Alex Cutler passava a maioria dos seus dias curvado sobre seu mais novo monitor, cabelos escuros chocando-se contra seu suave rosto enquanto balançava sincronizado aos toques rítmicos em seu teclado.
Sean, seu colega de trabalho, bate na porta entreaberta. Com longos cabelos já escassos e uma barriga inflada, ele lembrava a Alex de um skatista bêbado dos anos 2000 o qual conta diferentes histórias sobre o acidente que terminara com sua carreira. Mesmo assim, ele ainda está a somente uma decisão do estrelato. Como aquela história de começar guardando um centavo e dobrar a quantia todos os dias do mês, as postagens diárias de suas ecléticas camisetas acumulariam milhões de seguidores num piscar de olhos. A de hoje, preta com dominantes letras brancas, lia: 99,9% CHIMPANZÉ.
Se Alex recebesse a quantia que seu novo empregador prometera, ele consideraria contratar Sean como seu consultor de vestimenta ou, pelo menos, pagaria para descobrir seus métodos de obtenção destas roupas. Até lá, ele se vestiria como hoje: calça jeans slim, e não skinny, uma camiseta gola-V justa sob uma camisa de flanela confortável e sapatos com cadarços grossos.
"Hoje é o grande dia?"
O sorriso de Sean relaxou Alex. "Acho que veremos. Pode entrar." Nos últimos dias, ele se preocupou de que sua decisão de sair da Vision Tech teria chateado seu colega. Apesar de nunca terem se encontrado fora do trabalho, Alex considerava Sean seu único amigo.
"Pare com isso." Sean disse. "Você não trabalha mais aqui."
"Um... segundo..." A extrema rapidez com que Alex digitava aumentou ainda mais assim que ele se aproximou do esperado ponto final. Sean soltou-se na cadeira em frente a ele, deixou algumas páginas grampeadas na mesa e pegou o solitário enfeite - dois bonecos metálicos em uma gangorra - antes de relaxar.
"...Eeee pronto." Alex disse. Alguns cliques seguidos de uma série de notas musicais e ele desligou seu computador pela última vez como empregado da Vision Tech. Lembrando que abandonar seu colega de trabalho estava no itinerário do dia, seus olhos fugiram dos de Sean enquanto juntava os pendrives deixados em sua mesa e colocava-os numa caixa no chão.
"Você pode ficar com isso," Alex apontou para o objeto que Sean brincava. Assim que empurrada, a gangorra balançava por um período exorbitante. Todas as vezes que alguém a impulsionava, ele pensava em sua infância - em tempos felizes que se foram para sempre. "Algo para lembrar-se de mim caso eu nunca mais seja visto." Ele disse brincando, mas assim que as palavras escaparam, ele aceitou que seu subconsciente podia tê-las gerado como um aviso ao seu eu-alerta. Além de "em algum lugar no Noroeste dos Estados Unidos", o exato local geográfico do Grupo Broumgard permanecia um mistério. Seu entendimento do propósito da companhia podia ser resumido em uma linha: Broumgard oferece consolo para quem sofre e lazer para os detentores de riquezas.
"Obrigado, cara." Sean inspecionou o enfeite. "Agora se você salvar o mundo ou algo assim, eu vou leiloar isso no eBay por uma boa grana." Aparentemente satisfeito, ele colocou a gangorra na mesa e levantou-se. "Eu andei fuçando coisas sobre o Grupo Broumgard." Sua voz tornou-se sombria enquanto ele indicava com a cabeça as folhas grampeadas. O gesto incendiou Alex, até ele perceber a boca de Sean contrair-se num esforço para suprimir um sorriso. "Você não vai gostar do que eu descobri."
Mesmo prevendo a iminência de uma piada, as palavras de Sean travaram Alex. Ele escavou a Internet, ainda assim nada sabia sobre seu futuro empregador. Que companhia evita ferramentas de busca?
Sean pousou seus dedos nas páginas grampeadas rodando-as em direção a Alex. "Satã, meu caro. Você irá trabalhar para o demônio. Como você sempre trabalhou."
Alex riu, aliviando a tensão.
Seu amigo assentiu para que ele examinasse os documentos. "É sério. É de ferrar com a mente. Óbvio que você irá trabalhar em um computador." Ele apontou para o documento. "Computadores estão aqui para guiar o Anticristo."
Alex focou na aparente piada de despedida. Um simples gráfico de barras construía o cabeçalho negro acentuado com chamas laranja, VocêBrincaComODemônio.com.br. Ele apreciou o gesto, mas...
"Tudo começa no início do Apocalipse." Sean deslizou para a beira de sua cadeira. "Como a primeira comunicação entre 'vidas artificiais', completa em 1969 quando computadores das Universidades CAL e UCLA conversaram entre si, é um sinal do Fim dos Tempos, conhecido como Abominação. E como seus mascotes, o urso e o tigre, correspondem à profecia Bíblica. Você sabia que o primeiro computador Macintosh, o Apple One, foi vendido por 666 dólares?"
Alex encontrou esta anotação e franziu a testa. Ele não estava preparado para se banhar em água benta, mas 666 dólares parecia um preço peculiar, além de também acreditar ser uma estratégia de marketing terrível. Mas a Apple prosperou. Alex leu um recente artigo afirmando que eles estavam prestes a ser a primeira companhia trilionária.
Percebendo seu incômodo, Sean balbuciou um satisfeito "Mmm-Hmm".
Apesar do estranho assunto, Alex sentiu toda a nostalgia. Parte dele queria ficar na Vision Tech. Manter a vida simples. Ele conhecia seu mundo e iria sentir falta das esquisitices de Sean, mas algo o empurrava em frente, em direção a um destino maior.
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Paraíso Virtual
Science FictionAlex Cutler aceita o emprego dos sonhos indo trabalhar para uma empresa que possui um grande segredo. Milionários poderosos despejam ali suas fortunas junto de moribundos que lá depositam suas últimas esperanças de vida. O que inicia como um meio de...