Jovem Júlio havia entrado em um ônibus com direção ao centro. Após muitas e muitas voltas, era daquelas linhas que rodavam muito antes de chegar ao destino final, chegou a Praça da Sé, marco zero da cidade de São Paulo. Não era perto, mas também não era tão longe, ir até a Galeria do Rock.
Jovem Júlio adorava aquele lugar, era o único lugar em toda a cidade que não se sentia deslocado, afinal, aquele local era frequentado pelas "pessoas" mais esquisitas existentes em toda a cidade. Pessoas com roupas estranhas, todas de preto, outras tantas com camisetas de banda, desfilavam suas tatuagens, piercings, gente entrando e saindo o dia todo.
Após uma bela caminhada, chegou até a Galeria. A Galeria era composta de centenas de lojas. Lojas de CDs, de camisetas de bandas, estúdio de tatuagem, piercings, algumas lanchonetes, se é que aquilo podia ser chamado de lanchonetes, lojas que compravam e vendiam CDs usados e etc.
Na verdade a Galeria do Rock era frequentada em sua maioria por "metaleiros" e "rockeiros". Eram quatro andares de lojas e mais lojas, nessa época era bem comum você encontrar artistas do underground nacional perambulando pelos corredores, outros tantos sentados bebendo nas lanchonetes, que na verdade não eram lanchonetes, eram buracos com algumas cadeiras e mesas grudentas, que vendiam lanches, refrigerantes e principalmente, cerveja!
Jovem Júlio subiu o primeiro e segundo lance de escadas rolantes, as melhores lojas, segundo ele, ficavam no segundo andar. Passou em algumas, olhando os novos CDs, lançamentos de bandas, pegou um fanzine*, sentou-se em grande banco de madeira em forma de U que havia ali, e pôs-se a ler enquanto ouvia metal extremo em seus fones em um volume muito alto, quase sobre humano.
Estava distraído lendo quando notou que alguém havia sentado á seu lado, mas nem olhou sequer. Após alguns instantes, aquele alguém, o cutucou no ombro com o dedo, chamando sua atenção. Jovem Júlio tirou seus fones de ouvido, e olhou para o lado. Para sua surpresa, era uma garota. Uma garota linda. Com a pele alva como a neve, cabelos pretos lisos e muito longos e estava com uma camiseta da banda Krisiun**. Tinha alguns piercings sem sua orelha.
- Oi! Desculpe! O que você esta ouvindo? – Perguntou a garota com um sorrindo lindo e iluminado.
- Venom! A música Black Metal! – Jovem Júlio respondeu timidamente.
*Fanzine se tratava de uma espécie de jornal em preto e branco e com impressão barata e tiragem reduzida. Era a forma que se tinha na época para divulgar idéias, bandas, músicas, grupos e etc.
** Krisiun é uma das bandas mais conhecidas e influentes do cenário underground Brasileiro e mundial. Foi a primeira banda de metal extremo brasileira a fazer sucesso fora do país.
- Adoro Venom! Você divide esse áudio comigo? –Exclamou a garota.
- Claro! Qual seu nome? – Perguntou Jovem Júlio.
- Meu nome é Natascha! Se escreve com " S-C-H"... E você?
- Me chamo Júlio! Muito prazer! – Jovem Júlio estendeu a mão.
- Poxa! Não vai nem me dar um beijo no rosto? Sou uma garota e não um marmanjo! – Natascha gargalhou.
- Desculpe! É que é a primeira vez que sou abordado por uma garota! – Jovem Júlio respondeu tímido e meio sem jeito.
Jovem Júlio avançou com o rosto para cumprimentar Natascha com um beijo no rosto, e só encostou o rosto no rosto dela, e fez um barulho de beijo. Bem falso!
- Que merda de beijo de mentira é esse? – Perguntou Natascha nervosa – Quando você beija uma garota, você pega e da um beijo nela! Você pega os seus lábios encosta na bochecha dela e beija! Não esse beijo de mentira de comadre! – Natascha gargalhou novamente.
- Esta bem! Desculpe! – Tímido Jovem Júlio novamente, foi em direção a ela com o rosto, mas desta vez, beijou sua bochecha de verdade, conforme ela havia pedido.
- Esta vendo! Nem doeu! Foi bem melhor assim! Agora você me deu um beijo de verdade... Bom, vamos escutar o Venom?! – Disse Natascha.
Jovem Júlio lhe entregou um dos fones de ouvidos, sentaram bem perto um do outro, o fio do fone era curto. Enquanto Natascha ouvia a música, Jovem Júlio a olhou de perfil, prestando atenção, olhando cada centímetro de seu rosto. Era linda, perfeita, e havia algo familiar nela, parecia que se conheciam há anos.
- O que você esta olhando? – Perguntou Natascha sem virar o rosto, com um sorriso maroto no canto da boca.
- Nada! Estava viajando! Desencana... – Respondeu Jovem Júlio retomando a leitura do fanzine.
Alguns bons minutos se passaram até que Jovem Júlio conseguiu terminar seu fanzine. Fechou-o e olhou para Natascha. Ela estava sentada á seu lado, com os olhos fechados, sentindo a música. Ele ficou ali, parado olhando para ela sem pressa. Quando a musica acabou, ela abriu os olhos, virou-se para ele. Ele ainda estava olhando para ela, hipnotizado.
- O que esta olhando? – Pergunto Natascha envergonhada.
- Você estava sentindo a música! – Disse Jovem Júlio sorrindo.
- Sim! Música é para ser sentida e não ouvida!
- "Escute a música com o coração e não com os ouvidos" – Disse Jovem Júlio
- Nossa, que lindo isso! Já quase me conquistou... – Disse Natascha sorrindo aparentemente nervosa.
- O grande problema das pessoas é que julgam o metal extremo pelos conceitos errados. Acham que é somente um barulho de vários instrumentos fazendo algo desconexo, alguém berrando algo incompreensível com letras gratuitamente agressivas! Mas no fundo o metal extremo é a síntese do lado negro do ser humano! Mostra a intolerância com os padrões impostos pelo sistema, o preconceito e principalmente a cegueira religiosa e política que os humanos se apegam! – Jovem Júlio dissertou em um tom solene e sério. – O metal extremo mostra as coisas do jeito real, sem romantismo... Como o ser humano é em sua essência... O quanto ele pode ser bruto perante algo novo!
- Uau! Já me conquistou... – Disse Natascha que estava muito nervosa.
- Então esse preconceito das pessoas... – Jovem Júlio foi abruptamente interrompido por Natascha.
- Meu... Como você fala... Cala a boca e me beija! – Disse Natascha encarando Jovem Júlio nos olhos.
Jovem Júlio sentiu-se desconcertado, mas obedeceu a ordem de Natascha. Aproximou-se do rosto de Natascha, fechou seus olhos, e se beijaram...
Black metal... Black Metal... Black Metal... Era o que se ouvia nos fones de ouvido...
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Dragão Dourado
Teen FictionA vida trata os diferentes implacavelmente, tirando-lhes o brilho da infância e adolescência. Iguais, mas, tão diferentes de inúmeros igual a ele que habitam esse mundo insólito e cruel. Percorra a saga da vida incomum mais comum de Júlio Almeida! ...