Capítulo 16

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New Green

Avonford

21 de outubro de 1987

Queridos Tessa e Glyn,
Escrevi um lembrete para mim mesma sobre esta carta. É assim: "Não esquecer de
mencionar travessuras ou obséquios." Então direi o que é preciso, agora. "Travessuras ou obséquios", tenho certeza que vocês já sabem, é um hábito novo que veio da América. Refere- se às crianças que vão de porta em porta demandando obséquios; do contrário, pregam peças nos ocupantes das casas. Quanto a esse costume, está bem fiel ao Samhain, ou Hallowe'en, a noite em que isso acontece. Samhain é a "noite das travessuras", na qual se espera que os duendes preguem peças nos seres humanos, a serviço do Rei do Desgoverno, aquele aspecto do Cornífero que não permite nos levarmos a sério demais. O Rei do Desgoverno também atenua as coisas com surpresas, anedotas e acontecimentos bizarros, porque as fronteiras se desmancham em Samhain, e os mundos se fundem. As "travessuras ou obséquios" talvez sejam praticados por crianças emissárias do Rei do Desgoverno.
Então o que se deve fazer, se não quiserem ser interrompidos na sua veneração e no lançamento de feitiços? Ou comecem um pouco mais tarde, ou transfiram a celebração para a noite seguinte. Pessoalmente, não me agrada perder a atmosfera especial de 31 de outubro, então me arrisco às travessuras dos duendes de porta em porta e, tenho sorte, nunca me incomodaram.
Este festival refere-se à morte do ano e, portanto, é Ano-novo, pois a morte implica em renascimento. Mas durante essa época, a morte parece mais óbvia que o intangível renascimento. Campos ficam em pousio, a seiva penetra nas raízes, e toda a natureza descansa. Há uma atmosfera estranha nas névoas outonais e nas cores enfumaçadas do entardecer. Este é, de fato, o Festival do Retorno dos Mortos, como também o reconhecimento do fim de um ciclo solar. Por isso tem a reputação de acontecimentos fantasmagóricos com suas associações de asas-de-morcego e capas-negras.
Janet e Stewart Farrar, em Eight Sabbats for Witches, comentam o seguinte: "Samhain
é o tempo da estranheza psíquica, pois na mudança do ano — o antigo morrendo, o novo por nascer — o Véu [é] muito frágil."
O ano velho se dissolve, se fragmenta, no Samhain, e o resultado é o colapso de todas as fronteiras, incluindo aquelas entre a vida e a morte. É portanto mais fácil do que
usualmente perceber a presença psíquica dos que já morreram, mas ainda estão conectados conosco, ainda cuidam de nós. Esta é uma das razões para os eventos fantasmagóricos em Hallowe'en. Os vivos, os mortos e os ainda por nascer podem encontrar-se em espírito nesta noite, comunicando-se e trocando informações. Também os espíritos naturais caminham entre nós, tanto os bondosos quanto os travessos.
Por isso, Samhain é a melhor noite do ano para atos clarividentes e vaticínios. Dizem que algumas das visões e mensagens psíquicas são enviadas pelos Amados Mortos, isto é, por amigos queridos ou membros da família com os quais possuímos elos de afeto. Outras (visões e mensagens) talvez sejam um presente direto da Deusa. Tudo o que surge deve ser levado a sério. A experiência tem demonstrado a Cole e a mim que muitas vezes eles fornecem a chave ao tema principal do ano seguinte, de forma simbólica.
Sobre o retorno dos Amados Mortos, não há nenhuma tradição na bruxaria que de algum modo justifique a tentativa de "chamar os mortos de volta". As bruxas acreditam que os mortos se unem livremente a nós nesta noite, se forem capazes ou se quiserem. Chamá-los de volta pode interferir nos estágios de purificação, descanso e preparação de uma nova vida, que todos passamos entre as encarnações. Qualquer tentativa forçada provavelmente falhará, se for praticada inoportunamente. Mas se acaso realizar-se, pode romper um processo natural e prejudicar o espírito que retorna. Então, em Sambam, as bruxas ritualizam a acolhida aos Amados Mortos e simplesmente esperam. Se algum espírito querido desejar a volta, será reconhecido. Se não, devemos lembrá-lo com amor e aceitar sua ausência.
Por falar nisso, e caso queiram saber, nunca ouvi falar de uma bruxa que fosse perturbada pelo retorno de maus espíritos em Samhain. Penso que a atmosfera psíquica de um círculo mágico bem construído os espantaria. Se maliciosos, não gostariam da comunhão, da harmonia e do respeito pela vida, e, em qualquer caso, não atravessariam os Guardiães dos Espíritos. Não haveria nenhuma possibilidade séria de demonstração negativa, enquanto eles e também a Deusa e o Deus cuidarem de vocês.
Nossos ancestrais talvez fossem supersticiosos sobre essas coisas. Porém, tinham outras razões para sentirem-se tensos em Samhain. Se a colheita era escassa, a mudança do ano indicava um longo período de penúria. O alimento faltaria até o próximo verão. Mesmo quando a colheita era boa, as decisões ainda precisavam ser tomadas a respeito da
distribuição, do armazenamento, e também do equilíbrio no consumo de certos alimentos. Questões de barganhas também seriam consideradas. Que alimentos poderiam, seguramente, ser trocados por outras coisas? O que guardariam? Na época de Samhain, o portal para o inverno, tudo isso tinha de ser decidido. As decisões certas haviam sido feitas? Estava tudo
em ordem? Nossos ancestrais procurariam as respostas e a confiança por meio dos vaticínios. Nós ainda buscamos mensagens em Samhain com a mesma urgência pessoal, apesar de nem sempre com os mesmos imperativos econômicos ou físicos. Hoje, como no passado, a Deusa ou Velha Sábia e o Deus ou Rei das Sombras são os guias através do reino da morte e da incerteza da mais misteriosa estação. O Deus é o Rei da Noite, a Velha Sábia traz à Samhain a dádiva da Sapiência, que pode ser doce ou amarga, de acordo com nossas circunstâncias e desejos. Por isso precisamos considerar a morte como um aspecto de nossas
vidas. Talvez algum antigo plano ou aspiração deva morrer agora.

A Bruxa Solitária - Rae BethOnde histórias criam vida. Descubra agora