Cap. 10 - Parte I

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    A TARDE foi tensa: Kell estava estranhíssima e repreendendo a todos, até mesmo tia Jane; Elane parecia enfática; o coronel Saturnino Figueira — e eu achava meu nome feio! — Não disse uma palavra depois daquela resposta de Kell, apenas pegou suas coisas, desarmou a barraca, empunhou o fuzil e sumiu na floresta. Pensei que Elane fosse ir junto, mas não sei dizer por quê, continuou aqui. Ajudei, na maneira do possível, tia Jane a fazer o almoço. Ela parecia triste, talvez por estar preocupada com o que Kell disse sobre dar a vida e as pessoas serem um caso perdido, por que isso implica muitas coisas, inclusive a morte do marido. Até Robert estava estranho, calado demais. Não preciso dizer como me sentia. Estava confusa, com medo, raiva de Kayo e cansada. Os pesadelos começaram a fazer efeito e minha cabeça doeu a tarde inteira.

   A noite chegou e Kayo não apareceu. Cansei de pensar sobre ele então encaro a fogueira ouvindo sem interesse minha tia contar uma história que ouviu a muito tempo sobre espíritos que passeiam pelas florestas.

   — Existe o Espírito guerreiro, o Espírito defensor e o Espírito... Não me lembro o nome, mas faz as pessoas se perderem. Esses espíritos rondam as matas, todas as noites.

  — O que eles fazem? — Kell pergunta parecendo sinceramente interessada.

  — Depende da pessoa — ela responde para a filha comendo um pedaço de carne. — Algumas eles usam como cobaias, outras eles fazem andarem em círculos, já tem certas pessoas que eles ajudam.

   Robert sacode a cabeça sentado ao lado de Elane. 

   — Com que critérios escolhem as pessoas? — Pergunto para ocupar a mente.

   — Eles levam muitas coisas em conta: como a beleza da pessoa, a gentileza, a humildade...

   — Me pergunto o que vão fazer com Saturnino — comento.

   Robert gargalha.

   — Podiam rancar fio a fio aquele bigode horroroso — ele diz entre risos. Elane não demonstra humor algum mas também não discorda, sempre com aparência impenetrável.

   — Concordo — Minha tia fala cruzando os braços, o que faz até Elane, soltar um risinho discreto. Imaginem uma senhora histérica de cabelos lisos e grisalhos com uma blusa vermelha frouxa, sem sutiã e com uma calça Jeans folgada nos lugares mais exóticos, cruzando os braços como uma menininha.

   — Te amo, mãe. — Kell diz sorrindo, abraçando a cintura da velha e beijando sua têmpora.

   — Também te amo, minha pequena.

   Meus olhos encontram os de Elane e ela revela uma preocupação anormal neles, provavelmente lembrando do irmão.

   Ficamos em silêncio por algum tempo.

   — O que vamos fazer? Voltar para casa? — Tia Jane pergunta.

   — Jamais — Elane joga o cabelo cacheado para trás — Não saio daqui sem meu irmão.

  — Eu não saio daqui sem saber o que tem de errado comigo — digo me referindo aos pesadelos e a questão de Kayo, muito embora esteja com uma raiva enorme dele e com um desânimo sem medida no peito.

  — O que tem de errado com você? — Robert pergunta brincando com um galho.

  Não respondo. Não quero parecer mais idiota ainda.

   — Vamos para a casa do lobisomem ao amanhecer — Kell fala se levantando — Vou dormir se não se importam.

    Não digo nada. Ir a casa do Lobisomem... mas como? Me sinto um mendigo em uma  busca por migalhas de informações.

O Lobo e Eu (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora