Capítulo 27

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Ladywell

Hillsbury

2 de junho de 1988

Querida Tessa,
Você deve ter descoberto que o transe leva direta ou indiretamente ao ritual, ou à
atividade ritualizada. Às vezes, um rito formal completo é inspirado pela orientação recebida; outras vezes, um rito informal, como uma peregrinação, ou o uso de certos trajes, por motivos simbólicos. E isto, por sua vez, leva a transformações mais profundas, à mudança de vida. O transe e o ritual são os dois lados da magia, ou, digamos, duas marés; elas fluem para trás e para a frente, se encontrando.
Você pergunta por que precisamos de rituais, quando tanta coisa pode ser conseguida por meio do transe. Só posso responder que muito se consegue nos sonhos, mas devemos acordar, temos de sair do sonho astral e agir. Dormir e acordar, os dois lados da vida. Suponho que o transe é onde a bruxa se refresca e restaura, mergulhando interiormente nas fontes, na Deusa e no Deus, aquele reino onde o espírito dela ou dele encontra o espírito em todas as coisas, em todos os interiores, em todas as fontes. Nos rituais, a bruxa ou o bruxo manifesta essa experiência, vive-a até o final.
O transe é a dádiva da Deusa, como todas as perícias psíquicas e intuitivas correntemente negadas ou quase temidas, e ditas "intuição feminina". É tarefa das bruxas e de todos os adoradores da Deusa reconquistar e reexplicar essas experiências perdidas, pois são a metade de nossa compreensão. São a dádiva da Lua. As perícias solares, processos de pensamento racional, o presente do Deus, são essenciais da mesma forma, se não quisermos que a superstição prevaleça. Contudo, a lógica pode se tornar fria e maquiavélica. (Dê uma olhada em nosso mundo lógico e concreto, e veja que a definição acima não é forte demais.) A lógica isolada se inverte, torna-se absurda, mas o casamento da intuição com a lógica, fiel aos princípios e alvos da bruxaria, é uma reconciliação dos opostos, conduzindo à vida.
Não estou tentando equacionar o ritual à lógica, pois tanto o transe como o ritual são obviamente atividades transracionais. Mas sugiro que há magia passiva (o transe) e ativa (o
ritual) — a Deusa e o Deus — cujos reinos são de vida interior e exterior. Se acreditarmos que toda a magia realmente pertence ao Reino Interior, então o transe é o interior, e o ritual é o aspecto exterior da magia. Prometi uma carta sobre como projetar os próprios ritos para propósitos específicos. Este é um processo simples desde que se entenda que todos os ritos têm as mesmas partes componentes e que caem numa mesma (ou similar) ordem. O rito deve ser planejado e a seguir escrito no seu Livro de Sombras. Este é o primeiro passo. Nossos ancestrais não fariam isso. Suas mentes eram menos confusas que as nossas, então o rito planejado podia ser retido na memória.
Primeiro, decida pela escolha da fase da Lua, ou festival, de acordo com seu propósito. Qual o tempo mais correto para o rito planejado? Se estiver invocando um novo amor, por exemplo, os dias da Lua Crescente ou Cheia são a preferência certa.
Marque a data na qual você planeja trabalhar este rito, e depois o nomeie; por exemplo: "Ritual para a Invocação do Amor e da Felicidade."
Em seguida, faça uma lista de passos com os quais deve iniciar todas as vezes. Assim: lance um círculo; purifique (para um transe curto a fim de limpeza e equilíbrio psíquico); invoque a Deusa e o Deus. Cada rito que você trabalhar começa assim.
O quarto passo é a declaração de suas intenções, em voz alta. Isto é importante, pois afina seu "eu" profundo para o trabalho a ser realizado, e assim você entrará em foco magicamente. Também, comunique a todos os Espíritos Guardiães e a seu guia o que pretende atingir. Poderia dizer, por exemplo:

Agora a Lua cresce quase até seu esplendor. O tempo da satisfação amorosa está chegando. Eu, bruxa sacerdotisa e filha da Deusa, trabalho a magia do amor. Invoco o amor e a felicidade na mente, no espírito, na alma e no corpo. Portanto, chamo o companheiro escolhido e peço que a Deusa e o Deus abençoem este rito de amor e felicidade.

Agora você está pronta para o quinto passo, que é cognominado "a elevação da energia mágica". Você provavelmente fará isto dançando em direção à direita (um rito amoroso) e cantando. A nota no Livro de Sombras (seguida de seu manifesto de intenção) deve ser algo assim: Dance à direita e cante____ (aqui você escreve o canto programado).
O sexto passo é chamado "a direção do poder". Significa que agora você dirige
psiquicamente o poder que conquistou, para dentro do foco principal do feitiço planejado. Usa-se para isso, por exemplo, uma pequena tigela de óleo de rosas ou de roseiras, colocada no centro de seu círculo, dentro do caldeirão. O óleo de rosas é sagrado no amor. (E também muito caro! Nove gotas diluídas em óleo vegetal puro são suficientes.) Dirija o poder
para dentro do óleo com sua vara, ou simplesmente colocando as mãos em concha sobre ele. Visualize o óleo "carregado" ou imbuído com o poder que você gerou, como uma luz brilhante, dourada.
O sétimo passo é chamado "o trabalho". Seja celebratório ou para lançamento de feitiço, este é o ápice do rito. Agora você vai praticar a magia. No caso de um rito de amor, você pode untar todo o seu corpo com o óleo de rosas. E então fará a invocação. Por exemplo:

Como ele é sábio, generoso e belo,
permita que ele me ouça.
Como ele é gentil e certo de seus
propósitos, de sua própria direção,
como ele é meu companheiro real, forte para satisfazer
e ser satisfeito por mim,
deixe agora que ouça e venha.
Deixe que ouça e responda, sabendo quem chamou.
E como sua presença significa felicidade, e como eu para ele
sou cálice e vinho, terra e árvore florescente, geradora de frutos,
então deixe que ouça e venha.

