Capítulo 8

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New Green

Avonford

24 de abril de 1987

Queridos Tessa e Glyn,
Estamos nos aproximando do Festival de Beltane. O tempo excelente nesta primavera
torna Beltane a época da união e do prazer, parecendo bem mais apropriado que os ventos frios do dia 30 de abril e de todo o mês de maio. Agora há calor, o Sol brilha, também há flores em todas as árvores. E perfeito. Mesmo que chova na véspera de maio, já temos a promessa do verão.
Para os nossos ancestrais pagãos, 1.° de maio era o primeiro dia de verão. Celebravam a véspera com danças, festins, e, em alguns casos, com uma grande invocação à fertilidade. Este é um "casamento verde", e entendido como a união entre o Deus Cornífero, por meio do homem, impregnando a Deusa, por meio da mulher. A união era a celebração da vida e do amor, servindo para assegurar a fertilidade dos campos, entre os animais e nas tribos humanas. Muitos jovens iam às florestas juntos, onde, além de fazerem amor, era costumeiro ficarem acordados a noite inteira para aguardar o sol nascente, que aparecia na aurora do verão. Tudo isto era censurado pela Igreja, quando o cristianismo se tornou a religião oficial na Grã-Bretanha. Mas os ritos de Beltane continuaram sendo praticados pelo povo. Eram prazerosos e julgados de vital importância para o bem-estar da Terra. Com o rolar dos tempos, entretanto, o ato sexual da união entre o Sol e a Mãe Terra se tornou simbólico, mais do que literal. Porém, os mastros enfeitados, os cavalinhos de pau, as guirlandas, as danças, todos os cerimoniais alegóricos de maio continuavam, ao passo que os "casamentos verdes", não (pelo menos oficialmente). Depois, o crescimento do puritanismo desencorajou mesmo estas formas mais respeitáveis de celebração (exceto em lugares remotos). Os mastros enfeitados logo foram permitidos nas praças das aldeias e hoje fazem parte das modernas feiras de maio, embora poucos compreendam o que significam em termos sexuais. Assim, no passado, o Deus (que deve ser entendido como o Pai da Vida, seja como o Rei do Sol, seja como o Deus Cornífero) era simbolicamente unido à Deusa. Os dançarinos ligavam-se aos seus vilarejos
envoltos na teia da energia mágica que criavam.
Ninguém atualmente poderia invocá-los para um aumento na população de sua cidade
ou sua vila, mas, vista como metáfora, a união sexual harmoniosa e plena entre o Rei e a Rainha é a mais clara afirmação do que a feitiçaria faz sobre o caminho da felicidade.
Representa a reconciliação de todos os opostos no amor, e o frutificar que nasce daí. A fertilidade também pode ser vista como metáfora de um sem-número de coisas. Não necessariamente referindo-se a plantações ou bebês. Mas não devemos esquecer a fome, em nosso mundo moderno, e as muitas espécies em perigo.
Espero que tudo isso não lhes cause confusão. A espiritualidade do prazer, um conceito estranho em nossa cultura atual, é o tema do Rito de Beltane: o prazer inocente da sensualidade e a criatividade que resulta da união dos opostos.
Então, o que fazer? Instalar um mastro enfeitado de fitas coloridas nas suas salas de estar? Se vocês fossem parte de uma sociedade mágica, a resposta agora seria óbvia. E às vezes poderia ser bem simples. Mas os ritos de Beltane, que culminam em completa união sexual, são em geral mais felizes se informais, isto é, se acontecem fora do círculo. Afinal, não havia nada formal no "casamento verde".
A bruxa solitária, após lançar o círculo e invocar a presença da Deusa e do Deus, poderia primeiro dançar e cantar, para elevar o poder das atividades mágicas, e depois enterrar o poder numa vela apagada que estaria no caldeirão, no centro do círculo. A cantiga seria esta, que escrevi há um ou dois anos atrás, ou algo criado por vocês:
Beltane

Danço o deleite
na noite de Beltane. Liberando todos os sentidos, danço para ser.
A flor e a chama
do rito amoroso
florescerão. O Sol
abraça a terra, brilhando.

Acendam a vela para o Sol. Este é o seu fogo de Beltane, o substituto para a grande fogueira que vocês teriam queimado, em algum topo do morro, se vivêssemos em tempos mais abertos e acessíveis. Atiçar o fogo de Bel é uma invocação ao Deus Sol a fim de trazer bênçãos e proteção, para o ano vindouro. Este fogo, tradicionalmente, tem muitas propriedades curativas e purificadoras. No passado, o gado era levado ao rescaldo para abolir as doenças. Mulheres prenhes saltavam sobre a fogueira, se não estivessem em gravidez adiantada, a fim de assegurarem um bom parto. Os viajantes pulavam o fogo, para garantir boa jornada. Pessoas enfermas deixavam seus males nas chamas. Outras, simplesmente, faziam um pedido ao saltarem. Casais poderiam pular o fogo juntos, para proteger a união e obter sorte no casamento.
Ao acenderem a vela, tenham consciência do seu poder e significado. Pronunciem:
Acendemos esta vela ao Sol.
Depois, peguem uma travessa com terra. Abençoem-na em nome da Deusa. Coloquem as mãos sobre ela e digam: Abençoamos, consagramos e separamos esta terra, em nome da Deusa Tríplice. Que seja sagrada esta terra, dedicada à mapa. Pois a terra é da Deusa, sendo seu corpo sagrado. (Não esqueçam que a Deusa não é somente da Lua, mas da Terra e da mais longínqua estrela. Ela é a Deusa Tríplice do Círculo do Renascimento, a Mãe de Toda a Vida.) Decorem a terra com flores.
Agora, tomem uma vara de madeira (que não seja cortada de árvore viva, pois nenhum mal deve ser causado às florestas pelos bruxos). Na verdade, vocês deveriam tê-la entalhado anteriormente, na forma bruta de um falo, mas uma vara simples, descascada, também é
válida. O falo de madeira deveria ser, é claro, de um tamanho e formato apropriados. A vara, por outro lado, pode ser qualquer uma de comprimento tradicional (das pontas dos dedos ao cotovelo) e mais ou menos meia polegada de diâmetro. Vocês devem tirar-lhe a casca, e umedecê-la com óleo vegetal. Embora não seja diretamente fálica, depois ela retém todo o
simbolismo da paixão e as qualidades do Sol. O carvalho é a melhor madeira, mas a aveleira também serve. Abençoem-na em nome do Rei do Dia, o jovem ardente, o Rei da Vida, o Rei da Floresta. Passem a vara rapidamente pela chama da vela, o fogo Bel, para que absorva a magia, carregada de poder. Coloquem a vara sobre a terra e fiquem segurando-a:

