Capítulo 3

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New Green

Avonford

27 de janeiro de 1987

Queridos Tessa e Glyn,
Sempre acho difícil começar minhas cartas. Devo mergulhar direto, descrever Imbolg? Primeiro, preciso dizer que estou muito feliz porque vocês querem continuar, achando que encontraram o verdadeiro caminho. É errado uma bruxa querer converter alguém. Essa é uma regra de nossa religião. E se não tivessem demonstrado interesse, não teriam mais ouvido falar no assunto.
Sei que você deseja saber primeiro sobre Imbolg, Glyn. Há muito o que dizer para este festival ficar esclarecido, no seu significado total. Mas tenho de começar em algum ponto. Então, começarei aqui. E, na medida em que surgirem outros dados, vou acrescentando.
Cada um dos oito Sabás no ano celebra a relação entre a Deusa e o Deus Cornífero, Mãe/Pai Natureza, de acordo com a estação. Imbolg refere-se aos começos. Chamo-o de Dia da Noiva. A Noiva é um dos muitos nomes da Deusa. Apesar de ter sido cristianizado na festa de Santa Brígida, o festival pagão mais antigo referia-se à Noiva, a Deusa Tripla, em seu aspecto virginal. É o início da primavera. Ela é uma jovem; está no começo. Igual a ela, todos nós (sejamos homens ou mulheres) sonhamos, planejamos e somos inspirados a realizar o nosso futuro. Os três aspectos da Deusa, Virgem, Mãe e Velha, representam o encantamento, a maturidade e a sabedoria, de acordo com as três fases da vida feminina. Então, em Imbolg, a Deusa nos revelará sobre o novo encantamento, inspirado na poesia e no amor. Na primavera, a mente e o corpo encontram nova inspiração. Assim, a Noiva é a Deusa da poesia, como também da fertilidade (e da cura e da arte da ferraria, tradicionalmente).
Há outros ritos desempenhados em Imbolg. É um tempo de limpeza e purificação. A limpeza primaveril agora prepara nossas mentes e corpos para o ressurgimento. A noiva Virgem varre os restos do inverno e o que cresceu no ano anterior com sua vassoura nova. Como todas as pessoas jovens, ela está ávida por novos caminhos e novas idéias. Assim, igual a ela, devemos nos preparar e abrir a terra para o novo. É o tempo da juventude e da
inspiração.
O jovem Deus se aproxima da noiva desejosa. Ele faz-lhe a corte. Como enamorados
(reparem que este período coincide com o Dia dos Namorados, preservando as antigas crenças), inspiram seus corpos e almas. Seu amor se expressa na união sexual. Por meio desta,
haverá o crescimento, a frutificação, e nascerá uma nova vida. Como o jovem Deus, todos nós traremos a faísca de energia aos nossos planos; o ressurgimento da determinação, da ação que impulsiona a vida.
Na própria natureza, vemos o aproximar-se da noiva como a Mãe Terra, colocando as primeiras flores da primavera. Vemos o Deus no suave crescimento da luz solar.
Escrevi este poema de teor elisabetano para o último festival da Noiva. Dá alguma idéia dos temas neste ponto de mudança:

Ressurgimento

A primavera renasce,
as flores crescem.
De amantes verdadeiros fluem doces poemas.
Como a luz que encanta dançará a semente.
Agora ressurgem vida e amor, a terra jovem de novo,
o jovem sol iluminado.
Olhe a folha em botão,
o pingo em neve!
Pássaros cantam de seus galhos nus e tristes. Os primeiros sinais daquilo que virá.
Acendem-se velas à Noiva.
Broto primaveril, semente desperta. Inspire, palavra e ação
Fogo primaveril,
primeiros tremores de luz.