Toque o sino. Ouça a reverberação nos reinos astrais. Aquele que reconhece sua descrição vai ouvi-la, pois você enviou seu chamado psíquico. É importante que as condições sejam explícitas, como no feitiço acima: Como ele é sábio, generoso e belo etc., que venha. Isto assegura que o encantamento não vingue a não ser que o futuro companheiro tenha estas qualidades, e seja, portanto, a pessoa certa. Mas as palavras deverão ser suas, simples ou elaboradas, como quiser. Você pode passar algum tempo em transe, antes e depois de tocar o sino.
Em seguida poderá passar o óleo de rosas numa corda branca e vermelha, dizendo:
 
Enquanto ata-se o nó, o elo deve ser realizado
e que o elo seja amor.

(Claro que pode usar suas próprias palavras. As minhas são apenas um exemplo.) Em seguida ate as duas pontas da corda, formando um círculo.
O oitavo passo é chamado "libertação". Sente-se calmamente num transe de luz, visualizando os efeitos do badalar do sino e do nó. Você talvez veja o som do sino como partículas de pó dançando e viajando, e a corda como o círculo completo, trazendo à sua vida seu verdadeiro par, completando o elo. Veja cada encantamento deixando-a e saindo para o mundo a fim de se realizar. Solte-os agora. Entregue o resultado nas mãos da Deusa e do Deus. Assim seja.
O nono passo reafirma você como filha da Deusa e do Deus neste mundo, como uma de todas as criaturas de quem é irmã, conectadas e satisfeitas pela natureza. Isto se chama "comunhão". Também deve ser escrito no seu Livro de Sombras. Refere-se à consagração do vinho e do pão, e o beber e comer deles.
O décimo passo compreende os agradecimentos à Deusa e ao Deus.
O décimo primeiro é o cumprimento com Salve e adeus, agradecendo aos Espíritos Guardiães. O círculo agora está aberto. Você pode sair. O trabalho está feito.

Para recapitular, estes são os estágios de qualquer rito.
  1. Lançar o círculo/definir o lugar sagrado 2. Purificar e centrar
3. Invocar a Deusa e o Deus 4. Declarar a intenção
5. Gerar energia
6. Dirigir a energia
7. O trabalho, a magia, o feitiço
8. Liberar o feitiço
9. Comunhão
10. Agradecer à Deusa e ao Deus
11. Abrir o círculo e sair

Vamos supor que você foi guiada no transe relacionado a feitiços e deve lançar e praticar os ritos. Vamos dizer que então escreveu seu rito planificado, todos os onze passos. Em seguida vai adquirir ou colher ervas, óleos, cordas, pedras, velas, o que precisar. Também poderá selecionar, colher ou comprar flores ou o que necessitar para o seu quarto ou para o altar. Isto feito, você está pronta. Quando chegar a noite escolhida, deve reunir as ferramentas mágicas, banhar-se e vestir o robe. Tenha certeza que nada vai interromper o seu trabalho, e então inicie.
Depois você deve anotar as experiências deste ou daquele rito. Como se sentiu? Houve uma clara direção quanto ao resultado? Houve surpresas? Algum outro material foi sugerido para transes futuros? Ou está tudo feito? Se você se sentir em paz, completamente em paz, é que tudo está feito.
Espero que estas notas lhe sejam de ajuda.
Um último conselho: nunca trabalhe em feitiços que não combinem entre si. Por exemplo, o feitiço da purificação para o ambiente local, a cura da doença de alguém e a erradicação da má sorte para você podem ser praticados no mesmo rito (Lua Minguante). Mas não misture a purificação do ambiente, um feitiço amoroso que alguém lhe pediu e uma auto- afirmação como bruxa ou sacerdotisa. Estes feitiços requerem diferentes fases da Lua, não possuem temas comuns. São os temas comuns que você deve buscar quando escolher incenso, flores para o altar e a época ideal. A mesma coisa se aplica quando está planejando uma cantiga para criar poder em mais de um feitiço. Se são todos pertinentes à purificação, de uma forma ou de outra, cante sobre isto. Mas se não há um tema comum, sempre separe. Pratique mais do que um rito. De qualquer forma, será mais fácil concentrar-se em um único feitiço ou uma intenção mágica, como no rito do amor. A experiência é o melhor guia sobre misturas e combinações. E há somente um modo de conseguir sucesso...

Abençoada seja você. Rae

A Bruxa Solitária - Rae BethOnde histórias criam vida. Descubra agora