Capítulo 20

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Ladywell

Hillsbury

19 de março de 1988

Querida Tessa,
Feliz Eostar! Seria maravilhoso ver você num fim de semana. Venha no verão, quando
o tempo estiver menos frio e nós estivermos bem instalados. Acredito que você vai gostar da casa. E a cidade é muito diferente de Avonford: mais quieta, e o campo parece entrar em nossa porta.
Não penso que eu possa dar-lhe novas lições sobre os assuntos ventilados em tão pouco tempo, como um fim de semana. Quanto ao seu aprendizado futuro, acho que devemos recomeçar o velho método das cartas. Me auxilia a ter um controle (faço cópias), como já expliquei anteriormente. E você terá tempo para estudar.
Você pergunta sobre o trabalho interior de uma bruxa. Aquela palavra misteriosa "transe", que eu uso às vezes, o que significa na verdade? Possui ligação direta com o poder de lançar feitiços. E também quer dizer um estado no qual o futuro pode ser vaticinado, e poder-se comungar com os espíritos da natureza. Por meio do transe ou estado mediúnico, as mudanças acontecem. Mas é empregado fora do círculo, de maneiras que eu ainda não lhe contei? É, sim. O transe é a magia interna, a comunhão sentida com as fontes de nossas vidas. É também um meio de transformação. Porque as mudanças durante o transe, imaginado ou "visto" diferentemente, são sempre seguidas de modificações exteriores, se a imagem é acompanhada por suficiente "carga" emocional. Não esqueça isso, pois em transe você pode mexer com seu estado de humor para o bem ou para o mal, e mesmo com sua saúde, como tem sido averiguado no mundo todo por terapeutas e psicoterapeutas.
Para uma bruxa, o transe é a verdadeira essência e alma de toda a magia. E acontece muitas vezes onde o ritual ainda não é apropriado — quando a bruxa está despreparada para o ritual, precisando meditar ou buscar mais direcionamento ou tornar-se mais firme em seus objetivos. E se a realização dos ritos é o trabalho externo, o transe, por sua vez, é o trabalho interno que toda bruxa deve realizar. Em transe, ele ou ela sempre deve encontrar a Deusa ou
Deus e o Caminho, onde quer que seja, e não apenas em horas predeterminadas e dentro do círculo mágico. O transe é a verdadeira fonte de habilidade da bruxa.
Antes de você ter vivenciado festivais de passagem de ano e celebrado fases da Lua, não terá placas sinalizadoras indicando Domínios Interiores nem mapas já existentes para
traçar os próprios mapas e caminhos. E até que você perceba a Deusa como criadora e mantenedora de toda a vida, com o Deus, seu consorte, ambos co-criadores e guias, não terá pontos de referência espirituais. Isso não significa que aquelas que não são bruxas não tenham tal referência. Existem outros caminhos. Há outros modos. Mas aventurar-se nas veredas interiores sem nenhuma estrutura referencial, sem qualquer conhecimento verdadeiro, é um risco que causa instabilidade emocional e psíquica.
Você talvez se assuste quando exagero os perigos. Eu não, pois vejo como a juventude abre centros psíquicos, usando drogas em circunstâncias errôneas, sem orientação ou conhecimento interior algum. Personalidades fragmentadas e vidas destruídas têm sido o resultado, pois a desintegração astral, uma destruição psíquica se manifesta, é vivida no mundo "real", com grande dor e confusão. Uma bruxa (ou bruxo) não precisa correr esse risco, pois ela encontra seres astrais e eventos com sabedoria, respeito e perícia psíquica. O senso do sagrado, a primeira condição de respeito, é inatamente sua. Ninguém pode ser bruxa verdadeira sem esse senso. Mas a sabedoria, que você corretamente menciona, é algo a conquistar. Bem como as perícias psíquicas. Posso ensiná-las a você, e logo você estará segura.
Quando for experiente, sem dúvida você se arriscará astralmente, de acordo com as suas escolhas. Os riscos serão medidos por um julgamento sadio. Entrementes, posso ensinar- lhe técnicas básicas (ser uma instrutora de viagens interiores?).
O primeiro exercício pode parecer pouco interessante, depois dos meus conselhos, mas vale a pena trabalhá-lo. Quero que trace veredas e crie um lugar seguro para ir ou vir, um claro sentido de orientação.
Você já praticou alguns transes nas Luas Cheias e Festivais, e o que vou lhe explicar, no início, é na verdade pouco diferente, apesar de mais complexo. O alvo é ultrapassar as rotas pré-planejadas, onde tudo se decide antes que você entre em transe. Com o tempo, você poderá viajar e explorar, simultaneamente, para resolver seus próprios conflitos, receber orientação, instrução metafísica ou de cura, ou ainda elaborar magia de um gênero mais sutil, o "sonho encantado" típico da magia.
Todas as religiões do mundo usam as técnicas de transe e meditação de alguma forma. O que acalma a mente lógica, tranqüilizando-a, em repouso, para que o transracional possa
aparecer e se reintegrar. Mantras, mandalas, orações repetitivas e o rosário, batidas de tambores, drogas e posições especiais da ioga são algumas das muitas técnicas usadas para alcançar estados alterados de consciência. Como bruxas solitárias, praticamos os rituais criando um espaço sagrado e dançando e cantando dentro dele. Mas também podemos entrar
no mesmo estado de "lucidez sonhadora" por meio da visualização, uma rotina mental que nos leva para o nosso interior e aprofunda a consciência, trabalhando como simples autoprogramação. Em outras palavras, a visualização inicial instrui a mente para voltar-se ao seu interior. É o que fazemos. A melhor maneira de compreender isso é praticando.
Como em qualquer outra atividade mágica, você deve estar livre de interrupções. Tire o fone do gancho e coloque um anúncio na porta, se necessário, pedindo aos visitantes que retornem no dia seguinte. Agasalhe-se, pois a temperatura de seu corpo cairá quando estiver em transe. O coração e a respiração tornam-se mais lentos, como no sono. Sente-se confortavelmente, numa posição relaxada. Uma poltrona com o encosto quase reto é ideal para começar. Não cruze braços e pernas. E agora relaxe.
Talvez seja necessário praticar um simples exercício relaxante, como encolher e soltar os músculos. Inicie com os pés, apertando todos os músculos até os tornozelos. Segure firme e depois solte. Suba até os joelhos e a coxas. Retese cada um por sua vez e a seguir relaxe. Depois os músculos do estômago, cadeiras, peito e ombros. Retese e solte, devagar. Depois braços e mãos. Então o pescoço e a mandíbula. Finalmente retese todos os músculos da face. Solte tudo e relaxe, de cima a baixo.
Este é um exercício de relaxamento comum. Se você tiver outra técnica predileta, por favor, utilize-a. Com o tempo, não precisará de nada, vai entrar em transe à vontade.
Mentalmente lance uma esfera de luz azul ao seu redor, a mesma que você lançou ao redor do círculo mágico. Visualize-a. Depois diga:

A Bruxa Solitária - Rae BethOnde histórias criam vida. Descubra agora