Das questões do emplacamento de rainhas

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Se você fosse uma pessoa de fora, e olhasse de uma certa distância, acharia que Kurt estava riscando as linhas de uma importante matéria sobre economia que lia no principal jornal de Norta, com o semblante sério e concentrado. Mas, como Camille tinha visão privilegiada da cadeira ao lado, podia ver o irmão desenhando uma cara de diabo em cima da de Esme Titanos. Alguns dentes podres... O fato de que quase ninguém dentro da corte gostava dela era quase cômico.

—O que esta babuína fez agora? — levantou uma sobrancelha perfeitamente delineada para o vandalismo. Podia ver vagamente a imagem da prima Parthenope. O que quer que Esme a tivesse pego fazendo, tinha sido estúpido da parte dela deixar exposto, concluiu.

—"A malvada Parthenope está tentando roubar o amor da queridinha de Norta". — recitou dramaticamente Kurt, com sua melhor voz falseteada ridícula. — Você pensaria que as pessoas não cairiam no teatro da Titanos, mas infelizmente, estamos cercados de idiotas, Cami.

Camille bebeu um gole do café preto em sua xícara com uma expressão que dizia "nem me fale", e pareceu a deixa para que a outra prima aparecesse, totalmente sem elegância, respeito ou decoro pelo silêncio quase obrigatório com que todos os outros Calore começavam o dia.

Ignacia, a filha de dezessete anos do tio deles, era uma moça cujas aulas de etiqueta tinham sido quase um disperdício no que dizia respeito a seu comportamento social. Chegou correndo no pequeno salão de jantar reservado para o desjejum da família, quase tropeçou na cadeira, atirou duas revistas na mesa, e sentou à frente dos gêmeos. Dante, sentado à cabeceira como era de costume, apenas suspirou seu incômodo e continuou comendo, enquanto Sulpicia, sentada à direita dele e ao lado dos filhos, vestia uma expressão que falava do mais profundo desagrado.

—Vocês viram? Parthie é uma amiga da onça! — a moça bufou e caiu pesadamente sobre sua cadeira, emburrada e alheia ao desaprovo do restante da família. — Depois de tudo que ela e Esme passaram juntas!
Os gêmeos apenas trocaram um olhar que dizia "aí está uma das famigeradas idiotas".

—Aproveitarei a interrupção de Ignacia para tratar de outro assunto que discutiremos como família. — Dante inspirou e se aprumou na cadeira, de maneira que já parecia farto daquilo antes de começar. — A p-...

—AH, SIM, A PROVA REAL! TIO, EU ESTOU TÃO ANIMADA, VAI SER TUDO PERFEITO! — Ignacia bateu palmas com um sorriso. Dante suspirou de novo.

—Ignacia, você vai deixar que eu termine antes de assumir por si mesma do que eu pretendo tratar? — o tom dele era duro e incisivo, e a garota cessou a tagarelice. — A Casa Calore paricipará da Prova Real. — seu tom era final, e Ignacia não conteve um gritinho excitado. — Mas participará com Camille, e não Ignacia. Heath e eu discutimos a fio e ele considera o evento perigoso demais para você.

Os gêmeos se entreolharam sem saber o que dizer. Camille nunca tivera intenção de participar, mesmo que a honra pesasse em suas costas. Preferia adiar o encargo das conspirações para as filhas de Kurt, em vez de tomá-lo para si. Ignacia parecia prestes a protestar, mas se conteve. Se era ordem de seu pai, não havia nada que pudesse fazer, além de pôr de lado suas ilusões infantis sobre tornar-se realeza.

—Você me inscreveu sem o meu conhecimento. — a mais velha remoía as palavras na boca ao dizê-las. Seu olhar carregava ressentimento de muitos eventos passados. Não era a primeira vez que Dante tentava controlar seu futuro. — Não pode querer dizer de "discutir em família" quando já decidiu tudo por si mesmo.

Kurt apertou a mão dela, feita em punho por debaixo da mesa. Apesar do afeto, era um gesto que implorava para que ela se mantesse sob controle.

—O que há para discutir, no fim das contas? — ele desconsiderou o protesto com um dar de ombros e um olhar severo para a filha. — Iolanthe não venceu, se é que tentou, minhas tias não o fizeram tampouco. Me cabe agora lembrar que é mais do que questão de honra emplacarmos uma rainha Calore? Ou nos esquecemos do golpe de estado?

—A questão aqui não é nossa memória e sim sua decisão sem consentimento de Camille. — Kurt respondeu, no mesmo tom duro que ele usara com Ignacia, que a este ponto, brincava com a comida no prato desejando estar bem longe da linha de frente da guerra travada entre o lorde e seus filhos.

—Não importa. Está feito. — Sulpicia anunciou, como se fosse a voz do desempate final. Dante voltou a seu prato, triunfante, e ambos os gêmeos lavantaram da mesa, Camille primeiro, com um murmúrio de "perdi a fome", e Kurt depois, lançando um olhar que falava bem mais do que "estamos por aqui dessa palhaçada" aos pais.

A Silver KnifeOnde histórias criam vida. Descubra agora