#01 - Onde Tudo Começa.

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Como a vida pode mudar, não é? 

Os pingos de chuva que lá fora caíam não me chamavam mais a atenção. Meu antigo hobby, apreciar a chuva, agora mais parecia uma tortura. Enquanto eu podia ouvir os pingos de chuva baterem no para-brisa do carro, via minha antiga cidade ficar cada vez mais distante. Quem conduzia era o cúmplice do meu pai, seu irmão Augusto, que no dia anterior havia combinado todo o plano com ele por telefone.

Sem celular, sem dinheiro e sem amigos. Esse é o resumo da minha situação atual. O que eu havia feito de errado? Talvez estourado o limite de um ou dois cartões de crédito, batido o carro umas três vezes por estar bêbado, ou levado garotas algumas vezes para dormir na minha casa, não sei direito o que motivou meus pais a tomarem aquela decisão, também mal lembro do que havíamos conversado na noite anterior.

-Você vai morar com seu tio por três meses. - Falava Arnaldo, meu pai, depois de um sermão enorme. - Esse é o tempo que você terá para provar para mim e para sua mãe que merece tudo o que damos para você. Do contrário você não precisa nem voltar para casa. - Terminava, em um tom de seriedade que eu nunca tinha ouvido do meu pai em casa. Eu não estava completamente sóbrio ainda, havia bebido algumas cervejas durante a festa de aniversário de uma amiga e ido direto para casa. Minha cabeça pesava. - Eu te avisei filho, eu te avisei. - Falou ele saindo da sala onde estávamos. Aquilo não fazia sentido, eu sempre achei que a ideia de me mandar para a casa do meu tio no interior era apenas uma ameaça e que ele jamais faria isso. Minha vida estava na cidade grande, meus amigos e tudo que eu mais gostava estavam lá e mudar completamente de realidade me aterrorizava um pouco.

-Acorda Nicolas. - Falou meu tio me despertando do transe em que eu estava. Acho que em meio àquelas lembranças acabei dormindo. - Paramos para abastecer. Quer ir ao banheiro enquanto isso? - Perguntava ele ao descer do carro. Fiz que não com a cabeça, mas logo depois cedi e desci para esticar as pernas. O clima estava úmido da chuva que caía até pouco tempo atrás, chão molhado e um friozinho gostoso. Sorri por me sentir um pouco melhor. Quando percebi que meu tio não olhava mais em minha direção, puxei do bolso meu iPod e o relógio marcava 16 horas e 20 minutos. Eu não queria arriscar que o confiscassem também, então tratei de guardá-lo rapidamente. Meu tio havia dito que ao chegarmos na cidade me devolveria o celular, mas todo cuidado era pouco. Até agora as coisas já estavam ruins e eu não as queria pior, talvez aquele aparelho eletrônico fosse minha única diversão durante esse trimestre longe de casa.

-Quantos quilômetros faltam? - Perguntei a Augusto quando voltou ao carro. Ele rapidamente respondeu "uns 100", e então me orientou a pôr o cinto. Ao sairmos do posto pude ver que uma caminhonete parou ao nosso lado para que o motorista pudesse conversar com meu tio, provavelmente eram seus conhecidos. Dentro dela estavam um senhor, uma menina da mesma idade que eu e um garoto que de momento achei ser mais novo. A conversa se resumiu a um cumprimento rápido e algumas outras coisas que não prestei atenção e logo estávamos na estrada outra vez. Meu tio passou quase o caminho todo falando da cidade, da família e da fazenda do meu pai a qual ele gerenciava. Aliás, aquele seria meu novo trabalho, ajudar meu tio a gerenciar uma das fazendas do meu pai e na visão dele adquirir alguma responsabilidade.

-Depois de andarmos por mais algum tempo, finalmente chegávamos a cidadezinha do meu tio. Pude ver a avenida principal da cidade, nela havia uma praça do tamanho de uma quadra inteira, cheia de árvores. Havia também um mercado pequeno, algumas lojas e algumas ruas laterais. Era isso, a cidade era realmente minúscula, bem cara de ser do interior mesmo. Continuamos pela avenida principal, e uma casa em especial me chamou a atenção pela imponência.

-De quem é esta casa, Tio? - Perguntei a ele, apontando para a casa cinza.

-É do prefeito, aquele senhor que passou por nós no posto de gasolina. - Respondeu ele. Forcei minha memória um pouco e pude lembrar do homem de cara ruim com aparência de 50 e poucos anos e cabelos grisalhos que havíamos visto há algumas horas. - Ele é o cara mais rico dessa cidade. É dono de quase tudo aqui. – Falou ele enquanto virávamos a esquina na direção de casa.

