New Green
Avonford3 de março de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Vou abordar agora o lançamento do círculo mágico. Se vocês são bruxos, este é o seu
templo. É uma criação transitória, efêmera: nós não apreciamos construções de luxo nem artefatos caros. Damos preferência ao círculo, lançado sempre onde quer que estejamos. Num mundo ideal, vocês estariam junto à natureza com um toco de árvore feito altar, no meio da floresta. Ou no alto de um morro, diante de uma grande fogueira. Como a vida não é mais desse tipo para a maioria de nós, vocês provavelmente estarão em seus próprios lares. Dito isso, devo falar, também, que aquele que não procurou o Deus ou a Deusa nos bosques e campinas, ou numa árvore ou flor, ou no alto de um morro ventoso, não entendeu a maior parte daquilo que expliquei.
Antes de vocês lançarem o círculo para o Rito da Lua Cheia, saiam à rua e olhem a Lua Cheia no céu. É uma comunhão necessária. Vejam e sintam sua luz prateada, seu poder dentro do coração e da mente, dentro do corpo e do espírito.
De volta ao lar, talvez desejem preparar um banho de banheira ou de chuveiro. Esta se tornou uma "tradição" moderna. É um rito simples de purificação psíquica, bem como física. Ervas purificadoras ou um punhado de sal podem ser acrescentados à água do banho. O banho provê o espaço para a transição do dia-a-dia a uma consciência enaltecida e mágica. É uma boa idéia, vale a pena colocar em prática, mesmo que pareça óbvio que os nossos antepassados, não possuindo salas de banho, deviam ter se preparado para o rito de outro modo.
Após o banho, vocês devem usar roupas limpas. Nenhum desodorante, gel de cabelo ou qualquer perfume de produtos químicos. O cabelo precisa ser solto, e os relógios, travessas e jóias não-bentas ficam fora do círculo, senão as suas vibrações e associações podem atrapalhar o nosso rito. Preferencialmente, vocês devem se trajar com um robe de fibra natural, que usarão para a magia, e nada mais. Se o robe não lhes agradar, desenhem seus
"trajes de trabalho". 0 verde é uma cor adequada para a magia natural. Azul é a cor da Deusa. Marrom nos lembra o contato com a terra e a nossa dependência dela. (Muitos livros nos esclarecem sobre o simbolismo das cores e isto, junto com a magia das ervas e as propriedades dos objetos e fenômenos naturais, é o tipo de conhecimento que todo feiticeiro
precisa ter.)
Uma tradição — para a mulher — vale a pena seguir, e é importante: o uso de um
colar. Liga a mulher à Deusa, pois representa o ciclo do renascimento. Qualquer colar serve, desde que feito com matéria natural — cerâmica, vidro, pedras semipreciosas ou contas de madeira. O plástico e outras substâncias inorgânicas não, porque são objetos sem vida e maus condutores de energia etérica — portanto, impróprias ao trabalho de magia.
A mesma regra (somente materiais orgânicos) aplica-se a todas as ferramentas usadas na feitiçaria. A primeira ferramenta é uma faca mágica chamada athame. Não precisa ter o cabo negro e a lâmina estreita de oculta tradição, uma pequena faca com fecho também serve; ou a própria faca de cozinha é igualmente boa. Escolham uma que pareça combinar com a magia. Deve ter, talvez, uma forma primitiva e um cabo de madeira. Facas de bainha são outra possibilidade. Procurem aquela que lhes acenda a imaginação. (Dizem que nunca se deve regatear o preço de uma faca mágica.) Facas usadas, cuja história se conhece, podem servir ao propósito, desde que nunca tenham sido empregadas em qualquer ato violento. Como todo equipamento mágico, lavem-na e deixem-na em água salgada por uma hora ou mais. Isto as descartará de suas associações anteriores e também as limpará magicamente.
Tendo primeiro clareado e marcado o círculo (2,70m de diâmetro, se o espaço de seu aposento permitir), coloquem o altar dentro. O altar pode ser uma pequena mesa ou armário, ou algo construído especialmente. Ponham-no na ponta norte, pois um altar de feiticeira deve apontar para esta direção, porque o poder, ou seja, a corrente energética da Terra, vem do norte. Também mostra uma reverência pelo corpo da vida, a Deusa manifesta, pois, segundo a crença mágica, o norte é a direção correspondente à existência terrena.
No seu altar, podem colocar o athame, algum incenso (ou pasta de madeira chinesa odorífica), duas velas, uma pequena bacia d'água e uma pedra. Vão precisar também de pão e vinho, com um cálice para a comunhão. No centro do círculo deve haver uma panela (ou caldeirão) de ferro, esmalte ou cerâmica, contendo água, ervas, uma vela, flores ou o que combinar com os seus ritos particulares.
