Última ceia

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Margrethe tinha estado certa.

Não houve outro anúncio antes de ambas as filhas mortas da realeza serem encerradas em seus caixões. Embora soubessem quem tinha matado quem, não disseram às famílias exatamente o que acontecera. Stachys estava morta. Não precisava-se desgraçar também o nome dela. O gêmeo da Tyros estava furioso, apesar de tudo. Styr não cria em um lapso de loucura dela para com alguém que estivera sempre a seu lado. Se alguma loucura estivesse apossando dela ele saberia. Assistiu ao funeral de rosto fechado e sem palavras.

Stachys tinha deixado uma carta curta endereçada a ele dentro de seu armário, junto à tiara que ela mais gostava. Ele a carregava no bolso, calado.

"Styr, se você está lendo isso, estou morta. Espero que pela própria mão e não no Ossário.

O motivo morre comigo. Mas ela me traiu os anos e a confiança, e em qualquer cova que esteja, merece a podridão de sua carne e os vermes lhe devorando os olhos. Enterre minhas facas comigo.

Deixe que o pai pense que enlouqueci. Sou uma santa, e permanecerei para sempre indecifrada; ele não merece o conhecimento. Convença a mãe de que estou melhor onde estou, porque estou.

Aonde vou, nenhum de meus inimigos pode me seguir.

Não os persiga em vida.

Sua, Stachys."

Ele tinha sentido vontade de sacudir o cadáver dela pela resposta. Queria razões, queria motivos.

Ela morrera sorrindo. Não parara de sorrir na morte. Com moedas de prata em seus olhos e facas em suas mãos, o caixão de madeira esmaltado para a iridescência foi fechado e encerrado no mausoléu. Mais cedo, outro caixão fora fechado e encerrado, mas de madeira de ébano. Longe, no mausoléu dos Haven. Famílias usaram suas cores de luto numa demonstração de solidariedade. Ambas as moças eram bem quistas, bem conhecidas. As já estressadas filhas bem nascidas e seus consanguíneos foram forçadas a mais uma diplomacia, e embora as mortes fossem sentidas, a eletricidade estalava no ar. Faltava apenas o estopim, e a rainha se esgotava para impedir qualquer desamizade.

Naquele enterro o sol brilhou de maneira revoltante. O calor se espalhava em ondas dentro do mausoléu Tyros, embora os Gliacon tivessem feito a bondade de esfriar as paredes do local.

A filha daquela Casa estava morta. Os Tyros tinham muito pouco a fazer ali ainda. Não ficar para ver o resultado da Prova Real seria uma afronta pública, uma que eles não estavam dispostos a fazer. Só queriam acabar com aquilo, ir para casa, lidar com suas perdas.

Ambas foram encerradas com a supervisão do rei. Aquele dia era para as despedidas, o dia seguinte voltava à política. O dia continuou quente, bizarramente quente, e durante a noite, ventou mais do que seria normal para qualquer época do ano naquele lugar. Styr jurava que o vento gritava pelo palácio.

Ele não sabia, e a despeito dos desejos da irmã, tinha alguma curiosidade a respeito do acontecido. Talvez se o tempo tivesse acontecido diferentemente, ela ainda estivesse ali. Mas apenas por baixo da dor e da raiva.

Naquela noite, Styr gritou junto do vento.

***

Nos fizeram participar desse circo, reclamava Sadira. Que me importa a bagunça que aquelas duas impuseram sobre nossas filhas.

Esme não discordava. Estava mais do que feliz em tirar seu vestido de luto, até porque não estava nem um pouco triste. Stachys era uma bárbara estúpida, e Alexis, uma sonsa falsa. Além disso, Stachys estava dentro da competição mais importante, e caso tivesse ganhado... Quem ligava? Não tinha ganhado mais.

A Silver KnifeOnde histórias criam vida. Descubra agora