Capítulo 1 (Pt. 2)

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O extraordinário salário da Broumgard pouco impressionava. Ele já havia sido assediado anteriormente, especialmente após o sucesso de seu programa Plow Straight, um software adaptado universalmente para escritores de código. O segredo em torno de tudo significava menos ainda. A Agência de Segurança Nacional americana estendeu uma oferta a ele durante seu ano como calouro na Universidade. Ele jogou a brochura com informações no lixo. Nada poderia induzi-lo a desprezar as massas em favor de políticos. Não, ele escolheu um salário médio no setor privado em uma empresa próxima de sua irritante mãe. Mas o Grupo Broumgard oferecia riquezas, segredos, e um projeto de benevolência - Quem poderia resistir a isso?

"Isto não é tudo," Sean inclinou-se para frente e alisou a borda grampeada antes de indicar no meio do papel. "Se você pegar a palavra computer e associar a cada letra um valor numérico baseado na ordem alfabética, sendo A igual a 1, B igual a 2, C igual a 3, etcetera, somar as letras e multiplicar o valor por 6, a palavra computer é igual a 666." Ele pausou para um efeito dramático. "Ele está esfregando em nossas caras, meu colega."

Concluindo que na era da internet uma pessoa pode encontrar dados para sustentar qualquer argumento, Alex exalou, "Muito interessante." Ele então continuou a empacotar, sabendo que apesar do absurdo de considerar computadores como carruagens do filho de Satã, ele iria checar aquelas contas matemáticas mais tarde.

Segurando o topo de sua caixa, ele parou ao avistar um exemplar da revista Mundo da Computação protegido em plástico repousando sobre todos os itens. Uma jovem versão de si mesmo ilustrava sua capa - um desajustado de 18 anos que não queria nada além de escapar da loucura de Roger's Park, seu bairro de classe-baixa.

O fotógrafo havia dado a ele um moletom da Vision Tech para o ensaio. Relembrando o estado esfarrapado de sua camiseta gola-V suja de café que estava por baixo, ele sorriu.

Nos seis anos desde aquela fotografia, a habilidade de Alex em abranger uma ideia, agregar suas várias possibilidades e transformá-la em linhas de código, sequências e comandos havia crescido exponencialmente. Seu cabelo agora pendia mais longo também. Através dos olhos daquele jovem sorridente jazia uma confusão interna, uma incerteza sobre o sentido de tudo. Seus cada vez mais frequentes episódios de ansiedade focavam na possibilidade de estar regredindo; que ele usou cada dia para evitar pensar sobre o dia final. Seria talvez isto o que representaria a principal razão para ele aceitar a oferta da Broumgard? Para descobrir se uma mudança de ambiente poderia ajudá-lo a identificar seu propósito? Talvez, se sua definição de benevolência alinhasse com a deles, ele finalmente encontraria sua salvação.

Sean esticou seu pescoço para enxergar o que prendia a atenção de Alex. "Eu guardei uma cópia dessa revista também." Seu tom de voz adotou uma seriedade que pegou Alex de surpresa. Quando os olhos de ambos se encontraram, Sean balançou sua cabeça. "Sempre soube que você era especial, cara. De verdade."

Alex ajeitou firmemente a tampa da caixa, inclinou-se e interrompeu os bonecos na gangorra.

"Então, o que temos pela frente?" Sean ergueu o enfeite enquanto se levantava.

Boa pergunta. "Bem, eu empacotei tudo e todas as minhas coisas já foram pegas. Vou parar no meu condomínio para uma vistoria final e então é isso entre eu e Chicago."

"Uau."

Uau dizia tudo. Alex respirou profundamente. A brincadeira havia acalmado seus nervos, mas, ao aproximar-se cada vez mais do ponto sem volta, seus sentimentos retornavam. Apoiando a caixa, ele deu a volta na mesa, onde Sean estava firme, mordendo seu lábio inferior, seu rosto marcado pela concentração.

Por não estar familiarizado em ver seu amigo desconfortável, Alex disse, "Vou manter contato".

"Tudo bem," Sean disse balançando uma das mãos, "mas eu quero te pedir um favor." Ele fixou seu olhar no de Alex. "Não, um compromisso."

"Claro cara, qualquer coisa."

"Pode ser antiético ou o que seja, mas você tem que me prometer: se você descobrir que está trabalhando em algum tipo de 'Arca de Noé', você vai me avisar."

Alex pensou sobre aquilo por um segundo. Ele havia considerado garotas-de-programa biônicas; envio de SMS para Deus (ou aliens) e programar golfinhos robóticos que poderiam girar em velocidades absurdas permitindo afundar várias embarcações inimigas. Ele não havia considerado nenhum cenário apocalíptico.

Encontrando o rosto de Sean aguardando sua resposta, Alex assentiu.

O olhar de Sean ainda permaneceu, possivelmente medindo a sinceridade de Alex. Assim que aceitou, ele abriu um sorriso astuto, eles tocaram os punhos e Sean saiu andando.

O chefe de Alex e fundador da Vision Tech, Robert Stenson, esperava em meio ao corredor central que dividia os cubículos. Ele era a única pessoa no andar que se vestia formalmente. A visão daquele homem elegante entristeceu Alex.

Acompanhado de uma crescente náusea que aumentava a cada passo, Alex o encontrou, equilibrou sua caixa na cintura e eles trocaram um aperto de mãos.

"Nós vamos sentir muito a sua falta aqui na VT", Robert disse.

Alguns funcionários se juntaram ao redor deles para também compartilharem seus discursos de adeus.

"Todos nós desejamos muita sorte onde quer..."

Enquanto Robert falou sobre ele ainda ter um emprego lá se sua nova empreitada falhasse e sobre eles serem uma família, coisas que Alex apreciava e concordava, ele retraiu-se internamente. Antes de se fechar completamente, ele enxergou um papel de parede de uma tela atrás de Robert. A máscara verde do filme de Jim Carrey 'O Máscara' flutuava em um monitor preto: olhos dominantes, dentes grandes demais, uma estrutura óssea demoníaca. A periódica animação da face verde explodindo em uma gargalhada relembrou sua conversa prévia sobre computadores sendo ferramentas do diabo.

Um pensamento arrepiou Alex. Se de alguma forma ele descobrisse que computadores são prenúncios do fim dos tempos, seria este conhecimento suficiente para ele, ou qualquer outro na sociedade, abandonar o tão amado aparelho?

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