Os itens usados, para trabalhos mágicos, são simbólicos e possuem verdadeira vitalidade etérica. Seus significados remontam a tempos antigos. Há quatro elementos em cuja expressão, entrelaçamento e existência de toda a vida encontram forma. Quando a Deusa
constrói a vida, estas são suas matérias-primas, seus elementos. E cada qual é presidido pelos espíritos elementares, os guardiães. Representam diferentes níveis ou áreas da vida. Ar para o corpo, Fogo para a energia vital (eletricidade), Água para a alma ou emoções, Terra para o corpo físico. O caldeirão representa o quinto elemento, Éter ou o reino do espírito. É o
receptáculo da Grande Mãe, no qual toda a transformação acontece. Pensem no Tudo e no Nada. Aí, qualquer coisa pode ocorrer. É pura transcendência o ponto onde o entendimento consciente acaba. Representado por um caldeirão, que cozinha o alimento, um processo de mudança de alquimia básica. O caldeirão é o mistério de toda a criação. Todos os outros alimentos nascem daí, sustentados e erguidos pelo quinto, o Éter.
Tenho falado a respeito dos símbolos que constituem a sabedoria desde tempos remotos. Percebemos isto na mitologia, onde os quatro "tesouros" que representam os elementos são em geral uma espada, uma vara mágica ou lança, um cálice e uma pedra. Igualmente, um jogo de cartas tarô é baseado no reconhecimento dos elementos, com espadas, varas, cálices e pentagramas mostrando o Ar, o Fogo, a Água e a Terra (enquanto o quinto, Éter, aparece nas cartas como o Arcano maior). A astrologia também reconhece os quatro elementos e abrange a essência de qualquer mapa astral, a Gestalt inteira, como o quinto, o espírito. Cada uma dessas tradições partilha com as feiticeiras modernas as origens da sabedoria oculta pagã.
Acendam as velas e o incenso. Caminhem para a direita, o sentido da construção e da criação, ao redor do círculo. Imaginem que uma luz azul esteja jorrando da ponta de sua faca. O que acontece, mesmo que vocês não percebam, pois o que imaginamos tem verdadeira realidade astral, aparece naquele reino mágico dos paranormais e clarividentes. Visualizem a luz azul preenchendo todo o espaço ao redor do círculo, criando o efeito de uma casca de laranja, apenas mais espessa; vocês ainda se encontram no seu interior, mesmo quando estiverem à beira do círculo. Vocês se acham enclausurados numa esfera azul. Caminhem três vezes em volta, dizendo que desenharam o círculo em nome da Deusa Tripla do Ciclo do Renascimento e em nome do Deus Cornífero, ambos como representantes de poderes sagrados, e como proteção. Recoloquem a faca no altar.
Em seguida, elevem alto o incenso, no ponto mais a leste do círculo (antes precisarão de uma bússola para verificar estas direções). Enquanto trabalham, chamem os Espíritos Guardiães do Leste, Abençoados Espíritos do Ar, a fim de testemunharem seus ritos e protegerem o círculo. Continuem ao redor do círculo, no sentido dos ponteiros do relógio, e coloquem o incenso no chão, no ponto leste.
Peguem uma das velas (a outra é para o altar). Ofereçam-na ao ponto sul e digam:
Chamo os Guardiães do Espírito do Sul, Abençoados Espíritos do Fogo, para testemunharem estes ritos e protegerem este círculo. Carreguem a vela ao redor do círculo e voltem ao sul. Coloquem-na no chão. Repitam o mesmo procedimento com a água, oferecendo-a ao oeste, aos Espíritos
Guardiães do Oeste, Abençoados Espíritos da Água. A seguir peguem a pedra e caminhem para a direita, elevando-a bem acima do altar, aos Espíritos Guardiães do Norte.
Recoloquem a faca no altar, dizendo: O círculo está lançado. Agora vocês se encontram num círculo mágico total e podem venerar e trabalhar a magia, livres de interrupções psíquicas. Se, por alguma razão, vocês tiverem de abandonar o círculo durante o rito, entalhem uma porta imaginária na esfera azul com seu athame e passem pela porta, lembrando de fechá-la ao saírem. Abram e fechem a porta de novo ao entrarem, usando o athame para os gestos ritualísticos, simbólicos. Visualizem a porta claramente. No mundo da magia, o que imaginam possui uma realidade vivida, psíquica.
Grande parte das tradições de bruxaria inclui o lançamento de um círculo mágico, desta ou de alguma outra forma. Pode ser feito de modo menos formal, simplesmente demarcando o círculo com pedras, conchas ou um longo cordão branco. Invocações aos quatro "quartos" (estações) podem ser feitas usando um poema improvisado, recitado aos poderes do Ar, do Fogo, da Água e da Terra, em cada ponto correspondente. (Não há necessidade de levar incenso ou qualquer coisa ao redor do círculo, embora vocês continuem a andar na direção dos ponteiros do relógio.) Os quatro "quartos" poderiam ser marcados com uma pena, vara, tigela de água ou concha, ou uma pedra e um prato de sal.
A magia tornou-se elaborada, relacionando-se a pergaminhos da Virgem, sinais específicos, siglas, invocações cultas. Mas se vocês forem bruxas solitárias, pode ser direta, espontânea. Haverá uma ligação entre a bruxa/o bruxo, seus guias e o ambiente. Sejam quais forem os métodos ou os símbolos, o principal é que criamos espaço "entre os mundos", o lugar sagrado.
A visualização, o que vocês vêem como o "olho da mente", está no coração de toda magia. Sem esta, não há vida, o feitiço não vinga, pois o que não foi criado em níveis internos não se manifesta nunca. Sem a visualização, nenhum ato mágico pode efetuar-se, por mais perfeito e técnico que seja o trabalho. Para lançar o círculo, vocês imaginem cada elemento e visualizem a energia, as formas vivas.
A leste, visualizar ventos fortes, a aurora, os céus claros e luminosos da manhã primaveril. Sintam a essência de todo o ar, o respirar da vida, a inspiração.
Ao sul, vejam chamas douradas, cor de laranja, vermelhas, o sol do meio-dia de verão.
Sintam o calor, a sensualidade dos climas do Sul (na Europa), a dança vital do fogo, de toda a energia, do fluxo criativo da vida, da paixão.
A oeste, visualizem ondas, água, a beira prateada do mar na penumbra. Sintam a poesia, o poder do encantamento, a imaginação.
Ao norte, observem a terra escura, os segredos de raízes e sementes no inverno. A natureza íntima que contém toda a vida terrena. Vejam a meia-noite sob a Estrela do Norte. Vejam montanhas, minerais, a remota idade, a manifestação terrestre da vida, tanto o mistério como a grande abundância.
O Éter pode ser visualizado como um sonho, ou o céu noturno ou um cadinho. Ou como a escuridão trazendo um ponto infinitesimal de luz. As imagens podem sugerir-se a vocês. Em algumas tradições, o Éter é simbolizado por um cordão, porque o cordão ata, tece. Quando estiverem visualizando o Éter, talvez possam imaginar a teia da vida, mulheres tecendo ou um único fio. O Éter não possui um tempo ou uma estação especial, porque existe em toda parte e em lugar nenhum. Sintam a essência do destino, no padrão complexo da vida, suas conexões profundas.
As ferramentas que usarem devem ser abençoadas e, também, as jóias ou roupas. Como isto é feito na hora da auto-iniciação, descreverei em outra carta.
Após o final do rito, peguem o incenso no leste e ofereçam-no de novo, agradecendo aos Espíritos do Leste por sua proteção e bênçãos, dizendo, então, Salve e adeus. O incenso é levado, ainda na direção dos ponteiros do relógio, e devolvido ao altar. As velas, a água e a pedra são também levados ao redor do círculo, agradecendo-se aos Espíritos do Fogo, da Água e da Terra pela proteção e pelas bênçãos, concluindo com as palavras Salve e adeus. Não omitam isto. Os Espíritos Guardiães continuarão a protegê-los apenas se os tratarem cortesmente, o que inclui agradecer por suas bênçãos e dizer que agora encerram o rito. (A esfera azul, diferente dos Espíritos Guardiães, é sua própria criação. Naturalmente se desvanecerão tão logo vocês cessarem de imaginar que estão ali.)
Finalmente, as velas do altar são extinguidas. A tradição ensina que devem ser apagadas com os dedos ou com uma espevitadeira, nunca com sopros. E o incenso deve queimar até o final, pois, segundo diz a lenda, apagar o incenso é símbolo de apagar o sopro vital.
Mais uma palavra sobre os elementos. O quinto, que é o Éter, faz nascer os outros quatro e os sustenta. O seu lugar no círculo é o ponto absolutamente central, e ele constitui a circunferência. Assim, diz-se que está "em toda parte e em lugar nenhum, dentro e fora, distante e cerca". É tanto imanência como transcendência. O Ar é a província da sabedoria, o
Fogo, da vontade. Água é das emoções, da capacidade de sentir. A Terra é o corpo da vida, ser repleto, encarnado e sensato.
Estes quatro "quartos", cada qual ligado ao quinto, tecem um padrão de uma cruz de braços iguais dentro do círculo, a mandala pagã anterior ao cristianismo.
Os cinco elementos também podem ser representados na estrela de cinco pontas, que é o emblema da bruxaria. 0 quinto ponto, o mais elevado, é o Éter, o Espírito, enquanto os outros quatro são o Ar, o Fogo, a Terra e a Água. Este símbolo, o pentáculo, representa a nossa religião, assim como a cruz representa a cristandade. O pentáculo, incluso dentro do círculo, é muitas vezes usado pelas bruxas como um pingente e é em geral disposto sobre o altar, de algum modo ou formato.
Chega por agora. Bênçãos iluminadas aos futuros ritos e ao aprendizado de ambos vocês.Mais bênçãos. Rae
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A Bruxa Solitária - Rae Beth
SpiritualIntrodução As cartas que se seguem não foram escritas para se tornar um livro. Foram escritas, sim, como lições a aprendizes de feiticeiros -Tessa e Glyn. Depois, me dei conta de que este poderia ser um trabalho de interesse para muitas pessoas...