A mais simples celebração de Imbolg pode ser tranqüila, meditativa. Como bruxas solitárias, vocês poderão colocar flores frescas em seus quartos, no dia 2 de fevereiro. À noite, vocês talvez acendam velas para venerar a Virgem e o Jovem Deus, e então agradeçam a
inspiração da luz primaveril. Depois, talvez sonhem e meditem profundamente sobre os antigos métodos e velhas idéias que agora, com o inverno, irão abandonar. Então tornem às idéias novas e aos planos que vocês esperam ver em suas vidas futuras. Imaginem, também, a erradicação da fome mundial ou da poluição industrial. Observem tudo isto ficando para trás, na fase invernal da vida do mundo. Então imaginem um mundo novo, com uma ecologia bem equilibrada. A sociedade humana em harmonia, um mundo de paz, felicidade e abastança.
Acendam velas para a realização de três sonhos ou desejos e coloquem-nas no quarto. Depois acendam mais duas, usando a vela principal, a primeira que acenderam. Este é o Festival dos Primeiros Movimentos da Luz, de acordo com a primavera. Vocês acabam de realizar um simples feitiço.
A tradição ensina que não se deve usar mais de três encantamentos a cada vez. A concentração mágica não pode ir além disso. É também tradicional que os encantamentos praticados para outros devem vir antes de qualquer magia para si próprio. Portanto, se acendessem três velas, a primeira seria para o mundo, a segunda para um amigo e a terceira para algum novo projeto de vocês. Estas regras são apenas guias, não de estrita obediência, porém devem ser levadas em conta.
Imagino que vocês estão pensando: Como pode a magia ser tão simples? Algo tão fácil como acender três velas pode mudar alguma coisa? A resposta? Não muda. O que faz a diferença é seu pensamento. A magia é o poder do pensamento. Acender uma vela é um dos artifícios para provocar a concentração. E também uma pequena oferenda aos poderes da Natureza, com a qual vocês se afinam, em pensamento. Se pelo poder do pensamento e imaginação (mais tarde tocarei no assunto) alteraram corretamente seus próprios estados de consciência, vocês se tornaram um com os seres, as energias ou as marés e correntes da vida, que invocaram no momento do feitiço. São estas que trazem fruição à magia, fazem com que se realize. Se, inadvertidamente, ou mesmo de propósito, praticarem a magia por um motivo manipulador, egoísta ou destrutivo, é improvável que venham a fluir as dádivas, se as divindades a quem estejam ligadas são contra esse comportamento; se são, de fato, a verdadeira Deusa do Círculo de Renascimento e o Deus Cornífero. Vocês estariam se alinhando com a criatividade, para praticar um encantamento destrutivo. Alguma coisa aconteceria. Então é da máxima importância, em nome de quem vocês usam a magia. E um
simples ato de acender três velas, usando uma quarta, pode estar carregado de eficácia, para o bem ou para o mal, ou fracassar completamente. São vocês, bruxas e bruxos, que vão qualificar a diferença.   No entanto, a maior parte desejará trabalhar com rituais mais complexos do que os descritos acima. Vocês irão querer o círculo mágico pleno, "espaço sagrado entre os mundos". Deixarei para a próxima carta a descrição de como isto é feito, ou como o círculo é lançado, mas o rito começa com a invocação à Deusa e ao Deus. Em suma, a deusa será saudada, primeiro, com poemas, canções ou discursos, nos quais são requisitadas a sua presença (não que ela esteja ausente) e sua bênção. O Deus é invocado da mesma forma. Assim, a consciência é enaltecida, e são feitas as conexões com o mundo interior.
A invocação pode ser simples ou elaborada. Uma versão simples seria assim:
Chamo a Deusa Tripla do Círculo do Renascimento, aquela que traz a vida. Aquela que brilha no céu da noite com beleza e enriquece toda a Terra com mistério. Aquela que é a sabedoria das estrelas, a pulsação do sangue e o lento crescer das árvores. Que sua presença me guie e suas bênçãos caiam sobre mim, pois sou a sua criação.
Para pedir a presença do Deus Cornífero, poderiam dizer:
Cornífero, todo Pai, pelo osso, pela galhada, pela garra, pela floresta negra, pela selvageria, pela alegria ardente, pela paixão, por tudo que não é domesticado, livre, esteja aqui, como o salto vital, incontestável, para que eu possa servir à vida, estando ligada e una
com ela.
A magia pode ser praticada somente em nome da Deusa, se for encantamento dedicado especialmente a ela. Também, o feitiço pode ser praticado, apesar de em doses menores, apenas em seu nome. Em geral, trabalha-se em nome dos dois, lembrando que a divindade é masculina e feminina, e que a interação entre as duas grandes forças criativas é o que constrói os mundos. Nesse aspecto, a feitiçaria se assemelha ao Taoísmo, reconhecendo que a vida é o resultado dessa reciprocidade entre as forças do macho e da fêmea.
