PRÓLOGO

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ELE se sentia completamente realizado aquela noite, era para ser a mais feliz de sua vida; daquela vida sem sentido, brutal, e agora finalmente feliz. Eles tinham formado uma família. Já não estava mais sozinho naquele lugar.

A casa estava silenciosa; ela dormia como um anjo ao seu lado. Serena e bela. Como era linda. delicada como uma Rosa, já Ele, era mais rude que um cacto.

Um som ecoou pela casa. Vinha do quarto ao lado e era o choro de uma criança; a sua criança. Seu filho. O homem chamou com uma voz terna sua mulher, que rolou para o lado e suspirou profundamente. Não queria acorda-lá, afinal ele não era exatamente normal, mas conseguir cuidar do próprio filho não exige tanto. Os animais cuidam de seus filhotes, porque ele, um quase humano não daria conta? Afinal já fora humano um dia. Porém em sua cabeça ecoou a voz doce da mulher dizendo que não queria vê-lo perto do filho ainda. Ela estava certa em querer proteger a criança. Mas ele não faria mal a ela, até porquê era seu filho, sangue do seu sangue. E ele não aguentava mais essa restrição, queria vê-lo, pegá-lo, já havia aguentado o bastante. Um mês, sem poder chegar perto de seu herdeiro.

Ele hesitou em levantar-se: estaria fazendo certo em desobedecer sua esposa? A mulher que o aceitou? A pessoa que não olhou para as aparências e não se importou com o perigo que corria a cada minuto ao seu lado. Afastou o pensamento, pegou uma vela na prateleira e abriu a porta cuidadosamente para não acordá-la. Ela estava tão bela dormindo.

Entrou no quarto do bebê e ouviu o chorinho ficar mais alto. Ele se dirigiu até o berço incapaz de não sorrir. Olhou o filho e uma lágrima quente rolou pelo seu rosto que, começava a queimar e formigar. Ele conhecia muito bem essa sensação e o que acontecia após ela.

Um sentimento animal que ele conhecia bem percorreu suas veias. Não, aquilo não poderia estar acontecendo. Não naquele momento olhando para seu filho. Não quando finalmente estava completo. Ele fechou os olhos tentando controlar aquela vontade horrorosa de devorá-lo.

Mas não conseguia evitar, conhecia bem a si mesmo para saber o que aconteceria dalí para frente. Não podia controlar, teria que sair correndo imediatamente, mas suas pernas não o obedeciam mais. Como ele era covarde, ruim, animal. Precisava correr; precisava se controlar. Ele não parava de se incriminar, e lamentar. Como esquecera? Olhou para todos os lados e enxergou um punhal em cima de uma mesinha, descansando inofensivo. Era a solução. Dolorosa, porém a solução. Como viveria daquela maneira? Ele juntou todas as forças e saiu dali. Percorreu o corredor preocupado e possuído demais para pensar que era a última vez que veria aquelas paredes de pedras. Entrou na sala e avistou a pena e o tinteiro em cima da escrivaninha. Lembrou o quanto sua mulher amava cartas escritas a mão, à pena e tinta. Pegou pela última vez a pena e a mergulhou no liquido negro. Ali foram escritas as suas piores palavras; palavras essas que passam uma responsabilidade que era dele; ele deveria cumpri-la. Mas o amor ainda existia, mesmo em criaturas como ele. E era mais forte do que ele imaginava. Tão forte, a ponto de abandonar seu povo, sua civilização.

Quando terminou já estava quase enlouquecendo. Levantou-se e sentiu um cheiro. O cheiro do seu filho. Não iria mais aguentar, suas pernas o levavam para o quarto sem ele mandar, quando notou já estava com o bebê nos braços. A criança gritava com os olhos fixos nos seus. Os olhos do bebê lampejaram um brilho vermelho. Ele largou-o no berço imediatamente e cravou o punhal no peito. Lembrou da carta mas já era tarde. Um baque se ouve em toda a casa; e um papel, ainda com a tinta molhada, voou na escuridão.

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A mulher acordou com o barulho, apalpou o lado da cama e seu marido não estava. Correu mesmo em meio a escuridão para o quarto do bebê, e se deparou com a cena mais cruel que já vira: Seu marido, seu amor, estava caído no chão, com um punhal cravado no peito. Olhou para o berço e uma criaturinha de um mês de vida, estava em pé no berço, e com intensos olhos verdes a observando.

Ela a princípio não entendeu a cena. Olhou na janela e viu a resposta: Uma lua cheia brilhava no céu azul, límpido como as águas de um riacho.

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Cinco objetos, Cinco mundos, cinco pessoas, cinco criaturas.
Uma maldição e um amor.

Estava tudo traduzido, agora faltava apenas o Espírito cumprir a promessa, e mandar alguém ali -- que ela não sabia quem e nem quando --, para que tudo se complete e que a missão se inicie.

O Lobo e Eu (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora