New Green
Avonford16 de dezembro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Estamos quase na época do Natal, o solstício de inverno — reconstrução mágica,
tempo recriado, o nascimento da vida e da luz. Entre Samhain e o Natal, o Rei da Noite nos governou e nos guiou pelos reinos das sombras. E a Deusa, agora a Velha Sábia, nos ofereceu conhecimentos e sonhos. Nas paisagens nuas, etéreas, ela descortinou o encantamento da estação. O ano morreu em Samhain e o tempo se retraiu em sombras e neblina de inverno. Preparemo-nos e ao nosso lar para o Festival natalino, para o renascimento, um novo ciclo.
A metáfora é clara. Enquanto nos recolhemos, na morte ou na hibernação do inverno, reinos interiores se expandem. A riqueza da imaginação, mundos astrais e estados de sonho, onde as sementes da próxima fase serão encontradas, nos iluminam, trazendo luz e restauração. Tudo isto é simbolizado pelo glamour das tradições de Natal e suas decorações, que antecedem a Era Cristã e vêm sendo preservadas, hoje denotando hábitos mais recentes. As velas, os ramos de azevinho, a erva-de-passarinho, a lenha natalina e todas as festas se originam de uma tradição muito mais antiga do que a celebração do nascimento de Jesus, e mostram tanto a riqueza dos mundos interiores como a passagem de volta à vida; vida dinâmica, manifesta.
Este dia é o "aniversário" do Sol. A noite mais longa do ano passará e na aurora, quando o Sol novamente nascer, o ano terá voltado aos dias longos. É isto que celebramos, a passagem retornando à luz do ponto mais escuro, pois significa um novo ciclo, a continuidade da vida.
O Natal é ocasião de renascimento do Sol e de toda a natureza, daí o Ano-novo. Há muitas lendas da flora associadas a essa época. Os ramos de azevinho representam o Velho Rei do Ano Minguante, o Rei da Escuridão, que, no Natal, se transforma na Luz Infantil. A acha de lenha, sendo de carvalho, é sagrada ao nascido Rei do Ano Crescente, como é o pássaro papo-roxo. A erva-de-passarinho, sagrada ao Sol, é usada na decoração de Natal por
pagãos e cristãos, igualmente. Invoca a fertilidade e os poderes da luz solar.
Uma bruxa, portanto, decoraria o lar com azevinho, erva-de-passarinho e outras belezas vegetais, e teria uma "árvore de Natal", como qualquer pessoa, mas com uma compreensão diversa do seu significado. (A árvore de Natal, como a conhecemos, é uma
tradição relativamente moderna na Grã-Bretanha, datando do século XIX. Mas árvores sagradas, nas quais eram penduradas oferendas, são tão antigas como a mitologia.)
Depois há a tradição de oferecer dádivas. É representada pela história cristã dos três reis magos, os que trouxeram presentes aos Jesus-Menino. Na tradição dos povos do Norte há Papai Noel, São Nicolau (o Velho Nik?) com sua rena, tão sagrado como o Deus Cornífero. Todas as crianças começam a vida com uma certa herança, a sua série de presentes. Agora somos todos recém-nascidos, no início do novo ano. É esta a verdadeira razão pela qual todos nós damos e recebemos dádivas no Natal. Pela mesma razão, cobrimos a árvore com luzes e enfeites, colocando presentes ao redor dela, reconhecendo as dádivas que a Mãe e o Pai de Toda a Vida nos trarão. E honramos a Deusa colocando, no topo da árvore, a tradicional fada (que representa a própria Deusa) ou então uma estrela de cinco pontas simbolizando a natureza mágica.