Tradicionalmente, a Deusa é considerada "a primeira entre as iguais". Isto ocorre, em parte, porque a feitiçaria possui raízes nas mais antigas formas de paganismo, que era matriarcal. Também os cientistas descobriram, recentemente, que a mulher, em termos evolutivos, surgiu primeiro. O homem nasceu dela, aparentemente como um modo de fortalecer a espécie, por meio da diversidade de combinações cromossomáticas possíveis na reprodução sexual. O sexo que dá à luz veio antes, enquanto aquele que impregna apareceu depois. Esta pode ser a outra razão para a elevação supostamente paradoxal, e em igualdade com o Deus.
Continuando a celebração do Sabá, vocês podem ficar de pé, em frente ao altar, e ler ou dizer em voz alta:
Este é o Festival da Noiva. Acolho a Deusa Tripla, celebro e admito-a Virgem. Pois este é o começo do tremor da luz, a aurora da primavera. A Deusa novamente jovem. Ela expulsa tudo que é gasto. Ela varre e limpa a Terra. E com o jovem Deus da Luz Crescente, novo Rei do Dia, ela agora nos prepara ao êxtase, ao amor, à inspiração. Em seu nome abro caminho, limpo e varro e preparo um lugar.
A bruxa solitária então, ritualisticamente, varre o espaço dentro do círculo mágico com a tradicional vassoura da feitiçaria feita de bétula, afastando simbolicamente tudo o que estiver velho. (A limpeza de primavera numa casa, no período um pouco anterior ao Imbolg, também é um rito. Livros velhos e descartáveis, roupas ou ornamentos, podem ser jogados fora, junto com suas associações, ou vendidos ou doados. Isto abre espaço para o novo.)
O círculo deve ser varrido de maneira contrária aos ponteiros do relógio, pois esta é a direção para jogar fora. Pensem no que estão varrendo magicamente do mundo e, também, de suas próprias vidas. O que poderia ser banido para que novas possibilidades criativas possam ser realizadas? Desespero? Falta de introvisão? Medo? Limitações impostas pela hierarquia?
Recusa de mudar? Culpa? Alienação? Solidão? Privação? Escolham o problema que sentem com maior força e visualizem o ato de varrer. Atirem pedaços de palha ou de papel em frente à vassoura, para representar os vários aspectos indesejáveis, nomeando cada um deles enquanto varre. Quando os pedaços formarem um montículo, coloquem-nos numa caixa ou lata no ponto sul do círculo. Depois de acabar o ritual, queimem-nos.
Ponham a vassoura no chão e dancem no sentido dos ponteiros do relógio, do Sol, num renovado círculo do mundo, de suas vidas, para acolher a primavera — sua inspiração, seu ressurgimento.
Cantem Fogo da Primavera!, primeiro movimento da luz, como um cântico mágico, enquanto dançarem várias vezes ao redor do círculo. Imaginem o efeito sobre a Terra, sobre a natureza, sobre os dias que se estendem. Vejam os pingos da neve. Os primeiros brotos das árvores. Vejam o brilho da luz no ar, os relâmpagos, primeiros sinais da primavera. (Quando a neve está sobre a terra, isto é mais uma questão de fé! Há, porém, algo perceptível, pois este é o ponto da transformação. Permitam-se percebê-lo.)
Quando acabarem de dançar, coloquem as mãos ao redor da base de uma vela, sem acendê-la, como consagração. Esta pequena vela será agora sagrada à luz da inspiração. Acendam-na, dizendo: Queime brilhantemente, pois és do sol. Dedico a ti a inspiração pela Virgem Deusa e o novo Rei do Dia.
Agora, pequenas velas são acesas usando-se a grande vela principal, cada uma para nova semente de idéia ou sonho, uma invocação para fazê-la crescer à luz da primavera e então fazê-la fruir. Disponha as velas num círculo ao redor da vela principal. Nem todo mundo tem velas suficientes para fazer isso, mas velinhas de aniversário servem, num círculo de massa de modelar. Possivelmente chocariam os praticantes da Alta Magia, mas não há nada de cerimonial aqui! Sou da opinião de que a Deusa se inclina especialmente à magia simples, pois coisas como velinhas de bolo de aniversário e recipientes de cozinha são disponíveis para qualquer pessoa. São despretensiosas. O efeito visual é bom e mágico; posso comprovar que funcionam. Na verdade, acredito que esse tipo de coisa é a essência das bruxas solitárias, talvez de todas as bruxas. Vocês precisam fazer a "Coroa de Luzes" da Noiva, então procurem em casa e encontrem a massa de modelar de seus filhos e as velas que sobraram do último aniversário, mais alguns candeeiros sem uso. Isto é magia no centro da vida. Embora
fosse maravilhoso adquirir, se pudessem, velas novas de cera de abelha e três candeeiros cerâmicos, o efeito mágico certamente seria o mesmo.
Acendam cada vela com algumas palavras de invocação. Acendo esta vela para________ (aqui expressem o plano escolhido ou o desejo). Uma bruxa solitária terá no