Como a vara é para a terra
assim o macho é para a fêmea
e o Sol ao nosso mundo em flor. Juntos, trazem a felicidade
Que o Deus da Vida propicie_____
[Nomeie algo desejado, por exemplo: paz na Terra.]
Que a Deusa cumpra seus desejos.

Sentem-se em silêncio, imaginando o florescer daquilo que desejam. Vocês não poderão, claro, trazer sozinhos a paz à Terra. Mas nenhum dos dois pedidos ficará sem efeito. Os feitiços e invocações de muitas bruxas, todas trabalhando em temas como este, eventualmente frutificam, porque a vida representa paz. Deixem a terra e a vara sobre o altar ou em frente a ele. Caminhem no sentido dos ponteiros do relógio, três vezes ao redor do círculo, depois em espiral, até o centro. Andem compassadamente, com graça, meditando. Sentem-se ao lado da vela acesa, permitindo-se usufruir a paz. Olhem a chama com profundidade.
A próxima etapa é diferente, dependendo se se refere a um homem ou uma mulher. Tessa, imagine (visualize) um botão de rosa vermelho em seu ventre. O ventre é sempre a fonte de seu poder criador, esteja grávida de filho, de uma idéia, de uma obra de arte ou de uma intenção. Feche os olhos. Imagine a luz da vela penetrando no seu ventre, para que o botão da rosa abra e floresça. Segure essa imagem viva por um tempo, sentindo o aroma, as pétalas sedosas, o florescer e o colorido desta rosa inteiramente aberta dentro de você. Sinta a força, o poder e suas totais capacidades de florescimento. Diga:

Sou mulher,
forte para conceber e criar,
para dar à luz e cuidar.
Como sou filha da Deusa
e abençoada por Deus, posso_____ [Aqui nomeie o que deseja trazer à vida, usando sua criatividade. Por exemplo, trazer curas aos outros ou escrever um livro, ou realizar qualquer outra coisa boa que lhe ocorra.]

Sinta a força e o vigor criativo em seu útero, o centro do ser feminino. Veja o poder canalizado, como foi descrito. Abra os olhos, a rosa está sempre dentro de você.
Glyn, você deve imaginar uma chama luminosa. Esta queima no seu centro sexual, um ponto à base do estômago, pouco acima da linha do pêlo pubiano. É sua força masculina, sua energia que pode se elevar através do corpo, para ser liberada como a doação, o poder fertilizante, em qualquer forma, ou talvez a potência que impregna, gerando um filho ou filha. É a força que abençoa e concede, energia curativa e criadora como o brilho solar. Visualize o jardim onde está sentado em frente a uma roseira, as rosas em botão. (Se preferir, pode ser madressilva, ou roseira silvestre, na floresta). Diga:

Sou homem,
e na minha paixão está a beleza, no meu calor, a vida.
Sou o filho da Deusa, abençoado pelo Deus,
E assim ofereço minha força
e vitalidade para_____
[Aqui nomeie a área da vida, o lugar, a criatividade ou compromisso que escolheu.]

Visualize a luz fluindo torrencialmente de você para a rosa em botão que, sobre o pé, vai abrindo. Sua chama declina, pelo esforço. Perde-se muita energia, a chama baixa ainda mais. Espere e contemple, até que uma luz rosada flua da flor ao corpo. Ao seu toque, um pouco acima da linha do pêlo púbico, a chama ressurge. Ela queima mais alto e com mais força que anteriormente. Abra os olhos. A chama está sempre dentro de você, doando-se às formas que escolher e a seguir rebrilhando.
Depois disso, vocês deveriam ficar sentados por uns minutos. Seria um erro erguer-se
abruptamente. Quando estiverem prontos, podem levantar-se, pular sobre a chama da vela, fazendo um pedido.
Este é o Rito Beltane para a bruxa solitária; ou um modo de praticá-lo. É um tempo de prazer e também de mistério. Um pilriteiro; a caça do veado branco; a caça do amor; o
florescer das flores e a floresta—tudo isto faz parte do rito. Sejam felizes em seu florescer, e que o verão lhes traga alegria.

Abençoados sejam vocês. Rae

A Bruxa Solitária - Rae BethOnde histórias criam vida. Descubra agora