Cap. 8 - Parte I

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   CONFUSÃO. Acordar em um chão de pedra duro e frio e não saber, por alguns minutos, onde está e o que aconteceu, é decepcionante. Considerar, ao menos por um instante a possibilidade de estar em casa e que esta tudo normal, como a aproximadamente quatro dias atrás, e no segundo seguinte lembrar que está em uma casa desconhecida em meio a uma mata que dizem ser assombrada, com -- não consigo acreditar nisto -- um bicho horripilante que por acaso é um homem forte dos olhos bonitos, é demais para mim.

    O pior é que além de tudo isso, ainda aconteceram coisas estranhas, como minha voz dizendo salvação e indo parar nos ouvidos de um Lobisomem, ou encontrar um livro escrito em outra língua e apenas algumas folhas traduzidas, com meu sobrenome como título; ou então a criatura te convidar a adentrar corredores escuros; ou, ainda, aparecer uma luz amarela na floresta.

      Como se não bastasse sei que tem policiais adentrando a mata e que é a oportunidade perfeita para tudo voltar ao normal e quando vejo, a criatura matou-os. Tirou a vida de pessoas inocentes e não sei o que fazer. Estou em uma confusão extrema.

   Não vi Kayo saindo esta manhã. Não Lembro de ter sonhado nada e ele não teve mais pesadelos depois daquilo; se teve, não ouvi.

   O sol entra pelo buraco iluminando o local. Iluminando minha mente de que mais um dia amanheceu e tenho que dar um jeito nisto. Proteger Kayo dos policiais e assim poupar-lhes a vida e descobrir por que ele é, e qual minha participação nisto tudo. Depois voltar para casa e... Não sei. Afasto o pensamento.  Meu presente está complicado demais para pensar no futuro.

   Levanto-me e vou até a Sala dos Quadros e ele não está, provavelmente foi arranjar comida para mim. Se eu não estivesse sobrevivido até aqui comendo castanhas, sem tomar banho e em um lugar bolorento, eu diria que não sobreviveria um minuto. Estou ridicula: meu vestido está rasgado e sujo, meu cabelo que já estava desidratado está pior ainda, sem contar o embaraço em que se encontra; estou precisando urgentemente de um banho e uma boa noite de sono.

   Olho para os lados e não vejo nada o que fazer. Os papéis da escrivaninha são confusos demais para o meu cérebro de ostra, as cartas eu já li, os quadros: decorei. Só falta as portas, os corredores e... Kayo. Não o decifrei ainda.

    Me levanto e vou em direção ao quarto -- se é que pode ser chamado assim -- e paro diante das duas portas do corredor. Empurrar não fuciona. Já tentei. Então vamos usar a cabeça. Começo a examiná-la de cima abaixo e algo no canto superior esquerdo me chama atenção. Parabéns para mim. Puxo a alavanca com força, pois está um pouco enferrujada e empurro a porta.

    É um cômodo como o quarto do buraco na parede, porém este é um quarto de verdade. Uma cama de casal ocupa seu lugar em um canto, com uma mesinha do mesmo material que a da Sala dos Quadros, ao lado. Mais quadros; todos surrealistas. Fixas na parede oposta a das telas, três prateleiras servem de apoio a alguns pertences. Imagino que seja o quarto dos pais de Kayo. Vou até as prateleiras e identifico mais cartas, além de um perfume antigo de uma marca desconhecida com um cheiro doce e floral, óleos essenciais, um tinteiro e algumas folhas de papel em branco; Tudo sujo e envelhecido pelo tempo. As duas prateleiras inferiores estão lotadas de roupas perfeitamente dobradas e organizadas em fileiras.

    Kayo provavelmente trancou este cômodo para não lembrar dos pais. Me sinto ruim por estar entrando sem pedir onde não me é chamado, então caminho para porta e tranco-a novamente.

   Para minha sorte ele ainda não chegou; odiaria vê-lo com aquela cara de sofrimento novamente, porque sei que ficaria assim se visse o quarto dos pais, ou bravo como ficou quando soube dos policiais.

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   -- Estão na floresta! --  ele entra pela porta em forma humana todo molhado. 

   -- Estou com fome -- digo, fingindo não me importar até por que não é nenhuma novidade o que ele acabou de dizer -- e também quero banhar.

O Lobo e Eu (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora