Capítulo 22

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Ladywell

Hillsbury

27 de março de 1988

Querida Tessa,
Antecipo outra de suas perguntas: "O que faço se não conseguir visualizar?" Todo
mundo tem problemas com a visualização de vez em quando. Ou você não vê nada, ou aquilo que vê não permanece. Há duas possíveis razões para isso. Talvez esteja muito tensa ou muito cansada.
Se você estiver ansiosa, procure levar mais tempo no exercício de relaxamento. E depois, fique sentada, olhos cerrados e procure não entrar em transe. Enquanto ficar quieta, sonhando sonhos diurnos, verá imagens com os "olhos da mente". Deixe que ocorram. E deixe-as permanecer o tempo que julgar necessário. Quando sentir-se preparada, comece a visualizar sua esfera azul de luz.
Se estiver realmente cansada demais, não convém entrar em transe. Você pode cair no sono, e isto será bom. Mas também pode ficar acordada, sem saber como lidar adequadamente com qualquer interferência psíquica ou "falsos guias", incapaz de transcender sua própria confusão psíquica. Todos nós temos um nível de perplexidade mental. É inevitável numa cultura fragmentada que nos afeta com valores distorcidos e inconsistentes. Cair no sono espontaneamente, e assim evitar este problema, pode ser considerado uma dádiva curativa da Deusa e do Deus. Mas se você sabe que está tão cansada, então é mais sábio descansar mesmo.
Às vezes você entra em transe sentindo-se alegre, mas descobre que todas as imagens ficaram nubladas e que acabou exausta. Peça ajuda. Recentemente, tive esse problema durante um transe, então pedi à Deusa que me auxiliasse, e ela delicadamente removeu uma venda negra dos meus olhos. Eu não sabia que estava ali, mas depois que foi removida, de repente pude ver com clareza. Este transe era sobre a exploração da grande questão: "De onde vem o mal?" Pensei que tivesse medo da resposta e havia colocado a venda nos próprios olhos. É possível também que estivesse condicionada a perceber a pergunta de uma determinada
maneira. Tirar a venda talvez fosse a remoção daquele condicionamento. Não parei para perguntar. Outras coisas muito mais interessantes me eram mostradas.
Você talvez fique intrigada pelo fato de eu acreditar realmente que a Deusa aparece no transe, em pessoa. Bem, é verdade. Pois no mais profundo do meu ser, carrego uma centelha
dela, como todas nós. Se a imagem que vejo é apenas visualização própria, ou se vejo uma imagem padrão, como pensam muitos, não parece importante. Eu a alcanço e ela me alcança, de uma ou outra forma. Aquela imagem, mesmo se a criei, é a expressão de algo fora e dentro de mim. Ela transcende o meu ser, mesmo se é imanente em mim, em ambos os casos. Assim, a questão a respeito de vê-la subjetiva ou objetivamente não faz diferença. Se eu vivesse num planeta onde todos nós tivéssemos a pele verde, veria a Mãe de Toda a Vida com uma pele verde também. Estaria correta. Pois naquele planeta, ela seria assim. Sou a teia da vida. Estou dentro da Deusa, e encontro-a no meu interior.
O Deus Cornífero está dentro de mim menos obviamente do que se eu fosse um homem, pois jamais poderei corporificá-lo. Mas ainda possuo seus atributos, assim como tenho alguns traços do meu pai. E não estou contida dentro do Deus Cornífero como dentro da Deusa. Ele é quem viaja. Ele me motiva. Pois ele irrompe sobre a autonomia da Deusa, e os dois mudam. Assim, a vida prossegue. Ela cria a existência, então o Deus renasce de novo, constantemente (enquanto a autonomia dela está sempre sendo refeita).
Este processo é a alquimia de ambos os sexos, nos seus seres, e se aplica em qualquer uma de nossas preferências sexuais. Cada pessoa, homem ou mulher, tem polaridade interna. E o casamento interior traz integração, complementação como um ser totalizante. Isto não torna irrelevante, mas complementa a busca do amor verdadeiro, da união das almas essenciais.
No próximo transe, você vai encontrar a Deusa como a percebe. Visualize sua esfera azul e peça a proteção dos Espíritos Guardiães. Na sua clareira, chame o familiar. Peça-lhe que mostre o caminho, para que você possa encontrar a Deusa Tripla, nos seus três aspectos.
Você vai abandonar a clareira e seguir uma vereda em forma de caracol, descendo até chegar a uma caverna. A entrada não é maior do que uma pequena fenda, separando duas rochas. Mas você se insinua nela, e segue o seu guia familiar. Uma vela a espera, sobre uma pedra. Pegue a vela e olhe ao redor. A caverna está limpa. Talvez seja de cristal. O solo é arenoso. Atrás há outra abertura. Você atravessa e uma passagem serpenteia para baixo, profunda na terra.
Desça até o final. Você pode ver bem, por causa da vela acesa. No fim da passagem
vê-se a luz do dia. Deixe a vela na saliência da rocha e saia. Você encontrou um novo local, agora está profundamente inserida numa paisagem. É um lugar de grande paz e beleza. Olhe ao redor e verá o mar. Não muito longe dos campos. Agora peça ao seu guia que a leve à melhor parte da praia. Lá encontrará areias pálidas e um rochedo alto. Uma fonte de água
fresca borbulha pelas pedras e desce ao oceano. Este é um lugar sagrado. De novo olhe ao redor e então caminhe até a água. Você pode remar suavemente com as mãos, se quiser. Lá em cima aves marinhas chamam. Você pode sentir o cheiro do sal.
Agora peça à Deusa que apareça na praia na forma de uma jovem.
Você vai ver uma jovem correndo. Ela é graciosa e selvagem, podendo estar de branco ou prateado. Estas são as cores tradicionais para a Deusa Jovem. (Se ela não estiver vestida assim, há razões para o que usa. Pode perguntar a ela. Nada é fixo nem dogmático no reino da Deusa; mas nada é insignificante.)
Ela pára de correr e vem ao seu encontro. É a Deusa Selvagem. Sabe-se que é pura, e isto porque é auto-suficiente. Ela é a integridade. A mais perfeita liberdade. Sua condição de virgem se renova constantemente. Deusa da solidão selvagem e dos espaços abertos, possui afinidade com todos os animais e todos os jovens. Ela tem a poesia e o encantamento. Também conhece a sobrevivência em lugar ermo e todas as habilidades femininas para a caça, a construção de abrigos, montar a cavalo, encontrar água, buscar aventuras, libertar-se.
Ela não se importará se você apontar o athame e pedir para ver sua verdadeira forma, assim se certificando de que é mesmo a Deusa Jovem, e não uma imitação sentimental, um estereótipo de juventude feminina. (De fato, se não fizer isto, ela provavelmente vai pensar
  que você é uma tola!) Tendo se assegurado de que ela é quem aparenta ser, pode fazer-lhe perguntas sobre qualquer coisa. Indague, por exemplo, qual o melhor modo de proteger sua integridade. E pergunte o que ela gostaria de você, para que a pureza de intenção e a liberdade possam encontrar expressão em sua vida. Agradeça pelo tempo que passou com ela, e
pergunte se agora pode ver a Mãe. A Jovem vai conduzi-la adiante, na praia, onde a Mãe está sentada sobre uma rocha, olhando o mar. Verifique se ela é realmente a Deusa. Ela estará trajada simplesmente, e talvez use vermelho. (Ou não. Não há regras. Pode estar vestindo azul ou verde. Depende de como seu espírito está harmonizado. Que cor ela usa para você?)
A Mãe é o poder de amar e de criar a vida, e ela é sem limites. Profundamente sexual, é toda erotismo, e sua experiência de paixão sexual liga-se à satisfação física e espiritual em êxtase. A educação de seus filhos é um fluir sem sentimentalismo, de profundo carinho. Nada é artificial ou falso nela, e seu amor possui um aspecto impessoal e desprendido. Ao mesmo tempo, é totalmente pessoal. Assim, ela é epifania e pode fazer nascer os mundos. Ela a criou e ainda a sustém. Pergunte-lhe o que quiser. E indague, finalmente, o que deseja de você, já que seu poder para criar a vida inclui profunda satisfação e encontra expressão em você. Depois agradeça pelo tempo que passou com ela e indague se pode ver a Velha.
A Mãe vai orientá-la em direção aos morros. Lá, sobre a areia, a Velha acendeu o fogo com pedaços de madeira lançados à costa. Ela pode ser vista ao longe, na praia, em busca de combustível. Ela também junta conchas, algas e pedras, para a magia. A Velha talvez use o robe negro, talvez não. Quando ela a vir, cumprimente-a imediatamente. (Não esqueça de investigá-la como fez com a Jovem e a Mãe. Confira se é a verdadeira Velha, a Velha Sábia.) Talvez ela lhe mostre o que juntou. A Sábia conhece todos os métodos de cura. Mas quando a Mulher Sábia esclarece coisas é para abrir caminho aos novos crescimentos. Ela é excelente para acabar com as confusões e assim alargar espaços para a decisão correta, uma escolha limpa. Sabedoria é seu nome. É, portanto, uma grande mestra. Também é a tecelã dos feiticeiros.
Pergunte-lhe qualquer coisa que quiser saber. E depois, o que ela deseja de você; o conhecimento e a compreensão dela podem ser expressos em sua vida. Agradeça-lhe, peça a sua bênção. Então deixe a praia, junto com seu guia familiar. Volte à caverna onde ficou a vela. Pegue-a e retorne, morro acima, através da passagem tortuosa de rochas, até a caverna mais alta, onde você pode depositá-la sobre a pedra. Volte de lá, atravessando as florestas, para a clareira. Agradeça a seu guia e retorne à esfera azul. Agradeça a todos os Espíritos Guardiães e faça uma invocação pedindo proteção e rumo, enquanto você dá o passo para dentro do mundo cotidiano da consciência desperta. Desenhe a esfera azul debruada de ouro
ao seu redor.
É importante voltar tão vagarosamente do transe como ao ingressar nele. Se não seguir
este procedimento, os sentidos permanecerão abertos e você ficará como que dilacerada e desconfortável. (Se alguma vez for interrompida em seus transes, é importante sentar-se de
novo, logo que possível. Depois faça a purificação dos cinco elementos, para se equilibrar e ficar centrada.) Mais tarde continue de onde você se interrompeu, e saia devagar do transe. Sele sua aura, desenhando ao seu redor a luz azul debruada de ouro.
Agora você já viu os três aspectos da Deusa. Sendo mulher, vai se identificar com ela. Se fosse homem, poderia ainda fazer-lhe as mesmas perguntas, se quisesse, porque a reconheceria no seu lado feminino. Mas não seria possível corporificá-la. Então se aproximaria com a Alteridade, o outro lado da polaridade. (Como já falei, isto se aplica, sejam quais forem nossas inclinações sexuais.) Se fosse homem, suas experiências com ela seriam bem diferentes daquelas de uma mulher. Da mesma forma, e pela mesma razão, sua percepção do Deus Cornífero como Alteridade significa que suas experiências com ele seriam bem diferentes daquelas de um homem.
Na próxima carta descreverei um transe no qual você encontra o Deus Cornífero, quer como o Jovem Caçador, quer como o Velho Sábio tribal. Decerto a palavra "caçador" a põe em conexão com algo divino: o que é compreensivo, quando se pensa em termos da moderna caça à raposa e ao veado macho. Mas estas coisas não significam o que eram ancestralmente. Fogem da verdadeira expressão do Deus Cornífero. Ambos os aspectos do Deus são mais difíceis de compreender para a mulher do que os da Deusa. Ele pode, também, numa sociedade patriarcal, ser mais difícil para a maioria dos homens. Isto ocorre porque há demasiadas imagens de deuses e qualidades divinas que são distorções dele. Como as bruxas de hoje, penso que o nosso entendimento do Deus ainda fica atrás do entendimento da Deusa. Ela teve de vir primeiro, após milhares de anos de repressão. E assim, o próprio fato de que os deuses masculinos têm sido e ainda são venerados na maioria das sociedades, no mundo inteiro, torna a redescoberta e a recriação de nossa imagem do Deus Cornífero muito mais complicadas.
Cada vez que o encontra, durante um transe, você ajuda a trazer de volta o verdadeiro Pai de Toda a Vida. O mesmo com a Deusa. Cada vez que a encontra ou a invoca, em transe, você ajuda a reencontrar sua veneração, seu mundo pagão.

Receba minhas bênçãos. Rae

A Bruxa Solitária - Rae BethOnde histórias criam vida. Descubra agora