Capítulo 26

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Ladywell

Hillsbury

7 de maio de 1988

Querida Tessa,
Antes de iniciarmos o assunto sobre a criação de rituais, há um último transe que
desejo descrever a você. É sobre a descoberta da sua verdadeira personalidade, a resposta à questão: "Quem sou eu?"
É claro que a personalidade, o nosso self, tem muitos aspectos: o self-sombra, o self- superior, a criança interna, o ego consciente, o superego e assim por diante. Estes são classificáveis de acordo com muitos sistemas diferentes, tanto da psicoterapia como das lendas populares ocultas. Cada sistema de classificação possui validade, mas não é sábio usar qualquer um deles para se definir analiticamente, até você descobrir a que ser total estas partes pertencem. O resultado seria confuso.
Vamos imaginar que você é uma planta. Na sua busca de autoconhecimento e de auto- integração, você facilmente poderá verificar que tem sépalas, cálice, pétalas, raízes, seiva, folhas, caule etc. Mas até que você descubra que é, digamos, um arbusto de alfazema, ou um pé de junco, tais detalhes são de uso limitado. Da mesma forma, você pode aprender que tem um id, ego e superego, ou ego de sombra, personalidade e self superior. Você vai saber que é humana, assim como a planta sabe da sua condição vegetal. Mas você se conhece, conhece o self, que ser humano é, que gênero de planta? Somente quando responder a esta pergunta é que as outras peças do autoconhecimento se encaixarão.
Aos pagãos do mundo antigo, as palavras "Conhece-te a ti mesmo" diziam tudo. O self é infinito porque participa da vida e é, portanto, parte da infinitude da criação da Deusa (da qual não significa separadamente mais que uma gota de água do mar possa significar fora do oceano).
E mesmo assim, paradoxalmente, a individualidade do self é essencial às dessemelhanças da criação, para manifestar a vida. A individualidade existe, e nós a experimentamos. Se não entendermos a nossa, estamos em desvantagem, num mundo onde os
arbustos do azevinho e da avelã são separados, distintos um do outro, como deve ser.
O transe que agora vou descrever poderia ser denominado "Identificação do Self. Por que precisamos disto? Pois já não sabemos quem somos? A resposta é provavelmente que, como crianças muito pequenas sabíamos, mas faltavam conceitos e linguagem para descrever
ou traduzir a informação transracional. Quando afinal, como adultos, desenvolvemos estas capacidades, há muito deixamos de crer em nossas intuições, porque nos roubaram as percepções verdadeiras, com o simples propósito de encaixar-nos mais facilmente no padrão que nossos pais, professores e outras autoridades acreditam ser o melhor para nós. Em outras palavras, quando chegamos à chamada idade da razão, na qual se espera que façamos escolhas para nossas vidas, a maioria de nós não tem a mínima idéia de quem é. Talvez sonhássemos quando criancinhas e, certamente, antes de nascer. Mas, chegando ao ponto onde deveríamos ter autoconhecimento, não temos. E sem este, o "destino" pode parecer um oponente incompreensível.
Os velhos pagãos adotavam amplamente o ditado "Conhece-te a ti mesmo": não apenas o self criativo, mas também sua sombra, os fragmentos sombrios e destrutivos do ego. Estes devem ser contatados e admitidos — por exemplo, o potencial da violência é encoberto demais, ou tendemos a chamar de "diplomacia" algo que é uma mentira total. Com orientação, você descobrirá sua própria sombra, seja ela o que for, com suas características. É um aspecto essencial do autoconhecimento e da auto-integração, a descoberta de possuir uma sombra. A rosa, por exemplo, tem espinhos, e algumas plantas são venenosas. A negação desses fatos não ajuda qualquer rosa (ou dedaleira) a ter uma vida bela ou útil.
Mas primeiro descubra a natureza verdadeira da planta como um todo.
Quero que inicie como sempre, invocando a proteção e encontrando a clareira, depois chamando seu guia familiar. Explique que deseja conhecer seu self real, para saber quem você é. Peça para ser levada ao lugar onde seu tipo de pessoa se acha mais adaptada. Você está pedindo para olhar o equivalente psíquico do habitat natural da planta. Há certos locais que considera estranhos, assim como não esperaria encontrar flores de estufa num matagal. Mas há um tipo de lugar em que você está especialmente em casa.
Seu guia a levará para dentro da caverna, descendo a passagem de sempre e num local de paz e beleza. Depois você poderá ir aonde quiser. Uma porta talvez se abra no lado da montanha. Lá, você pode achar um país inteiro, um reino de elfos. Ou um cavalo alado vai levá-la a outro país, passando por muitos mares e cordilheiras. Talvez você viaje ao passado ou ao futuro, ou ainda visite um planeta remoto. Como nos sonhos, qualquer coisa pode
acontecer. E quem vai dizer onde é realmente seu lar espiritual? Talvez no próprio degrau de sua porta, ou em algum santuário ou lugar de peregrinação. Talvez não. Seu familiar vai guiá- la. Quando chegar ao local, deve consultar o guia de novo, perguntando: "Este é meu lar
verdadeiro?" Isto precisa ser feito para que não haja confusão; se houver, então deve continuar buscando, até ter certeza de que alcançou o ponto certo.
Depois olhe ao redor de si, onde quer que esteja. O que este lugar lhe sugere?
Quando estiver pronta, diga a seu guia que você quer ter um encontro com o Espírito do Lugar. E um ente às vezes chamado genius loci, que é a essência do lugar. Será uma forma de pensamento, um espírito astral, talvez criado por você, talvez percebido como um modo de pensamento já existente, criado por outros. A alma do lugar será gravada na atmosfera, não criada por você, mas existente por si mesma. Pode ser um espírito macho ou fêmea, ou talvez seja andrógino. Seu guia lhe dirá onde se encontra e como pode invocá-lo. Mais provavelmente, precisará pedir em voz alta para que o Espírito do Lugar apareça, diante de você. Não esqueça de checar se o ente é genuíno.
Cumprimente o Espírito do Lugar e explique-lhe por que foi chamado. Diga que você percebe que este é o seu verdadeiro lar, o lugar que eleva o seu tipo de ser, e que deseja saber qual é o seu papel dentro dele, como você se encaixa. Você quer uma resposta à pergunta: "Quem sou eu?" Agora, talvez você já esteja começando a ter alguma idéia, e assim vai escutar uma resposta bem objetiva. Ou lhe será mostrado algum tipo de roupa, ou objeto com clara associação. Por exemplo, se sua verdadeira natureza é a de uma sacerdotisa, então talvez lhe mostrem um robe que seria associado àquele papel. Ou se o seu "eu" verdadeiro é o de um viajante, uma espécie de explorador da mente e do corpo, então poderia avistar alguma caravana ou embarcação. Supondo que você fosse realmente uma vidente, talvez visse um cristal. Uma pacifista? Talvez visse pombos. Uma estudiosa? Talvez lhe estendessem livros. Há possibilidades infinitas. E o Espírito do Lugar lhe explicará a ligação entre você e o local.
Você pode estar se indagando por que precisa saber quem é. Seguramente, em seu self essencial, sabe que é uma bruxa? Talvez. Mas é igualmente possível que você seja uma curadora, guardiã da Mãe Terra, mas chamada a desempenhar o papel de bruxa nesta vida. O self é construído de muitas camadas ou facetas. Por exemplo, uma sacerdotisa pode ser destinada a bruxa nesta encarnação. Talvez seja agora o que a Deusa quer dela. Mas numa vida anterior, poderia ter sido uma Alta Sacerdotisa do templo de Ísis. Talvez fosse uma Sibila de Oráculo Délfico ou até uma varredora do chão de um templo egípcio. Mas qualquer que seja o papel, o fio comum que corre pelas suas vidas é a verdadeira natureza de uma
sacerdotisa. Claro, usei exemplos clássicos, banais, mas o princípio é sempre o mesmo, para sacerdotisa, estudiosa, curadora ou mestra. O que quer que você seja, o papel representado muda, de uma vida para outra. Quase posso escutá-la perguntando: "E se eu for alguém comum? Nada superior ou elevado?" Minha resposta é que ninguém é comum. Todas nós
temos de fazer coisas comuns, como trabalhos domésticos, ou ser irmã, estudante, empregada, paciente de hospital ou simples cidadã. Mas ninguém, numa sociedade não-hierárquica, orientada pela Deusa, seria considerada comum. "Ninguém." Somos, todos nós, heróis ou heroínas numa espécie de busca. E temos uma certa habilidade, seja para curar, ensinar, praticar magia, enfermagem, jardinagem, representar no palco como palhaço ou cantando. Ou outra coisa qualquer.
Não são nossas tarefas mundanas, mas a qualidade que trazemos a elas, que mostram a natureza do verdadeiro self. E mesmo que vivêssemos num sistema opressivo em alguma encarnação, aquele "eu" é constante e potencialmente criativo, quem quer que sejamos.
Depois de você perguntar tudo o que desejava saber, para se compreender inteiramente, peça ao Espírito do Lugar que lhe aponte a planta que é seu emblema especial. E, para sempre, você lembrará seu self real e seu lar verdadeiro, visualizando esta planta.
O autoconhecimento terá muitas implicações. Talvez lhe explique por que está descontente na sua vida atual. Ou talvez explique, ao contrário, que, apesar de pensar que estava no caminho errado, você está no certo. O autoconhecimento lhe trará a auto-afirmação e um senso de autovalorização. Você então ficará mais forte ao perseguir suas metas, livre de dúvidas (ou tão livre quanto alguém, que se abre à mudança e à descoberta, pode estar).
Peça ao Espírito do Lugar que responda a mais coisas que creia não entender. Depois agradeça-lhe. Refaça o seu caminho pela caverna, em busca do transporte que a levou, por exemplo, o cavalo alado. Atravesse a passagem, até a caverna superior de sempre, e volte à clareira. Expresse gratidão ao seu guia familiar, retorne à esfera azul, agradeça aos Espíritos Guardiães e sele sua aura.
Lembre-se que o lugar recém-visitado é seu lar, seu verdadeiro lar espiritual. Onde quer que esteja, no mundo, você pode voltar lá. E levará sempre algo daquela atmosfera e significado, como emissária. Se tiver necessidade de se recarregar ou se reafirmar, você sempre pode voltar.
Claro, poderia argumentar-se que a ênfase em "um lar verdadeiro" não é a melhor maneira de atingir a consciência de "um-só-mundo" (ou "um-só-universo"). Não concordo
com esta visão. Pois não é negando as nossas raízes espirituais que nos sentimos parte do todo. O único caminho está na aceitação das diferenças e na sua celebração, pois a diversidade significa vida. (A monocultura não é recomendada para as almas, assim como não o é para as plantas.)
No anonimato da sociedade moderna, uma real consciência do nosso self essencial não tem preço. E este self pode brilhar mesmo por meio de tarefas mundanas e papéis cotidianos, centrando-se e colorindo sua presença em todas as situações. Esta é a força interior que uma bruxa necessita, se vai aconselhar ou curar outras pessoas, e trabalhar em todas as espécies de magia, sem sentir-se fragmentada e desequilibrada.

Abençoada seja você. Rae

A Bruxa Solitária - Rae BethOnde histórias criam vida. Descubra agora