar amenizar a situação.

- Casa Velha de Machado de Assis... Posso fazer uma pergunta para você?

- Claro que sim! Pode perguntar o que quiser! – Disse Telma sorrindo angelicalmente

- Porque as pessoas são tão ruins umas com as outras? – Perguntou Júlio fitando-a em seus olhos.

Telma ficou sem ação. Não sabia o que responder. Aquela pergunta era tão profunda que se fosse criada uma dissertação sobre ainda não seria suficiente como resposta. Telma só olhou para Júlio e disse:

- Gatinho, volte amanhã e conversaremos melhor, ok?

E todos os dias, pequeno Júlio, em seu horário de almoço, dirigia-se á sala da doutora Telma, á cumprimentava educadamente o qual era retribuído sempre com um enorme sorriso e um sonoro:- Bom tarde gatinho!

PequenoJúlio se sentava sempre do mesmo jeito, ao chão, com as pernas cruzadas de emforma de "índio", encostava suas costas na parede gelada da enfermaria bem aolado da mesa de Telma, e ali devorada parágrafo após parágrafo, página apóspágina. Até encerrar o livro e começar outro, e outro e outro... e o tempo foise passando... passando... passando...    

Dragão DouradoOnde histórias criam vida. Descubra agora