A retirada do rei para o Palacete do Sol foi anunciada na parte mais descontraída do noticiário. Foi numa manhã encoberta por nuvens, com uma luz clara e fraca escapando por entre elas. Para a plebe, talvez menos com a burguesia, isso era um evento anual esperado e sem qualquer novidade. Para as outras partes interessadas, a notificação de forma tão pouco solene despertou um alvoroço. Tudo finalmente estava em movimento. E era para ser assim, realmente.
Kurt foi antes. Os Calore iriam na semana seguinte, agradavelmente atrasados mas cedo o suficiente para não ficar de fora de nenhum evento. Mas ele ia junto da família real. Seu status de braço direito lhe conferia isso. Não que ele não suspeitasse do envolvimento de Eirian naquilo. Minerva Merandus não estava lá para fazer companhia, e ele supunha que "a presença vagamente familiar" dele no navio fosse o mais próximo disso que ela conseguiu extrair do pai. A tradição ainda existia, então cada família ia em seu próprio navio.
Callum estava "indisposto" naquele dia. Por indisposto aquilo significava que ele estava ou de ressaca ou bêbado no presente momento, no andar inferior, encerrado em uma sala privativa. Ninguém queria discutir o assunto.
Ele, por sua vez, estava sentado no deque panorâmico, trocando mensagens com Camille por um dispositivo móvel. A maioria das respostas eram memes. Não se atrevia a ser ele a começar interação com a princesa. Mesmo que se esperasse que eles conversassem, tudo tinha limites.
—Me pergunto o que passa pela sua cabeça.
A rainha tinha vencido a filha naquilo. Ele encarou a mulher, sem mudanças maiores na expressão, nem muita certeza se era algo a que deveria responder.
—Se vossa majestade desejar saber, não hesite em perguntar. — disse, por fim, e voltou a olhar para fora do navio.
—Você não me contaria, Kurtis. — ela estendeu uma mão antes que ele refutasse. — Não negue. Se me dissesse o que pensa eu ficaria preocupada com sua habilidade dentro da corte.
—Aqueles em posições elevadas não devem expor aquilo que não convém. Minhas inquietudes não seriam adequadas a vossa majestade. — ele disse, calmo, a expressão sem revelar o que estivesse sentindo. — Assim como tenho certeza que vossa graça sabe.
—Sempre sabemos. — ela respondeu, e saiu, sem outra palavra ou olhar. Interações frias eram tão comuns no palácio que ele estava muito acostumado, mas aquele silêncio específico falava de mais do que saber de propriedade.
***
—EU NÃO SEREI RAINHA. — Bradou Minerva, por trás da porta. Sakina tinha o ouvido colado a ela, e, embora a irmã falasse alto, ouvia apenas uma parcela pequena do que ela dizia, devido à proteção contra o som. Podia apenas imaginar o que o pai respondia, mas não era difícil. — NÃO SOU A PREFERIDA, E O SENHOR SABE MUITO BEM QUE EU NÃO POSSO VENCER OS ESPETÁCULOS DE PESSOAS COM MAIS PODER QUE EU. NÃO ME CAUSE MAIS DOR DO QUE MEU FRACASSO JÁ ME CAUSA.
Zach passou pelo local, e ele não precisou dizer nada, embora ela tivesse certeza de que não estava imaginando o ruído de "cuidado" que ele fazia.
"Certo, certo, entendi, espionar é feio." Respondeu, dentro da mente dele, com um revirar de olhos.
Sakina não conseguia imaginar por que ela não seria uma favorita. Ela mesma não tinha quase chance alguma de vencer na disputa pela coroa, mas Minerva era a melhor amiga da princesa. Se alguém tinha chances, certamente deveria ser ela.
Endireitou sua posição, e foi atrás do irmão, que rumava para o deque superior. Enquanto o rei tinha partido de manhã cedo, os Merandus tinham embarcado à tarde, chegariam em torno da meia noite. No momento já era em torno de sete horas, e o sol estava prestes a se pôr. Ela aproveitou a falta de supervisão para se servir do champanhe disponível ali. Gostava da bebida, mas não permitiam que ela bebesse com frequência — e com razão.
"Por que Minerva não tem chances?" Ela perguntou, dentro da cabeça do outro, bebendo um gole de sua taça.
"Porque ela viu a competição que tem e tem noção de suas habilidades com seu poder. Enquanto ela deveria impressionar com o controle da mente, é difícil. Para isso, ela precisaria tomar controle da arena inteira, e isso, além de não estar na capacidade dela, poderia matar um murmurador sem essa força."
"E como não é uma favorita? Anda sempre com a princesa!"
"Você se engana se acha que isso garante favoritismo, Sakina." Ele balançou a cabeça. "Minerva sabe que não está indo para ganhar. Os favoritos são os Titanos, os Calore, os Gliacon, talvez Osanos, Tyros e Arven."
"Ela ainda poderia vencer! Eu ainda poderia vencer!" Ela levantou o queixo em teimosia. Zach sorriu e tomou a taça dos dedos dela com um olhar reprovador.
"Irmãzinha, você é tola por achar que Minerva já não achou um acordo melhor do que falhar e voltar de mãos vazias." E sorriu, sem dar pistas do que queria realmente dizer.
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A Silver Knife
Fanfic"[...] Você esquece daqueles que nos prejudicaram, e você esquece o que nós ainda temos a perder, e as dignidades que ainda precisamos roubar para acertar com um sussurro aquilo que deveria ter sido respondido com guerra quando aconteceu. Você me pe...