O pronunciamento se deu no salão reservado para coletivas de imprensa, com cinco pessoas. Kurt e Camille — ele, líder da investigação na morte do rei, ela, na condição de noiva de um príncipe —, Leonard, Callum, e Eirian. Os cinco vestiam luto, e era, até para eles, estranho estarem no comando quando tinham por tanto tempo sido comandados. Mas era, afinal, a corte. Os Samos não tinham sido reis guerreiros, mas era raro não haverem causalidades reais em cada geração.
Decidiram começar quando faziam cerca de dez minutos que nenhum outro repórter chegara.—O rei, como já sabemos todos, não está mais entre nós. — Kurt tinha as mãos cruzadas sobre a mesa. — Ele não morreu de causas naturais. — Fez uma pausa, para o burburinho dos repórteres parar. — Maximus I da Casa Samos, faleceu, esta madrugada, vítima de uma parada cardíaca, provocada por sua esposa, Rainha Emmeline da Casa Titanos. A investigação foi concluída em poucas horas, e ela foi considerada culpada.
Mais barulho. Perguntas uma por cima da outra. Repórteres ávidos por respostas. E os prateados ignoraram a todas. Permaneceram em silêncio até que os jornalistas percebessem que não extrairiam deles nem uma sílaba a mais do que eles queriam que fosse publicado.
Callum estava sentado no meio dos cinco, com Leonard à sua esquerda e Kurt à direita, Camille do lado dele e Eirian do de Leonard.
—Foi uma grande honra servir sob ambos nossos soberanos, e me causa muita dor dar notícias tão fúnebres logo depois das perdas da Prova Real.
—E no entanto, a justiça deve ser feita. — Callum tomou a palavra. Ele tinha decorado aquele discurso, escrito para ele pelo conjunto de lordes da reunião. — Mas, senhores, eu não posso carregar o peso de condenar a senhora minha mãe logo após a morte de meu pai. — A audiência segurava o fôlego. Esperavam que ele inocentasse a rainha, como sabiam que Maximus teria feito se a condenada fosse a rainha Alyssa. — Por meio desta, eu estou formalmente informando a minha abdicação do direito ao trono. Preciso cuidar das perdas do reino e de minha querida irmã, mas não sou a pessoa adequada para prover ao reino a união que tão desesperadamente precisa nesse tempo de crise. — Calou-se então, e deixou que os rugidos crescessem mais uma vez, e morressem igualmente. — Abdicando de meu direito ao trono, informo também o rompimento de meu noivado com Lady Camille. O rei deve se casar com uma vencedora da Prova Real, e visto que passamos por uma, não há sentido em convocar outra. — ele inspirou, e tanto Camille como Kurt se deleitaram na dor que as palavras causariam a ele. — Lorde Leonard, meu primo, é agora o herdeiro, e será coroado ao fim desta semana. — e calou-se por completo. Eles viram Leonard lutar com o sorriso.
—Como diz o Príncipe, a justiça deve ser feita. — ele vestiu seu melhor rosto pesaroso. — A rainha morrerá com honra, ao amanhecer. A despeito de seus vis crimes, ela foi uma governante justa e sábia para com seu povo.
Ao menos daquela vez, o silêncio permaneceu. Levantou-se, e estendeu uma mão para Camille, que fingiu confusão e o seguiu submissamente.
—A despeito das notícias fúnebres, isso é algo que deve ser feito. — ele suspirou, e tomou as mãos dela, a olhando nos olhos. — Sob os olhares desta magnífica nação, eu peço sua mão em casamento. Prometo-me a você, Camille Calore. Você aceita?
—Prometo-me a você, Leonard Samos. Eu aceito.
E todas as fotos do dia seguinte conteriam o sorriso aliviado da ardente. Tudo estava no lugar certo.
***
Eirian não tinha estômago para tudo aquilo. Tinha aguentado em silêncio a reunião, o pronunciamento, o enterro de seu pai no mausoléu Samos. Talvez aquilo a fizesse fraca. Mas tinha acontecido tudo tão rápido... Não tinha tido tempo de cair e se esvair em lágrimas. Lady Sulpicia tinha dado a notícia a ela, e a escoltou até a sala de reuniões. Ela mal tinha recebido a notícia sobre a morte do pai, e já descobria que perderia a mãe também. Pior, descobria que não tinha direito nenhum ao título que usava.A humilhação pesara nos ombros da garota naquele momento. Aqueles lordes apenas sabiam, mas o problema é que Kurt também era um deles. Nunca tinha tido tempo de responder propriamente sobre a situação complicada que era o envolvimento dele com Bel, e, embora, depois de um tempo em que pudesse realmente pensar sobre isso, ela concluísse que não queria deixar de estar com ele a despeito daquilo, passada aquela reunião, talvez estivesse fora das mãos dela a decisão sobre continuar ou não o relacionamento. Sulpicia sabia, e, embora tivessem jurado confidencialidade, ela sabia que contaria a Dante. E talvez, com o título dela em cheque, ele fosse barrar completamente um noivado entre ela e o heirdeiro Calore. Isso se ele mesmo quisesse continuar com ele.
Era com aquele pensamento desalentador que ela descia as escadas do Ossário, enquanto ainda não era dia. Sendo verdade ou não — a rainha tinha sido interrogada por dois murmuradores, Zach e seu pai, era claramente verdade, mas a negação era natural do luto — ela queria ouvir por si mesma. A pedra silenciosa pareceu opressora naquele momento, mas tudo era claustrofóbico naquele momento, então não importava. Ela desceu apoiada nas paredes com as mãos, como se fosse cair se não o fizesse.
Quando viu a mãe, quase se atirou nas barras da cela. Emmeline, sentada de costas para as barras, no chão, virou-se com uma careta de desprezo que foi desfeita assim que viu a filha. Ela a abraçou pelas barras, o mais forte que conseguia.—Mãe, me diga que não é verdade. Você não matou o pai, ele só... — ela soluçou. — Sei lá, mãe, comeu batatas fritas demais durante a vida...!
—Eirian... — ela suspirou. Já tinha se resignado a seu destino. — Não há o que dizer. Além de que, talvez o reino esteja melhor sem ele. — A garota não queria ter de saber aquilo.
—Você não esteve realmente com tio Ibzan, esteve? Mãe, está tudo uma bagunça, eu não sei mais em quem acreditar! — as lágrimas corriam dos olhos dela copiosamente. Emmeline se afastou dela, com uma careta alarmada.
—Isso voi divulgado no pronunciamento sobre meu destino?
—Não, os lordes decidiram por uma farsa de abdicação da parte de Callum, e como ele não é burro, aceitou. — ela limpou o rosto na manga do vestido.
—Ótimo. — ela limpou também o rosto da filha com os dedos. — É a verdade, Eirian. Ibzan e eu tínhamos algo desde antes da minha Prova Real. Ele deveria ter me escolhido, mas Alyssa quis que eu vencesse. Eu não dei a mínima para Cyrene. Ibzan era meu. — deu de ombros. — E Maximus nunca foi um homem bom. Ele era e sempre foi inconsequente, impulsivo, agressivo, e sem respeito por ninguém. Maximus era um homem horrível, e por mais que nunca tivesse posto as mãos em mim, eu tinha esse medo. Talvez ele soubesse desde o início. Nunca teve interesse na sua educação, e embora tivesse tido na de Callum, quando ele se mostrou produto da criação dele, o pôs de lado em favor do Calore. — ela fez uma pausa. — Por favor, acalme meu coração, ele ainda quer casar com você, certo? Callum ainda pode ficar lorde dentro da corte, mas você depende de um casamento... Doeria ver minha menina sem futuro.
Eirian fechou os olhos por um momento, tentando processar tudo aquilo. Mas afinal, ela umedeceu os lábios e decidiu pela mentira.
—Sim, mãe. Estamos esperando todo o luto passar para anunciar. — e apertou a mãe de novo, soluçando alto.
—Isso é ótimo. Você tem o que fazer. E o que fizeram daquela golpistazinha que dormiu com Maximus? — ela rosnou.
—A Lafontaine? A criança dela pertence a nós, mãe. Eles decidiram casá-la com Bel Viper. Para que possamos educar o pequeno parasita. — ela mordeu o lábio.
—Era tudo que ela queria. Uma oportunidade de se fazer de vítima e ganhar um título. — Emmeline fez uma careta, mas a desfez. — Eirian, estando aqui ou não, eu não me arrependo do que fiz. Ele mereceu cada segundo. — suspirou de novo. — Venha, me abrace. Já é hora de você voltar lá para cima. Não chore. Eles não podem ver fraqueza em você.
Ela engoliu as lágrimas. Só por agora. Queria que a mãe partisse com a ideia de que ela era forte, que era apta para os jogos da corte, por mais que não o fosse.
—Eu sei que vai doer. Eu sei. Mas não desvie os olhos. Eles saberão. — beijou a testa da filha. — Adeus, Eirian.
Ela apertou a mulher uma última vez.
—Adeus, mãe.
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A Silver Knife
Fanfiction"[...] Você esquece daqueles que nos prejudicaram, e você esquece o que nós ainda temos a perder, e as dignidades que ainda precisamos roubar para acertar com um sussurro aquilo que deveria ter sido respondido com guerra quando aconteceu. Você me pe...