máximo três pequenas velas ao redor da maior (para o máximo de concentração, apenas três exorcismos ou desejos). Cada par terá três velas.
Suas invocações devem ser para o bem daqueles que os cercam, e para a vida em geral, sejam elas para suas próprias necessidades ou para outras pessoas. Isto é, devem ser harmoniosas, favorecendo os melhores interesses. As bruxas têm uma só ordem, chamada Conselho das Bruxas, mas é inequívoca: "Não faça o mal a ninguém." Não acredito que qualquer um de vocês usaria algum feitiço para controlar ou manipular a vida de outra pessoa. No entanto, os erros acontecem, inadvertidamente, pois, nós, mortais, nem sempre sabemos a melhor solução para resolver todas as situações. E há outra crença: "O que você enviar retorna a você, triplicado, seja para o bem ou para o mal."
Invocações em prol da paz de espírito ou de paz na terra em favor de curas, ou para que um amor (não nomeado) venha a seu encontro, ou que você ou um terceiro se cure do vício do fumo (ou qualquer outro vício), obviamente nunca provocam qualquer mal. Mas nenhum feitiço deve ser praticado sem uma profunda consideração de todas as implicações sobre o sucesso dos resultados. Não é correto interferir na autonomia de outra pessoa, e alguns feiticeiros acham que mesmo um passe visando a cura não deve ser praticado sem a permissão do interessado. Não é má idéia ter cautela, pois a magia sempre causa um efeito e pode resultar num "tiro pela culatra".
Acima de tudo, lembrem-se da existência da Mãe Terra, pois vocês são sacerdotes ou sacerdotisas da magia natural. As necessidades humanas devem ser cumpridas, mas nunca às expensas do meio ambiente, nem ignorando as necessidades da Terra. Seria a traição de seus verdadeiros papéis. Após acenderem as velas, é bom trazerem uma oferenda e colocá-la no altar, dedicada à Noiva. Deverá ser algo que inspirou vocês anteriormente: um objeto de cerâmica, um bordado, uma canção ou um poema, um quadro, uma idéia sobre algo ligado aos seus trabalhos, um pedaço de metal trabalhado ou madeira esculpida, o que for possível. Coloquem no altar, agradecendo. Este gesto simboliza a dedicação de todo trabalho futuro à Deusa.
Concluam o ritual com uma comunhão, uma união entre a Deusa e o Deus, comendo pães ou bolos e bebendo vinho, que tenham coberto levemente com as mãos para pedir a bênção e torná-lo sagrado. (Se, por alguma razão, não quiserem beber vinho, ou não o tiverem em casa, pode ser usado um caldo de frutas. Até água serve, mas é melhor com algumas gotas de vinho ou essência de maçã, pois conduz a uma comunhão alegre, não a uma pequena ração de prisioneiro!)
Qualquer festa ritual de Lua Cheia deverá terminar com a comunhão. Não uma
paródia da comunhão cristã, já que é muito mais antiga. Trata-se de um reconhecimento do amor entre a Deusa e o Deus, que construíram o mundo, o pão e o vinho, e em cujos nomes trabalhamos. É um modo de nos ligarmos a eles, à vida.
Falei muito sobre a Deusa e o Deus em cujos nomes trabalhamos. Mas quem são eles? Este é assunto para a próxima carta, pois existe muito a ser dito, já deveria até ser mencionado antes. Mas tenho certeza de que vocês gostariam de saber o que fazem as bruxas, no Sabá atual. Procurei dar-lhes alguma idéia, em termos simples, de como trabalha a bruxa solitária.
Enquanto isso, pensem sobre a Deusa e o Deus como primeiros pais arquétipos de toda a vida: não construindo o mundo em um momento e depois ficando distantes da criação; mas continuamente envolvidos e envolvendo, ativos e também abordáveis por meio da poesia, do mito e da investigação interior.
Espero ter esclarecido algumas coisas.
Não pretendo que vocês desempenhem todo aquele ritual que expliquei. Isto ficará para o próximo Dia da Noiva. Como eu ainda não descrevi o lance do círculo, as instruções não estão completas. Entretanto, gostaria que praticassem uma versão simples, se quiserem. Acendam velas, meditem, pensem acerca dos sentimentos desta época do ano, e o que os inspiram a fazer.
Vou lhes contar logo como lançar um círculo, para que possam praticar o ritual inteiro, se assim o desejarem, antes da iniciação. Vocês talvez queiram saber por que precisam da iniciação, se podem trabalhar com magia, venerar, fazer tudo, enfim, sem ela. Bem, uma resposta é que esta já é uma iniciação. Vocês, de certo modo, se tornarão iniciados no momento em que primeiro celebrarem o movimento das marés e o fluir das estações. A auto- iniciação total, formal, no sentido que discuti, é o primeiro passo para o caminho da entrega. Antes, vocês ainda podem voltar atrás. Quando chegarem perto, saberão se querem ou não continuar.

Recebam minha bênção. Rae

A Bruxa Solitária - Rae BethOnde histórias criam vida. Descubra agora