Júlio atravessa os corredores enormes do hospital onde havia sido hospitalizado quando fora atacado por Pimenta em frente á casa de Milena. Andando calmamente, conversa com Leonardo, que se espreme ao andar tentando acompanhar seu mestre. Suas asas vão batendo em tudo que encontram pelo caminho. Suas enormes garras vão arranhando o chão e fazendo um barulho horrendo.
- Leonardo! Você podia ser um pouco mais cuidadoso, nem parece um dragão de quase 2 metros de envergadura. – Gargalhou alto Júlio, ao irritar seu enorme amigo.
- Mestre! Estes locais não foram feitos para seres como... – Leonardo de uma pancada com a cabeça em uma luz de emergência fixada á parede.
- Este hospital não ficará inteiro até chegarmos até meu quarto! – Disse Júlio sorrindo, mas sem parar de caminhar.
Júlio abre a porta de seu quarto, e se vê deitado á cama, ao lado de Milena que o abraça. Os dois dormem juntos. Celso, pai de Milena, parece entretido enquanto lê uma revista, sentado á cadeira logo a frente da cama de Júlio.
- Veja Leonardo! Nesta fase de minha vida, tudo começou a mudar! Deixei de ser um paspalho, ao sair daqui me revoltei com tudo, e todos! Abandonei tudo, inclusive Milena...
Ao dizer isso, seus olhos se encheram de lágrimas. Consternado, ainda tentou disfarçar sua voz embargada enquanto caminhava até Milena:
- Se arrependimento matasse Leonardo, eu já estaria em decomposição neste exato momento...
- Do que esta falando, mestre? – Leonardo finalmente conseguiu entrar no quarto, quase derrubando uma das paredes, um pouco do reboco da parede do lado direito, caiu, fazendo aquele barulho característico de filme de terror. Caindo de com as patas abertas devida força que fizera para transpassar a porta.
Júlio já não se continha mais, as lágrimas escorriam de seu rosto, tentava segurar o seu choro, mas era em vão. Emocionado ao ver sua amiga ali, a seu lado, no momento mais doloroso de sua vida.
- Eu não fiquei com você... Não cuidei de você como te prometi... E você foi embora... – Júlio já chorava incontrolavelmente, estendeu sua mão e tocou os cabelos de Milena.
Júlio arregalou os olhos, novamente aquela onda de energia tomou conta de sua mão, que irradiou até seu braço, tórax. Novamente tentou soltar-se sua visão escureceu, em vão tentou gritar, mas não conseguira. Aquela mesma agonia de antes. Muitas imagens, desconexas, vozes, gritos, choro.
De repente, um silêncio. A nuvem densa se dissipou e a imagem estava nítida, perfeita. Era a casa de Milena. Júlio estava em pé, na sala da casa de Milena. Porém, os móveis estavam um pouco diferentes, pareciam antigos, cortinas de cor mais escuras, quase cor de sangue coagulado. Vozes desconexas ao fundo, deixam aquele lugar com um aspecto amedrontador. A casa de Milena era um enorme sobrado, na parte de baixo ficava a sala e no andar de cima os quartos de todos da família.
- Não... Para com isso... Vou contar pra mamãe...
- Se você contar eu mato você...
- Você tá me machucando...
- Cala a boca...
As vozes eram de duas meninas, e havia também uma voz masculina. Forte, de entonação grave e rude. Júlio começa a andar pela casa, tudo parece em câmera lenta, as imagens desfocam e focam repentinamente, como se um slow-motion defeituoso havia sido ativado, com sofreguidão, caminhou até a cozinha, onde a mãe de Milena estava caída sobre a mesa, á sua frente uma garrafa de bebida alcoólica. Sem dúvida, estava embriagada. Júlio tentou pousar sua mão sobre seu rosto, mas não deu certo sua mão a transpassou como se fosse um mórbido fantasma.
Júlio finalmente se dera conta, de que essas imagens eram o que havia se passado em algum momento, independente se ele teria participado ou não. Imagens do passado que de alguma forma revelava-se diante de seus olhos. Novamente como mero espectador apenas.
As vozes continuavam a entrar em seus ouvidos, causando incomodo. Eram vozes de crianças, aparentemente crianças muito jovens, que clamavam por piedade. Tentando caminhar naquele momento, bolas de ferro acorrentavam seus pés, era a nítida impressão que se tinha. Quanto mais lutava, mais lento e pesado tudo ficava.