Mas que dizer da celebração do nascimento de uma criança-menina? Por que a Deusa só dá à luz a criança-menino? Isto não é verdade, claro. Mas no renascimento de nosso trabalho, a compreensão do desenrolar do ano ainda está em desenvolvimento, ainda vem sendo descoberta. Uma coisa que ainda não foi reparada é a celebração anual do nascimento
da filha, a Deusa dando à luz a si mesma. Pois a cada início de ano, não só o Deus Sol, mas também a Natureza Mãe são renascidos. Ela vem mais tarde, em Candlemas, como uma jovem. Então representa não apenas as flores da primavera sobre a Terra, mas o aspecto
feminino do Sol e o aspecto da jovem como Tripla Deusa da Lua: a Deusa Noiva das primaveras solar e lunar. As meninas também possuem mães.
A celebração de seu nascimento acabou sendo varrida pelos longos anos patriarcais. Certamente existem tradições pagãs envolvendo o nascimento da filha, como é exemplo a história da feitiçaria italiana da concepção e nascimento de Aradia. Porém, há precedentes para a celebração do nascimento de uma criança-menina em Imbolg, a "Noiva-bebê". Para mim, isto confunde o tema de sua presença como jovem. No Natal, entretanto, seu nascimento é às vezes celebrado como gêmea de seu irmão solar. Já ouvi dizer que, segundo uma lenda cristã herege, a Noiva nasceu como irmã gêmea de Jesus, no solstício de inverno. A Noiva, é claro, é uma Deusa pagã bastante anterior a Jesus Cristo. No entanto, a lenda me atrai, pois soa como corda musical. Podemos agora celebrar o aniversário da filha no Natal, sem obscurecer a claridade do Rito do Retorno do Sol? Sim, penso que sim.
Após invocar a Deusa e o Deus, uma bruxa solitária iria, na direção dos ponteiros do relógio, ao "quarto" oeste, e então se untaria com água sobre a testa, onde se instala o "terceiro olho", onde está o centro místico de toda a percepção psíquica, o olhar interior. Depois se dirigiria ao caldeirão, ao centro, e sentaria. Ficando quieta por um tempo e sentindo a escuridão e o silêncio ao redor, com a noite gelada lá fora.
A bruxa diria:
Na noite mais longa, toda a natureza dorme. O frio e o silêncio como a morte agarram-se à Terra. Há o reinado da escuridão. Uma pausa, o flutuar entre a vida e a morte, a suspensão. Mas o mundo é sempre sonhado acordado, ano após ano. Visões prateadas sejam-me oferecidas, na escuridão. Partilho do trabalho da Mãe Deusa e sonho o futuro que hoje virá. (Glyn, você deve mudar a última linha desta invocação, dizendo:
Visões prateadas sejam-me ofertadas agora, nesta escuridão, para que, vendo os sonhos da Mãe Deusa dedicados à vida sobre a Terra, eu possa celebrar e dançá-los na existência.)
Feche os olhos e entre em transe, repita para si mesmo:Pois como o mundo é sonhado acordado
de ano a ano e de Era a Era,
e o Sol virá cedo,
que a visão prateada me seja oferecida,
nesta escuridão.Repita isto até as figuras começarem a se formar. Veja o mundo como um lugar de paz e harmonia restaurada em toda parte; como se a Deusa fosse honrada e o Deus Cornífero mais uma vez cantasse alto em alegria e liberdade, enquanto a vida inteira dançasse. Veja como o mundo poderia ser, enquanto o Sol se ergue, primeiro em um leve brilho. Depois imagine raios de sol sobre o campo, revelando a Terra uma beleza sem-par. Como é este mundo? Como vivem as pessoas? Quais as suas relações com outras formas de vida? O que é agora valorizado? Veja a arte e ouça os poemas e a música. Veja a expressão do amor. Depois veja se você tem algum papel a cumprir na criação do mundo. Sonhe-se representando ou invocando mudanças. Considere os resultados.
Agora eleve-se, de costas para o altar, dizendo:Eu danço pelo nascimento, pelo retorno do Sol e pela Terra na beleza da sua aurora.
Agora o útero da noite gera a vida e a luz,
e tudo será renovado. Começa aqui, agora.
O útero da noite traz vida nova e luz.Repita a última linha, enquanto você dança, orientada para a direita, construindo poder e energia. Dirija o poder ao caldeirão. Dentro dele deve haver uma vela apagada e uns pedaços de abeto. Os galhos de abeto são retirados e colocados ao redor do caldeirão num círculo. Diga estas palavras:
O círculo da vida está inquebrantável na Tripla Deusa. Nela, a vida se renova e a luz retornará. Pois a Grande Mãe dá à luz um Filho e uma Filha, agora, neste momento sem tempo. Criança do Sol e Filha da Terra são vistas, na recriação do mundo. Salve o Sabá de Natal!
Acenda a vela, dizendo: Que a manhã seja saudada com alegria. Pois o recém- nascido Sol se erguerá.
Pegue sua vara e passe-a pela vela acesa. Percorra o círculo no sentido dos ponteiros do relógio, agitando-a a cada "quarto", com a invocação: Paz sobre a Terra. Vida e Luz para todos.
Devolva a vara ao altar. Depois vá em direção a leste, com um sino. Diga: O choro da
Filha recém-nascida da Terra é ouvido em todos os mundos. Agora a celebração é renovada, traz uma nova ordem, em seu nome. Abençoada seja!
Toque o sino em cada "quarto". Escute-o nos planos interiores, assim como nas direções dos quatro "quartos", aos quatro ventos. Recoloque o sino sobre o altar.
Em seguida encha seu cálice de água com mel. Levante-o e diga:
Partilho da renovação vital
com todas as criaturas, sou amado
pela Mãe Deusa.
Que eu cresça em_____ [por exemplo, amor e saber].
Criança pagã do Sol e da Lua Renasço em liberdade nutrido em doçura.
Beba do cálice. Enquanto o fizer, medite sobre o tema do desenvolvimento, a nutrição das dádivas, as habilidades. Haverá uma dádiva de Natal da Deusa e do Deus para ajudá-lo no seu caminho. Feche os olhos, enquanto você fica silente ao lado do caldeirão. Veja a Mãe e o Pai de Toda a Vida. Imagine-os vindo a você, na noite escura, coberta de neve. Está na floresta, com as estrelas iluminando-o, entre os galhos nus das árvores. Você encontra o Deus e a Deusa numa pequena clareira. Em sua direção está a dádiva ou as dádivas. Você talvez veja algo claramente reconhecível e saiba logo o que é. Ou a dádiva pode ser uma representação simbólica. Talvez seja algo abstrato. Se não souber o significado, peça esclarecimentos. Receba o presente agradecendo. Ele lhe virá mais tarde durante o ano. Agora abra os olhos devagar. Encerre com uma comunhão.
Este foi o solstício de inverno. Fique alegre e sábio a fim de se renovar.
Tessa e Glyn, expliquei a vocês o significado dos oito Sabás e as celebrações lunares. Em nenhum caso há qualquer progressão linear, mas sempre um círculo. A nossa compreensão de uma ou outra seqüência pode mudar, coletiva ou individualmente. E o relacionamento entre os dois, entre o ciclo do Sol e o ciclo da Lua sobre a Terra, ainda é pouco compreensível e depende mais de sentimento e intuição.
Não há nada definitivo na versão que lhes mostrei em minhas cartas. É simplesmente o
que Cole e eu fizemos durante este ano. No ano que vem talvez possamos mudar, talvez celebremos de outras maneiras ou com outras ênfases. No reino da Mãe, as coisas mudam de formas.
Mais uma carta seguirá.Iluminadas bênçãos. Rae
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A Bruxa Solitária - Rae Beth
EspiritualIntrodução As cartas que se seguem não foram escritas para se tornar um livro. Foram escritas, sim, como lições a aprendizes de feiticeiros -Tessa e Glyn. Depois, me dei conta de que este poderia ser um trabalho de interesse para muitas pessoas...