A rua do Tio Augusto era curta e tinha poucas casas, pois só tinha três quadras. No fim podíamos ver uma igreja e um clube para festas da paróquia, e como vizinhos tínhamos apenas umas três ou quatro casas, o restante eram apenas terrenos cercados por árvores, todos mantidos limpos pela prefeitura. Finalmente tínhamos chegado ao nosso destino. No portão da casa dele estavam tia Mirian, Jordana e Derek nos esperando. Ao ver meu tio chegando, meus primos fizeram aquela festa, "bem coisa do interior mesmo", pensei. Descarregadas as malas, dados os abraços e feitas as devidas apresentações, disse a meu tio que gostaria de andar pela cidade para conhecer melhor onde moraria, já que eu me sentia um pouco sem jeito ao ficar ali com meus primos. Meu tio prontamente disse que sim e isso me aliviou um pouco, porém logo depois ele continuou dizendo que meu primo teria que ir junto. Confesso que isso me desanimou e parecia mais uma parte do castigo do que zelo.

Apesar de pequena a cidade parecia acolhedora. Na pequena volta que dei junto com Derek pelas ruas laterais à avenida principal, vi casais de idosos caminhando, uns dois jovens andando de skate e algumas garotas em rollers. Apesar de hospitaleira, parecia não ter nenhuma diversão além daquelas atividades e da bendita praça cheia de árvores.

-Eu sei que você está achando a cidade um porre, mas logo você acostuma. É bom morar aqui. - Falava meu primo, provavelmente ao ver a cara que eu fazia ao andar pelas ruas. Apenas olhei para ele, sem responder ou demonstrar expressão facial. Continuamos andando e durante a caminhada entrei no assunto "mulheres" com o Derek. Meu primo me olhava atentamente e então o questionei se a cidade era boa nesse quesito. Achei estranho quando percebi que meu primo não tinha tanto interesse nesse assunto. Apesar dos músculos e do corpo definido, Derek não fazia parte da parcela de jovens atléticos sem cérebro daquela cidade. Aos 18 anos, ele já cursava o terceiro semestre do curso superior de Administração num polo de faculdade a distância da cidade e trabalhava em uma clínica veterinária durante o dia. Ele era um cara nerd em corpo de atleta e eu tinha certeza de que aquilo atraía vários olhares.

Andamos por mais alguns minutos e chegamos até a praça. Ela ocupava um quarteirão inteiro e tinha alguns caminhos de cimento que se interligavam bem no centro. Haviam também alguns bancos de cimento e os postes com formato de rua em s garantiam a iluminação. Estar ali me fez sentir algo diferente, fazia muito tempo que a cidade grande não me permitia sentir o ar puro e a verdadeira liberdade proporcionada pela simplicidade da natureza. Fechei os olhos, respirei fundo e por um momento me perdi viajando em meio a meus pensamentos não percebendo que estávamos prestes a atravessar a rua. Quando dei por mim ouvi o som do pneu de uma caminhonete freando e aí a surpresa: aquele carro estava vindo em minha direção. Fiquei imóvel, apenas esperando a colisão que por muito pouco não aconteceu.

-Cara, você está bem? - Desesperado, um jovem descia do carro e vinha em minha direção. Ele estava bem assustado mesmo tendo freado há alguns metros de mim, assim como eu e meu primo estávamos. Fiquei sem reação, quieto e apenas conseguia olhar pra ele. Parecia que meu cérebro era incapaz de processar alguma informação naquele instante, e se conseguisse, minha boca era incapaz de pronunciar qualquer palavra. Percebendo o meu estado de choque o jovem de curtos cabelos pretos e camisa social azul se virou ao meu primo. - Cara, ele está bem? - Lembro apenas de Dereck responder que sim e tentar me afastar do meio da rua. Logo o povo começou a se aglomerar para ver o que estava acontecendo e o garoto apenas entrou no carro e saiu dali, quase como se quisesse evitar que o vissem e comentassem alguma coisa depois. Quando recobrei a consciência, questionei meu primo do que havia acontecido. Dereck quis desconversar e apenas me disse que era bom evitar me aproximar ou saber daquelas pessoas. Eu sentia algo estranho na postura do meu primo, mas deixei pra lá pensando que talvez ele estava tentando me fazer esquecer e pensar em outra coisa.

-Quem era o cara que dirigia? – tentativa em vão. Eu queria saber quem era o cara.

-Era o filho do prefeito. – as palavras que saíam da boca de Dereck eram amargas e transmitiam desprezo. 

O Filho do Prefeito: Origens (Livro 01)  - [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora