Ode ao novo mundo

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O casamento de Camille seguiu sem mais eventos. Eirian nunca voltou para a festa. Kurt voltou apenas para os eventos finais. Alguém tinha de informar a ela o destino do falecido príncipe. Nenhum deles estivera surpreso com aquilo. A natureza de Leonard era extremamente volátil. Eventualmente aquilo poderia ferir a eles também, e para que fosse evitado, ele precisava ser convencido da devoção de sua rainha.

Camille foi em frente com o casamento. Atirou seu buquê de lírios por cima do ombro com um sorriso quase verdadeiro. Desprezava o final daquela festa, mas a verdade é que não tinha como evitá-lo. Para que tudo aquilo seguisse como esperado, era necessário.

No correr da semana, a notícia nos jornais era de que o antigo herdeiro sucumbira à pressão e cometera suicídio. Leonard não sabia, mas estava fazendo tudo o que eles precisavam. Para instaurar uma dinastia nova, a antiga deve ser eliminada. Eirian, a pobre tola, agora o odiava. Tripudiaria sobre seu túmulo. A Calore lera a notícia em seu leito real dois dias depois, nua como no dia em que nascera. O rei, com razão, parecia pensar que agora precisava de um herdeiro. Ela não discordara. Realmente se precisava de um herdeiro, e este certamente não seria um Samos. Ele assumira, por seu sorriso silencioso, que ela concordava.

Um mês depois, aconteceu o próximo casamento. A Samos tinha exigido o adiantamento do evento. Casara sorrindo e com raiva. Leonard podia ter a Casa inteira para ele, agora ela era uma Calore. Não queria nada com o filho do aço.

Bel comparecera, acompanhado da esposa, agora Lady Viper, já avançada na gravidez. Foi uma bela cerimônia, do mesmo calibre da de Leonard, com uma procissão igualmente grande. Eirian Calore tocou as mãos e rostos dos plebeus que gritavam por ela, abençoou meninas e elogiou meninos. Ela era muito mais querida pelo povo do que seu primo, que era muito temido e pouco amado. Mas o povo o mantinha no trono, não por ele, mas por amor a sua rainha, que prezava pelo bem estar de vermelhos e prateados. Foi uma bela cerimônia, e Bel fez questão de beijar o noivo também. Quanto a Lady Viper? Sua posição podia ser desprezada, mas ela era a dona e herdeira de poder econômico e político enormes. As damas da corte eram inteligentes o suficiente para respeitá-la, e algumas sabiam melhor do que não fazer dela uma amiga.

Eirian foi acolhida pelos Calore com afeição surpreendente. Foi ensinada em relação a suas tradições e aprendeu com rapidez também surpreendente. Sulpicia achou o entusiasmo dela engraçado, e Dante estava satisfeito em ter a moça debaixo de sua esfera de poder, mas não se importava realmente com ela. Sua afeição era um teatro descarado. Para ele, aquela era apenas a égua premiada escolhida pelo filho para seguir com a próxima geração de Calore. Camille visitava frequentemente, e Eirian estava sempre feliz em estar perto dela.

Demorara mais alguns meses para que o filho de Cantrix nascesse, e Lady Calore fora a primeira a trazer presentes e fingir ser uma irmã devota para a criança. A mãe, que não era tão estúpida quanto gostavam de espalhar, sabia bem disso, mas decidiu permitir. Se queria uma herança nobre para o filho Samos, precisava do apoio de Eirian.

Passada a agitação com o nascimento de Tynan Lafontaine, um menino que era tão Samos quanto o aço que controlaria no futuro, a rainha também se viu ir pelo mesmo caminho. Se descobriu  grávida, mas de pouca coisa, um mês, um mês e meio. Levaram mais três meses para que ela confirmasse o desenvolvimento do feto, e finalmente fingisse um mal estar qualquer em algum evento público. A curandeira oficial da rainha, Lady Margrethe, anunciou a gravidez com uma felicidade nervosa. O rei, muitíssimo satisfeito por sua rainha estar desempenhando o que era, na visão limitada dele, a única função real dela, a dispensou de suas funções. No tempo em que estiveram casados, cerca de cinco meses, ele aprendera a ter um respeito saudável pela capacidade bélica da esposa, e jamais diria a ela que apenas a via como uma parideira.

Camille não parou de desempenhar suas funções nos conselhos de guerra e administração nortana, é claro. Apenas os fez de seu repouso, entre o palácio de Whitefire e a propriedade Calore em Archeon. Leonard gostava de bancar o pai dedicado — por mais que não nutrisse nada além de asco por ele e fingir que o amava com todo seu pobre coração, ela estava inclinada a crer que ele realmente estava interessado na criação da criança. Estava muito mais satisfeita, porém, com a companhia do irmão e de sua parva esposa, que insistiu em cuidar dos preparativos para a chegada da criança. Se Eirian cuidasse daquilo, a pouparia de ter de fazer o serviço, e apenas aprovaria as coisas feitas. Fazer enxovais não era o que Camille fazia de melhor, e ela não queria ter de lidar com aquela parte.

No tempo correto, o bebê decidiu que era hora de nascer. A rainha Calore agradeceu às forças divinas do universo que, no momento em que as contrações começaram, seu marido Samos estava no outro lado do reino lidando com a infeliz guerra contra Lakeland que seus antecessores começaram. Ele foi contatado no momento em que se constatou que a criança estava, realmente, nascendo, e Camille estava muitíssimo feliz de não o ter por perto naquele momento delicado. O substituiu pelo incentivo calmo de Margrethe e foi as mãos de Kurt que ela apertou  quando precisou empurrar.

Quando a criança finalmente foi posta em seus braços, ela sorriu, e parecia que algum peso tinha sido tirado dos ombros dela. Era um menino, saudável e enorme, e tinha o cabelo escuro como o do irmão e do pai antes dele.

—Alexandrus. — ela murmurou para a criança, brincando com seus dedos nos dele. E repetiu para Kurt. — Alexandrus, como nos livros de história do velho mundo. Um rei de fogo e cinzas, para pisar em tudo que se ponha em seu caminho. E assim será o meu filho.

E assim foi.

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