Sangue e cores

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—Por favor, vamos esquecer as cortesias, sim? — ela sorriu, e serviu uísque num copo raso do recipiente de cristal em um armário dentro do escritório. Oficialmente, ele pertencia a Kurt, mas não existia algo como "do Kurt", se era dele era dela, e vice versa. — Você está aqui a negócios, Lorde Samos, e eu a nada menos. — e bebeu um gole do líquido escuro, sem perguntar se ele queria ou servir para ele também. Era crescidinho. Podia se servir se quisesse.

—Como poderia saber a que fim estou, lady Camille? — ele mesmo serviu um copo para si, metade da quantidade que ela tinha servido para ela própria. — Apenas disse que achava por bem conversar com você.

—Poupe suas galanterias, Leonard. — ela sorriu por trás do copo, um sorriso de predador, com dentes demais para ser amigável. — O que quer de mim, uma pobre, humilde serva da coroa? — a voz não deixava de carregar ironia.

Ele ignorou a pergunta a princípio, e sentou-se em uma das cadeiras estofadas de vermelho. Girou o líquido dentro do copo e bebeu um gole, sem pressa.

—Quero saber se pretende realmente tentar a coroa. Há muitos anos que não temos uma rainha Calore, não é verdade? — Ele deixou implícito que se referia à desgraçada e havia muito falecida Seraphine Calore.

Calore, ela pensou consigo mesma. Não, Seraphine não era uma Calore. Era uma Samos, uma traidora de todo seu sangue como o resto dos filhos do aço. Sua expressão amargou, e ela engoliu o resto do uísque de uma vez só.

—Sim, Leonard. Eu quero a coroa. — não sorriu. — Me falha à memória por que isso lhe interessa.

—Callum é minha família, é do meu sangue. Sempre me interessa quem pretende se amarrar a ele. — sorriu em resposta, e a isso Camille riu, um som desconcertante a seu modo.

—Seu sangue que você quer ver derramado no chão de mármore de Whitefire.

—Como pode sugerir uma traição dessa medida?! — ele era um ótimo ator, ela pensou consigo mesma. — Aquele que derrama o próprio sangue é amaldiçoado.

—Talvez. Ninguém nunca disse que você seria aquele a derramar, não é verdade?

Ela ganhou dele um sorriso, tão ruim quanto o dela.

—Isso é bem verdade, Camille, não nego.

—Pois bem, eu proponho, sem mais interrupções, aquilo que você veio aqui para obter desde o princípio. — Você sabe que precisa de mim, seu primata obtuso, é só por isso que veio, pensou. Não é tão hábil na arte da conspiração quanto quer que acreditem.  —  Uma aliança.

—E o que propõe a aliança de lady Camille? — ele bebeu outro gole do uísque, calmo e perfeitamente composto.

—Lorde Samos pretende ser Rei Leonard, não é bem verdade? Não negue, sabe disso tanto quanto eu.

—Prossiga. — ele fez um sinal com a mão. — Estou interessado.

—Eu o farei rei. — ela sentou no cadeirão por trás da mesa, sua postura de negócios impecável.

—Como pretende fazer isso? — ele levantou uma sobrancelha, incrédulo.

—Confie em mim, Lorde Samos. — ela sorriu. — Me dê algum crédito.

—Suponhamos que eu aceite esta barganha. Que eu aceite que lady Camille ponha uma coroa na minha cabeça. O que lhe é devido por isso?

—Ora, não me deixou terminar. — Ela riu. — Eu quero ser rainha. Se eu puser uma coroa sobre a sua cabeça, você também porá uma sobre a minha. Uma coisa não vem desconectada da outra. Eu não posso assegurar a coroa sem você, e você não pode chegar lá sem mim, ou não estaríamos aqui, não é mesmo? Mas lembre apenas, caso esteja tentado em me trair a aliança: eu o pus lá. E eu posso tirá-lo com a mesma facilidade.

—Então é assim?

—É assim. — ela voltou a pôr bebida no copo, e puxou da gaveta o abridor de cartas.

—Para quê isso? — ele pareceu divertido.

—Estamos jurando por cima de sangue, não estamos? Juraremos com sangue então. Me dê sua mão. — ela estendeu a própria, e ele pôs a dele ali. Com o abridor, afiado, pairando sobre o indicador dele, ela o olhou nos olhos. — Jure. Jure por seu sangue e suas cores. Você porá uma coroa sobre a minha cabeça e a manterá lá. Você me fará rainha.

—Eu juro por meu sangue e minhas cores que porei e manterei a coroa sobre a sua cabeça, e assim, a farei rainha.

Camille cortou o dedo dele, e pingou o sangue no álcool. Cortou então o próprio, e repetiu o gesto, as gotas dissolvidas dentro do copo.

—Juro, por meu sangue e minhas cores, que o farei rei, uma coroa sobre sua cabeça e poder em suas mãos. — e bebeu metade do conteúdo. Estendeu o copo, e ele bebeu o resto, enquanto ela assistia, com olhos ávidos.

—Uma bela fazedora de reis, é assim que quer que os livros de história a chamem? — ele sorriu torto, e levantou.

—Eu não temo os livros de história, Lorde Samos. — respondeu, quando ele estendeu a mão para abrir a porta e sair. — Pretendo escrevê-los.

A Silver KnifeOnde histórias criam vida. Descubra agora