Com um esforço hercúleo, conseguiu chegar até o primeiro degrau da escada. Sim, eram vozes de crianças. Degrau a degrau, lentamente, Júlio subiu as escadas chegando a um pequeno corredor com quatro portas. Seguindo o som, passando pelo banheiro, os segundos pareciam horas, tudo muito lento e confuso, barulhos desconexos confundiam seu cérebro. Finalmente conseguiu chegar á porta de um dos quartos.
Uma cena aterradora mostrou-se á sua frente. Um quarto de médio porte, com duas camas de crianças. Um grande armário logo á frente, cheio de gavetas e portas. Em frente a este armário, duas crianças, uma menina e um menino. Totalmente despidos, com suas mãos tapando seus genitais e com os olhos cheios de lágrimas. A menina estava chorando descontroladamente. O menino estava paralisado, não conseguia esboçar nenhuma reação. Próximo á porta onde Júlio permanecia de costas, um homem vestindo apenas uma cueca branca, batia fotos com uma câmera presa em um tripé de fotógrafo.
- Tire a mão daí... Pare de chorar... Isso assim mesmo, quietinha pra sair bonita na foto do tio... Vamos menina, mostre esse negócio ai, não tenho o dia todo... Vai garoto deixa de ser burro, se esfrega nela...
Júlio não conseguia reagir, aquilo era a visão mais aterradora que já havia presenciado, seu coração estava disparado, sentia uma forte náusea, a imagem estava embaçada, e não conseguia ver direto o rosto das crianças, não ás conhecia.
Júlio em puro ímpeto pegou a cadeira da penteadeira ao lado de seu braço, e com uma força sobre-humana, arremessou-a em direção ao homem que havia acabo de se despir. A cadeira explodiu na altura da omoplata esquerda do homem, fazendo com que ele caísse sobre á câmera e as crianças, quase acertando o menino ruivo...
- Júlio! Júlio!–Leonardo chamou o nome de Júlio aflito – JÚLIO ALMEIDA! – Gritou Leonardo. – Ele só utilizava o nome completo de seu mestre quando algo de muito sério estava acontecendo.
Júlio atônito não mudou a direção de seu olhar aterrorizado:
- Leonardo... O que presenciei neste momento foi algo indescritível... – Júlio olhava para o nada em direção a uma parede branca do quarto. Somente seus lábios moviam-se!
- Mestre! O que o senhor viu? – Leonardo estava desesperado
Júlio abaixou a cabeça e viu Milena, dormindo ao seu lado. Bem ali, na cama do hospital. Pálido e tremendo, Júlio estendeu sua mão e vagarosamente a pousou sobre o ombro de Milena.
- Porque você nunca me contou isso! Eu poderia ter te ajudado! – Disse Júlio quase sussurrando e acariciando sua amiga.
- Mestre... Mestre! – Júlio não estava dando atenção a Leonardo que o chamava ininterruptamente.
- Mestre... Mestre! – Continuou Leonardo.
- O que é Leonardo? – Disse Júlio virando bruscamente para Leonardo e com uma cara de poucos amigos.
- Mestre! Estou desaparecendo! – Disse Leonardo olhando para suas garras ao chão, que estavam começando a ficar translúcidas. – O que esta acontecendo? Ajude-me! – Exclamou o pobre dragão dourado.
Júlio abaixou a cabeça, olhando para o chão do quarto. De olhos fechados sem dizer uma palavra, ouvindo seu amigo clamar por sua ajuda. Esperou até que seu amigo enfim desaparecesse por completo.
- Leonardo! – Disse Júlio caminhandoe olhando para o local onde seu amigo acabará de sucumbir. - A partir destemomento da minha vida fiel amigo, você deixa de existir! Perdoe-me! Perdoe-me...sk
![](https://img.wattpad.com/cover/134184851-288-k47533.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Dragão Dourado
Fiksi RemajaA vida trata os diferentes implacavelmente, tirando-lhes o brilho da infância e adolescência. Iguais, mas, tão diferentes de inúmeros igual a ele que habitam esse mundo insólito e cruel. Percorra a saga da vida incomum mais comum de Júlio Almeida! ...