Quando se é criança

61 6 2
                                    

- Você já se perguntou onde tudo isso vai dar? Quer dizer...- ela parou para refletir enquanto girava a pulseira em seu braço - Onde todos vamos depois que morrermos? Será que nossas atitudes aqui têm um significado?

- Bom, se realmente existe um Deus, espero que sim, porque se não houver... Do que adiantaria a vida? E qual seria o propósito de Deus em nos criar para não termos nada depois daqui? - falei admirando o céu azulado.

- Minha mãe diz que Deus é uma perspectiva, ou muitas vezes apenas uma esperança. As pessoas precisam de algo para se apoiarem, alguém para depositarem o que sentem, mas isso não quer dizer que Ele não seja real.

- Não sei qual é o sentido de alguém existir mas não aparecer, deixar sua existência ser um mistério - lancei longe uma pedra que achei no chão.

- Justamente pelo fato de que as pessoas precisam ter fé, creio eu - ela me olhou, então sorriu.

- Não sei se a existência de Deus pode alterar significativamente nossas vidas. Existem tantas pessoas que não acreditam em nada e vivem super bem - falei olhando para o chão, enquanto chutava algo no chão.

- Só não quero passar pela experiência de não acreditar num Deus que de fato exista, sei que o deixaria muito triste.

- Sim...

Conversar com minha prima era sempre intrigante, ela tinha coisas boas para se ponderar. Depois que minha prima Rae havia morrido, Rachel havia se perguntado sobre muitas coisas da vida. A verdade era que sua maior esperança era que um dia ela pudesse ver sua irmã novamente. Mas para mim as coisas foram diferentes. A morte de Rae não só a matou, mas me matou também, destruiu minhas esperanças e minha crença até mesmo em Deus, porque se Deus de fato existisse, por qual motivo deixaria Rae morrer por uma brincadeira de crianças más? Não negava a existência dele, mas se realmente existisse, não gostaria de conhecê-lo.

- Rae gostava de assoprar dentes-de-leão na primavera, ela ria quando fazia isso, achava engraçado como se desmanchava rápido - lágrimas desceram dos olhos de Rachel - Mal sabia ela que sua vida passaria tão rápido quanto quando assopramos um dente-de-leão.

- Rae deve estar correndo num jardim florido agora, Rachel. Sei que digo muitas vezes que não acredito em Deus, mas Ele e nem o universo ou o destino nos impediriam de ter uma alma, e onde quer que esteja a alma dela, está muito feliz - disse sorrindo enquanto uma lágrima desceu dos meus olhos - Melhor do que antes, provavelmente.

- Eu não o odeio - ela falou olhando para o céu junto comigo - sabe, Adam. Acredito que porque você o amava muito, e eu amava ver vocês juntos. Mas me diga, você ainda o ama?

- Sinceramente? - a encarei.

- Claro.

- Sim, ainda o amo. Muitas vezes sinto falta de quando eu deitava em seu colo e dormia tranquilamente enquanto ele acariciava meu cabelo. Sinto falta de acordar de manhã e ver suas mensagens de bom dia, ou reclamando de eu ter dormido enquanto conversávamos. Gostava do café que ele preparava, tinha um sabor diferente. E amava quando ele me tocava, pequenas coisas, sabe? Segurando minha mão, ou me beijando. Mas principalmente de quando abria seu coração, de quando me contava do que sentia, o que o afligia, o que gostaria de realizar. Eu amava a forma como ele era real, e da maneira como nosso amor era de verdade. Acredito que eu jamais vou amar alguém de novo assim, com tantos detalhes. Eu amei a alma de Adam, até descobrir seu pior lado, que era o capaz de machucar alguém. A maneira como Rae morreu é a pior parte de como todas as coisas aconteceram, porque eu perdi duas pessoas que amo de uma vez só.

- Sim, a história dela foi finalizada de uma maneira que a deixou sem escolhas. Ela não pôde lutar pela própria vida, porque ela não imaginou que poderia a perder - Rachel deu um sorriso no canto do rosto - mas ninguém jamais poderá apagar a lembrança que temos da pureza e amor de Rae.

- Jamais, Rae era a menina mais jovem que mais me ensinou sobre a vida, devo isso à ela.

Começamos a andar, e continuamos relembrando sobre coisas que Rae fazia que nós amávamos. Estávamos buscando respostas para os nossos corações sobretudo em relação ao que havia acontecido. Como conseguiríamos lidar com isso? Ou com que maneira saberíamos seguir em frente?

Colocamos algumas margaridas (flores preferidas de Rae) sobre seu túmulo. Visitá-la sempre era difícil, principalmente sobre a frase que estava escrita em sua lápide: "Os sonhos de uma criança podem mudar com o tempo mas Rae jamais viverá o tempo em que o sonho é ter sido criança. Contudo, ela nos ensinou da forma mais pura de que ter sido criança foi um privilégio do tempo, e que sonhar não envolve apenas ter tempo, mas sim de conseguir se permitir como uma criança." Uma lágrima desceu pelo meu rosto, Rae jamais morreria para mim.

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Prazer, Steven HarrisOnde histórias criam vida. Descubra agora